André Julião | Agência FAPESP
Um grupo de pesquisadores brasileiros se aprofundou na história natural das formigas carpinteiras Camponotus renggeri e Camponotus rufipes e constatou que, ainda que algumas espécies sejam as mesmas em diferentes lugares, elas podem ter comportamentos distintos como resposta ao ambiente.
Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP por meio de três projetos (17/18291-2, 19/12646-9 e 20/15636-1), foram publicados na revista Insectes Sociaux por cientistas das universidades estaduais Paulista (Unesp) e de Campinas (Unicamp).
“Não sabemos ainda se as populações têm uma plasticidade que as permite viver em diferentes ambientes ou se são linhagens genéticas adaptadas a determinadas condições. Com esse trabalho, fundamentalmente feito no campo, abrimos espaço para uma série de perguntas”, conta Gustavo Maruyama Mori, professor do Instituto de Biociências (IB-CLP) da Unesp em São Vicente e coordenador do projeto.
Os pesquisadores passaram dias observando o comportamento de formigas das duas espécies no Parque Estadual Xixová-Japuí, entre os municípios de São Vicente e Praia Grande, no litoral sul paulista. Depois de localizar os formigueiros, eles registravam o horário de saída dos insetos, a distância percorrida e o que levavam para o ninho, entre outras informações.
Parte do grupo já havia feito estudos no Cerrado que determinaram muito do que se sabe sobre essas espécies, mas era preciso descobrir se os comportamentos eram os mesmos em outros ecossistemas, como a Mata Atlântica.
“Vimos, por exemplo, que no Cerrado C. renggeri predominantemente faz ninhos em troncos de árvore apodrecidos e C. rufipes também usa bastante palha seca. Agora, observamos que no litoral ambas fazem ninhos apenas em palha seca, por vezes acrescentando folhas verdes ou secas”, exemplifica Miguel Pereira Romeiro, estudante de graduação no IB-CLP-Unesp.
Romeiro divide a primeira autoria do artigo com outro graduando na mesma instituição, Gabriel Vanin.
Um comportamento que se repetiu tanto no Cerrado quanto na Mata Atlântica foi a separação espacial das espécies. Onde uma se estabelece, a outra normalmente fica de fora.
Durante o estudo de campo na Mata Atlântica, os pesquisadores presenciaram até uma luta entre as diferentes formigas quando estas se cruzaram, inclusive com a decapitação de uma C. rufipes.
“Junto com a separação espacial, essa é uma evidência de uma possível competição entre as espécies, que, apesar de não serem encontradas juntas, compartilham áreas de alimentação”, diz Marianne Azevedo Silva, que conduziu a pesquisa durante seu doutorado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, sob orientação do professor Paulo Sérgio Oliveira.
Recursos
Uma das diferenças observadas se dá na distância que as formigas percorrem para adquirir alimento em cada bioma. Os pesquisadores encontraram áreas de forrageamento, como são chamadas, menores na Mata Atlântica do que no Cerrado.
“Essa evidência sugere que a Mata Atlântica forneça mais recursos do que o Cerrado para essas espécies e, portanto, as formigas não precisam ir tão longe para adquirir alimento”, explica Vanin.
Uma vez que a vegetação do Cerrado é mais rasteira e as árvores mais esparsas, as formigas precisariam ir mais longe para obter a mesma quantidade de néctar, insetos mortos ou mesmo encontrar afídios, mais conhecidos como pulgões.
Esses insetos, que se alimentam de plantas, fornecem uma substância açucarada que representa um importante recurso alimentar para as formigas – e com essa estratégia os pulgões escapam da predação. Na Mata Atlântica, a vegetação mais densa permitiria obter alimentos com mais facilidade.
Em dezembro, parte do grupo se reuniu num workshop e visitou o Parque Nacional do Itatiaia, na divisa entre Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Com vistas incríveis e uma rica biodiversidade para se maravilhar, até mesmo os olhos treinados dos pesquisadores se surpreenderam ao encontrar, numa altitude de 2 mil metros, as mesmas formigas observadas no litoral paulista e no Cerrado.
“Ainda que estejamos realizando outros trabalhos atualmente, não paramos de falar delas. Nos perguntamos qual será o próximo local improvável em que as encontraremos”, encerra Romeiro.
O artigo Natural history of Camponotus renggeri and Camponotus rufipes (Hymenoptera: Formicidae) in an Atlantic Forest reserve, Brazil pode ser lido em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00040-022-00880-6.
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