Arthur Soffiati |
Entre os rios Indo e Senegal, estende-se o maior deserto do mundo. O rio Indo corta o continente asiático no sentido perpendicular. Sua bacia irriga uma grande área que ainda se apresenta verde como um grande oásis. Mas ele pode ser tomado como o divisor entre a grande área do subcontinente indiano, bastante úmida e fértil, e o deserto arábico, que integra o grande deserto do Saara, até o rio Senegal, na costa ocidental da África. Este rio também delimita duas áreas: uma muito seca representada pelo Saara e outra verde, que se estende a partir de sua margem esquerda em direção ao sul da África.
No extenso deserto entre o Indo e o Senegal, correm grandes rios, como o Tigre, o Eufrates e o Nilo. Os três tornam mais férteis as terras que irrigam. Suas bacias são como grandes oásis em terreno extremamente árido. E esse grande deserto parece, dia a dia, tornar-se mais seco em decorrência das mudanças climáticas globais.
Mas a paisagem não foi sempre essa. No Pleistoceno, época anterior à atual, estendia-se nela uma grande floresta. A Terra era mais fria na glaciação de Würm, a última do Pleistoceno. Como consequência do aquecimento global natural ao fim dessa glaciação e a consolidação do Holoceno, época atual, com climas mais quentes, a grande floresta começou a recuar, dando lugar a uma grande área desértica. A área continental também reduziu-se com a elevação do nível do mar. Restaram longos áreas verdes nos vales dos rios mencionados, tufos de vegetação em pontos mais úmidos (os oásis) e, nos estuários dos rios tanto quanto nas praias, manguezais. Extensos manguezais.
Partindo do delta do Indo, onde abundam manguezais do tipo ribeirinho, caminhamos para oeste, em direção ao golfo Pérsico. Até o grande delta do Chat-el-Arab, formado pelos rios Tigre e Eufrates. Os outros rios do deserto, quando existentes, são diminutos, só fluindo em tempo de chuvas abundantes. Sem vazão suficiente para conter o avanço do mar, reentrâncias na costa desértica funcionam mais como canais de maré do que como cursos fluviais.
Sempre em direção ao ocidente, ingressamos no Golfo Pérsico. Logo no estreito de Ormuz, em sua entrada, encontra-se a ilha de Ormuz, onde a cidade persa de mesmo nome foi conquistada em 1507 pelo português Afonso de Albuquerque, que quase concluiu a construção do forte Nossa Senhora da Vitória. Os portugueses abandonaram a ilha em 1508, retornando a ela em 1515. O forte foi reconstruído, agora com o nome de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz. A ilha foi retomada pelos persas e hoje integra o território do Irã. Nela foi criada uma área para proteger a floresta de mangue com o nome de Hara Mangrove Forest.
No golfo Pérsico, desembocam apenas os grandes rios Tigre e Eufrates, como já visto, formando um grande e complexo delta. Plantas de mangue formam um bosque ribeirinho nesse delta. Contudo, nas margens do golfo existem apenas praias onde se formam manguezais de borda ou de franja. Vale dizer, aquele tipo de arranjo que não depende de água doce na retaguarda para formar um estuário. A espécie mais comum é a siribeira Avicennia marina, extremamente tolerante a sal e resistente a impactos.
Na Guerra do Golfo entre Estados Unidos e aliados contra o Iraque, em 1991, o petróleo foi usado como arma de guerra. Grande quantidade dele foi lançada ao mar pelo Iraque. As maiores vítimas foram os manguezais. A Avicennia marina sobreviveu, desenvolvendo raízes anômalas das quais partiam pneumatóforos acima do nível da água poluída para continuar a função respiratória. O disparo desse sistema adaptativo foi estudado por Benno Böer (“Anomalous pneumatophores and adventitious roots of Avicennia marina (Forssk.) Vierh. Mangroves two years after the 1991 Gulf War oil spill”. Marine Pollution Bulletin nº. 27. Saudi Arabia. 1993).
Em torno do golfo Pérsico, formaram-se vários países, como Iraque, Irã, Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, com destaque para Dubai, e Omã, já numa extensão do golfo. Embora seja uma região desértica muito seca, é grande a urbanização dos países em moldes ocidentais. O petróleo e o turismo são as principais riquezas. Com tamanha aridez, a vegetação natural é escassa. As cidades criaram áreas verdes a poder de muita irrigação. Praças, ruas e campos de futebol. Nas praias, o manguezal viceja naturalmente na água salgada, a única grande área úmida do deserto. Trata-se do principal – talvez único – ecossistema vegetal nativo na vastidão arenosa, embora bastante ameaçado pelo crescimento econômico e urbano. No Qatar, o mais extenso manguezal se desenvolveu em Al Dhakira, uma reentrância da costa ao norte de Doha.
Ainda em direção ao ocidente, entra-se no golfo de Aden, ao norte do qual formou-se o Iêmen, país que enfrenta uma longa e sangrenta guerra promovida pelo Irã e Arábia Saudita. Ao sul, constituiu-se a Somália. Das montanhas iemenitas, descem rios intermitentes que concentram umidade no solo e mantêm rala vegetação em suas margens. Na costa, os manguezais predominam.
Entrando no mar Vermelho, estamos na rota que as sementes (propágulos) de manguezais traçaram para chegar ao ocidente, pois não existia ainda a separação natural dos mares Mediterrâneo e Vermelho. As plantas de manguezais são exímias navegadoras. Houve época em que as condições climáticas permitiam aos manguezais se fixarem na orla meridional do mar Mediterrâneo. Com essa longa viagem, que não poderia ser feita pelo sul da África por conta das correntes frias, novas espécies de mangue foram se constituindo. Elas continuaram a navegar em direção a oeste. Não encontrando o istmo da América Central, as plantas ganharam a costa americana do Pacífico. Quando da ligação terrestre entre África e Ásia e entre América do Sul e do Norte, duas barreiras impediram a circulação de propágulos. As aberturas antrópicas dos canais de Suez e do Panamá restabeleceram os antigos contatos, mas as condições climáticas entre os mares Vermelho e Mediterrâneo haviam mudado. Por essa razão, os manguezais desapareceram do mar Mediterrâneo. O delta do rio Nilo seria um excelente estuário para o desenvolvimento de um grande bosque de mangue.
Voltando ao mar Vermelho, o grande deserto do Saara, na costa oeste, é dividido por Djibuti, Eritreia, Sudão e Egito. Os poucos rios afluem para o Nilo. No entanto, pequenos rios intermitentes correm para o mar. Na costa, há reentrâncias, baixios e ilhas formando ambientes propícios ao desenvolvimento de manguezais tolerantes a altas salinidades. No arquipélago de Dahlak, na Eritreia, foi criado o Parque Nacional Marinho de Dahlak. A grande circulação de navios no canal de Suez, porém, não concorre para a saúde dos manguezais. O Egito promove timidamente o plantio de mangue na sua costa. Na costa leste, Arábia Saudita e Iêmen dividem o deserto. Na Arábia, encontra-se uma comprida e estreita reentrância da costa denominada riacho Obhur. Suas margens foram intensa e pesadamente urbanizadas. Há, inclusive, um bairro denominado Praia do Manguezal. As espécies dominantes são igualmente Rhizophora mucrunata e Avicennia marina.
Sempre em direção ao ocidente pelo norte da África, passa-se por Shar-el-Sheik (onde ainda encontram-se áreas de manguezal) e pelo delta do grande rio Nilo, no mar Mediterrâneo. As condições físicas aí são favoráveis ao desenvolvimento de manguezais, mas as climáticas não. Portanto, a viagem prossegue em direção ao estreito de Gibraltar, que dá acesso ao oceano Atlântico aberto. Os primeiros manguezais começam a aparecer discretamente nas costas da Mauritânia, país situado inteiramente no deserto do Saara. O continente africano divide duas províncias vegetacionais quanto aos manguezais. As espécies que ocorrem na costa africana do oceano Índico não ocorrem na costa atlântica do mesmo continente. Na África atlântica, vicejam cinco espécies consideradas exclusivas de manguezal pelos estudiosos: Avicennia germinans, Rhizophora mangle, Rhizophora harrisonii, Rhizophora racemosa e Laguncularia racemosa. Mais duas ocorrem em manguezal, mas não existe consenso sobre sua exclusividade nesse ecossistema: Conocarpus erectus e Acrostichum aureum. Todas essas espécies ocorrem também na América atlântica, demonstrando que se está no interior de um mesmo domínio ecológico de manguezal. Devemos considerar alguns aspectos. O oriente tropical vedou-se ao ocidente tropical com o fechamento do istmo de Suez e com as correntes frias do sul africano. Mesmo com a abertura do canal de Suez no século XIX, propágulos de espécies de mangue dos oceanos Índico e Atlântico não mais encontraram condições ambientais para navegar por ele, ganhar o mar Mediterrâneo e chegar ao oceano Atlântico.
A incomunicabilidade entre os oceanos Índico e Atlântico por muito tempo permitiu a constituição de espécies tipicamente atlânticas que se alastraram pelas costas africanas e americanas, considerando-se que o oceano Atlântico é uma intrusão do mar entre o grande continente de Gonduwana, que se separou e originou África e América.
Segundo Peter Saenger, os manguezais na costa atlântica da África têm seu limite norte na Mauritânia, nos tipos fisiológicos estuarino e lagunar (The mangrove vegetation of the atlantic coast of Africa. Saenger, P & Bellan in “The mangrove vegetation of the atlantic coast of Africa: a review”. Touluse: Université de Toulouse, França, 1995). Na classificação de Gilberto Cintrón, Ariel Lugo e R. Martínez (“Structural and functional properties of mangrove forests”. A Symposium Signaling the Completion of de ‘Flora of Panama’. Panamá: Universidad de Panamá, 1980), seriam manguezais ribeirinhos e de bacia, considerando-se as raras lagunas costeiras do país. Uma análise mais acurada pode descobrir manguezais de franja. Levemos em conta que o grande rio Senegal foi usado como limite entre Mauritânia e Senegal.
No trabalho citado, Peter Saenger arrola as ameaças aos manguezais africanos: desmatamento, invasão de plantas exóticas a ele, erosão costeira causada pela elevação do nível do mar, poluição por óleo e produtos químicos, aquicultura, barragens e urbanização. Essas ameaças pairam sobre manguezais do mundo inteiro.