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Uma política de Incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é Injustificável e Insustentável

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Wagner Lopes Soares | Lucas Neves Cunha | Marcelo Firpo de Souza Porto

Uma das ferramentas usadas pelo Estado para ampliar o acesso dos produtores rurais aos agrotóxicos e reduzir seus custos são os incentivos fiscais. Isso ocorre através da redução ou mesmo eliminação de impostos diversos, como o ICMS, IPI, Contribuições Sociais (Cofins e PIS/PASEP) e o imposto de importações. A razão alegada para desonerar tais impostos considera que os benefícios gerados com a consequente redução dos preços desse insumo seria vantajoso. No entanto, qualquer argumentação da subvenção a esses produtos relacionada ao aumento da produtividade e à redução dos preços dos alimentos, para ser válida, deve necessariamente levar em consideração as possíveis doenças, mortes e degradação ambiental relacionadas aos agrotóxicos. Quando isso não ocorre, políticas públicas podem caminhar no sentido contrário de um desenvolvimento sustentável, saudável e justo. Por exemplo, atravancando a expansão e a transição em direção a uma agricultura de base mais ecológica e saudável.

O princípio da seletividade, o qual sustenta a concessão de benefícios fiscais a determinado produto e atividade, deve ter sua aplicação precedida de estudos independentes que avaliem os possíveis retornos sociais, bem como os custos de oportunidade dos recursos públicos. Além disso, metas de resultados devem ser estabelecidas para que as mesmas possam ser avaliadas periodicamente, a fim de legitimar a permanência ou não de tal benefício. Segundo Seligman e Melo (2018), são necessários estudos independentes que embasem tais benefícios sociais e avaliações periódicas de impactos dessas políticas fiscais com o objetivo de garantir sobrevida dessas políticas ao longo do tempo.

No caso dos agrotóxicos, as isenções fiscais muitas vezes se perpetuam e são renovadas quase que automaticamente. Este é o caso do acordo 100/97 do Confaz que reduz a base do ICMS em 60% e foi renovado pelo menos 17 vezes desde que foi promulgado em 1997.

Por outro lado, procuramos estudos sobre o Brasil que avaliem e eventualmente corroborem tais benefícios sociais associados às subvenções dadas aos agrotóxicos, por exemplo, o número de empregos gerados no setor e o percentual de redução no preço da cesta básica. Contudo, não encontramos na literatura científica nenhum estudo que os justifiquem. Pelo contrário, nossa busca bibliográfica mostrou apenas estudos que analisam os custos sociais associados ao uso dos agrotóxicos. Este é o caso do estudo no Paraná, que indicou um valor entre 11 e 89 milhões de dólares considerando apenas o custo de intoxicação aguda.

No que diz respeito a outros danos à saúde e ao meio ambiente, estudos feitos nos EUA, um país com instituições consideradas atuantes para a proteção e fiscalização ambiental e sanitária, indicam custos com a saúde (problemas agudos e crônicos, incluindo cânceres) da ordem de 1,3 bilhões de dólares anuais, ao passo que danos ambientais e os custos com regulação dos agrotóxicos totalizariam US$4,2 e US$ 3 bilhões, respectivamente, a preços de 2013.

Estudos realizados também no EUA mostram que, para cada câncer que poderia ser evitado com o não consumo de agrotóxicos, cerca de US$3 milhões em lucro a mais são gerados para o produtor agrícola em razão do controle de pragas e doenças que afetam plantas e animais. Não existem estudos semelhantes no Brasil, mas se tais dados provém de um país com instituições mais efetivas na regulação, controle e fiscalização de agrotóxicos, o que dizer da atual situação brasileira?

A literatura especializada aponta que o custo social com agrotóxicos nos EUA aproximou -se de 11,6 bilhões de dólares anuais. Arriscaríamos a dizer que, no Brasil, os números não devem ser tão diferentes. Afinal, o Brasil consome mais que o volume empregado nas lavouras estadounidenses, faz o uso de substâncias mais perigosas e possui uma maior vulnerabilidade institucional para regular e controlar o uso e produção dos agrotóxicos.

Essa literatura econômica ainda revela que tais custos são socializados e não fazem parte da formação do preço final dos agrotóxicos e de toda a sua cadeia de comercialização, caracterizando o que é denominado de externalidade negativa. Há, ainda, um custo oculto, que é um custo do produtor rural e, portanto, privado. A diferença é que esse custo não é percebido pelo produtor, por exemplo, o aumento dos gastos com agrotóxicos, tendo em vista sua perda da eficiência agronômica ao longo do tempo provocada pelo decréscimo de organismos benéficos como os polinizadores, dos inimigos naturais das pragas e do aumento da resistência dessas últimas aos agrotóxicos nas doses e moléculas recomendadas. Isso se torna mais visível quando comparamos os dados censitários de 2006 e 2017; observa-se um aumento significativo nas despesas com agrotóxicos no período quando a confrontamos com o valor de produção gerado no estabelecimento agropecuário.

Por exemplo, nos estabelecimentos classificados como atividade econômica principal “algodão”, para gerar um valor da produção de R$1 gastava-se em 2006 R$0,01 com agrotóxicos, ao passo que em 2017 esse valor saltou para R$0,15, um aumento de mais de 1200%. Nos classificados como atividade principal o cultivo da soja, aumentou-se 588%, passando de R$0,02 para R$0,14, e na cana-de-açúcar 102%, com R$0,04% em 2006 e R$0,08 em 2017.

O que queremos revelar com o presente relatório é que os incentivos fiscais aos agrotóxicos, apesar de não representarem um efetivo dispêndio orçamentário, na prática restringem a atuação do Estado, pois reduzem a previsão da receita pública. Além disso, são contrários ao que prevê a literatura econômica e financeira, pois em vez de mitigar ou neutralizar as externalidades negativas, os subsídios aos agrotóxicos potencializam os danos e prejuízos gerados por tais substâncias perigosas.

Procuramos com este estudo discorrer sobre o tema respondendo questões que consideramos cruciais para o entendimento da desoneração fiscal, por exemplo: uma política de incentivo fiscal a agrotóxicos é necessária no Brasil? Quais os custos, as implicações e alternativas possíveis? Esse relatório traz números impactantes, especialmente para o atual momento da propalada crise fiscal da sociedade brasileira, fornecendo argumentos para se repensar os atuais incentivos dados aos agrotóxicos.

O principal resultado encontrado e consolidado na tabela 1, revela que os benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos em 2017 se aproximam de 10 bilhões de reais, sendo que o tributo responsável pelo maior montante desonerado em 2017 foi o ICMS, com 63,1% do total. Em seguida, o IPI com 16,5%, as contribuições sociais Pis/Pasep e Cofins, com 15,6% e, por último e com o menor montante, o imposto de importação com 4,8%.

Com esses resultados, podemos então ter a dimensão de como esses valores impactam diretamente e indiretamente aos cofres públicos.

Na proposta orçamentária da União para o exercício de 2017 foram previstos 35 bilhões de reais para a função orçamentária da agricultura. Dessa forma, os 3,7 bilhões da desoneração que impactam diretamente o orçamento federal representam 10,5% do orçamento da agricultura.

De acordo com a LOA (2017), comparamos o valor desse gasto tributário ao Orçamento da União destinado a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que foi 920 milhões de reais em 2017 (LOA, 2017). Observa–se que somente a desoneração com tributos de competência da União representam mais de três vezes esse valor.

Quanto aos Estados, por exemplo, o déficit orçamentário do Rio Grande do Sul em 2017 foi de R$1.668.735.918,34 (Sefaz RS), enquanto a renúncia fiscal de ICMS em 2017 foi R$ 945 milhões de reais. Logo, a renúncia daquele ano representa cerca de 56,7% do déficit do exercício de 2017 desse estado.

Há casos alarmantes, em que a renúncia fiscal com o ICMS sobre agrotóxicos representa 66,4% do orçamento na função saúde, como é o caso do Mato Grosso, seguido de Mato Grosso do Sul (39,3%), Tocantins (27,9%), Bahia (28,1%) e Goiás (23,6%).

Consideramos que todas essas benesses dadas pelo Estado ao agronegócio brasileiro, no que diz respeito aos agrotóxicos e às externalidades por ele geradas num país que se tornou o maior consumidor mundial, precisam ser conhecidas e debatidas pela sociedade. Os números e argumentos aqui apresentados tornam mais claro como é financiado e incentivado o uso de agrotóxicos no Brasil, entretanto são ainda desconhecidos pela população brasileira.

A falta de debates públicos e análises científicas mais consistentes dificultam confrontar argumentos que defendem o uso de agrotóxicos como essenciais para manter o preço dos produtos agrícolas e da cesta básica do país. Muitas vezes esse argumento encontra–se disfarçado de um discurso de cunho humanitário quando alega–se a importância do uso e incentivo de agrotóxicos para combater à fome no país e até mesmo no mundo.

É inconcebível justificar os subsídios com base na nobreza do discurso de segurança alimentar e do combate à fome de um produto que possui o potencial de matar e poluir o meio ambiente. Nesse caso, seria mais razoável subsidiar não o uso de agrotóxicos na produção, e sim diretamente o consumo do alimento.

Frequentemente são feitas ilações que defendem as desonerações dos agrotóxicos com argumentos simplórios amparados apenas retoricamente, e não em estudos de natureza empírica que avaliam o retorno, ainda que restritos a aspectos econômicos, dessa medida.

De fato, a desoneração com agrotóxicos com PIS/Cofins contribui com apenas cerca de 8% do total desonerado da cesta básica com esses tributos e, portanto, a tributação pode sim ocasionar, ainda que pequeno, um impacto nos preços da cesta básica, principalmente as olericulturas (hortaliças, legumes e verduras), tendo em vista um possível aumento no custo de produção. No entanto, tais alimentos podem e têm um grande potencial para serem produzidos com técnicas mais sustentáveis, o que requer um conjunto de políticas públicas que estimulem a transição agroecológica.

Todavia, para a grande maioria dos produtos, como por exemplo soja, trigo, café, algodão, cana–de–açúcar e milho, as commodities de um modo geral, espera–se pouco impacto, uma vez que os produtores são tomadores de preço, e não são capazes individualmente de influenciar os preços nos mercados internacionais e de repassar os aumentos nos custos de produção para o consumidor.

Em 2014, apenas seis commodities foram responsáveis por 85% do consumo de agrotóxicos no Brasil. Isso revela que agrotóxicos são utilizados principalmente para produção de commodities, cujos produtores são tomadores de preço no mercado internacional.

O fim da desoneração dos agrotóxicos não deixaria o agronegócio menos competitivo no mercado global, tendo em vista que poucos países no mundo têm abundância em todos fatores de produção exigidos na agricultura como o Brasil: terras agricultáveis, clima capaz de proporcionar safras com previsão de colheita no ano todo, e até mesmo mão-de-obra disponível e elevada mecanização no campo. Adicionalmente, a desvalorização cambial nos últimos anos também muito ajudou esse setor, abrindo mercados e aumentando a competitividade dessas commodities produzidas no Brasil.

Subsidiar um setor já bastante competitivo como o agronegócio brasileiro significa, em última instancia, apenas proporcionar incrementos na margem de lucro desse setor exportador.

Em verdade, o fim da subvenção aos agrotóxicos não tornaria nossos produtos menos competitivos no mercado internacional, pelo contrário, funcionaria como espécie de blindagem a possíveis barreiras não tarifárias ao agronegócio brasileiro e abriria mercados a consumidores mais conscientes do ponto de vista da saúde e ambiente.

Em síntese, podemos dizer que a política brasileira de incentivo fiscal aos agrotóxicos vai na contramão das ações de regulação de problemas sanitários e ambientais que os países mais ricos adotam, que é o uso de instrumentos econômicos para restringir o uso de substâncias perigosas, como é o caso dos agrotóxicos. Diversos países taxam agrotóxicos de acordo com o risco do produto, como Canadá, Noruega, Suécia, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, dentre outros. Já no Brasil, os impostos parecem trabalhar de forma contrária ao princípio básico de regulação baseado no poluidor pagador. Aqui, incentivamos tecnologias perigosas e ambientalmente insustentáveis, ao mesmo tempo em que criamos barreiras econômicas para a adoção de uma agricultura de base mais ecológica e saudável.

Ao conceder benefícios fiscais aos agrotóxicos, além de tudo que já problematizamos, estamos em última análise distorcendo os custos dos diferentes métodos de produção agrícola, favorecendo o uso dos agrotóxicos do ponto de vista econômico.

Defensores dos agrotóxicos defendem os incentivos fiscais como necessário para a redução do preço do produto agrícola convencional alegando que são mais baratos que os advindos da produção orgânica e agroecológica. Trata-se de um argumento falacioso por duas razões básicas. Primeiro, e tal fato é em si um contrassenso, os produtos sem agrotóxicos não recebem os subsídios nem todos os incentivos que a produção convencional há anos tem recebido. Segundo, aspectos como a menor oferta, distribuição e comercialização da produção orgânica são importantes para dificultar a redução dos preços desses produtos. Ainda assim, há diversas experiências onde há aumento de produtividade por técnicas agroecológicas somada à venda em feiras organizadas pelos próprios produtores, sem atravessadores. Tais feiras contribuem para a saúde pública, a educação ambiental e o consumo consciente. Portanto, os produtos orgânicos podem sim competir em condições favoráveis, e tais práticas deveriam se expandir no país.

Concluindo, a definição de qualquer política de incentivo fiscal deveria ser baseada em argumentos concretos e empíricos sobre as suas vantagens e desvantagens, assim como compará-las com outras possibilidades de políticas públicas que levassem em consideração os interesses do país como um todo, e não apenas privilegiando atores que a justificam pelo poder econômico e a influência política que exercem. Esse é claramente o caso do incentivo fiscal aos agrotóxicos, que precisa ser revertido o mais rapidamente em nosso país.

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*Este texto faz parte do Relatorio produzido pela Abrasco através do GT Saúde e Ambiente, com o apoio do Instituto Ibirapitanga

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