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Mineração urbana pode reduzir impactos ambientais da produção das terras-raras

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Frances JonesYuri Vasconcelos, da Revista Pesquisa FAPESP

Grupos de pesquisa desenvolvem metodologias para reciclar ímãs, baterias e outros materiais contendo esses elementos químicos

As terras-raras fazem parte de um grupo amplo de minerais chamados de estratégicos, que têm importância econômica e são fundamentais para a produção de tecnologias ligadas à economia verde e à indústria de baixo carbono. É também o caso do lítio, do nióbio, do silício, do grafite e do cobre. Para incentivar o desenvolvimento dessa indústria no país, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) selecionaram em junho deste ano 56 projetos de produção para os quais foram disponibilizados, em um primeiro momento, R$ 5 bilhões. Dez deles estão associados aos elementos de terras-raras.

O Brasil detém 23% das jazidas mapeadas de terras-raras, o equivalente a 21 milhões de toneladas (t), sendo superado apenas pela China. O país asiático concentra depósitos que somam 44 milhões de t, ou cerca de 49% do total, e, utilizando-se dessa matéria-prima, é o maior fabricante global de superímãs, segundo dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos. A produção brasileira de terras-raras é incipiente – foram somente 20 t, em 2024, diante de 270 mil t dos chineses – e ainda não há fabricação local de ímãs (ver infográfico).

Os Estados Unidos, detentores de apenas 2% das reservas (1,9 milhão de t), buscam estabelecer acordos com outros países para garantir o abastecimento desses minerais e não depender somente dos chineses, que estão colocando barreiras à exportação de terras-raras, dificultando a concorrência no mercado de superímãs. A produção norte-americana no ano passado, de 45 mil t – menos de 20% da chinesa –, é insuficiente para a demanda do país. O governo de Donald Trump já demonstrou interesse nas reservas do Brasil, da Ucrânia, da Groenlândia, entre outros países.

Os principais depósitos com potencial econômico do Brasil estão em Minas Gerais, Goiás, Amazonas, Bahia e Sergipe, segundo informações do Serviço Geológico Brasileiro, da Agência Nacional de Mineração e de estudos técnicos consolidados. As terras-raras são normalmente encontradas misturadas entre si e agregadas a mais de 200 minerais, principalmente nióbio e fosfato.

Elas podem ser extraídas de rocha compacta ou de argila iônica, substrato que já sofreu intempérie e é mais fácil de minerar. É o que ocorre na reserva localizada no município de Minaçu, no norte de Goiás. Operada pela Mineração Serra Verde, de capital norte-americano e britânico, é uma das poucas minas de argila iônica exploradas fora da Ásia. O empreendimento é o único do país em produção comercial.

Mais fáceis de serem exploradas, as reservas de argila iônica são uma descoberta recente no Brasil, de no máximo 10 anos, explica o engenheiro químico Ysrael Marrero Vera, chefe do Serviço de Metalurgia Extrativa do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), no Rio de Janeiro. Muitos depósitos de terras-raras no país são de difícil extração e custo operacional mais elevado.

A meta da Serra Verde é produzir 5 mil toneladas por ano de um concentrado misto de óxidos de neodímio (Nd), praseodímio (Pr), térbio (Tb) e disprósio (Dy), de acordo com informações no site da empresa. A produção, conforme reportagem da Folha de S.Paulo, é voltada à exportação, principalmente para a China. Procurada por Pesquisa FAPESP, a empresa não se pronunciou.

Vista aérea do local de processamento de terras-raras da Mineração Serra Verde, em Minaçu (GO)

Pesquisadores ouvidos pela reportagem chamam a atenção para o fato de que as mineradoras que hoje exploram ou planejam explorar as terras-raras no Brasil são todas estrangeiras ou de capital estrangeiro, o que significa que podem ter menor propensão a fomentar ou utilizar a pesquisa desenvolvida no país. Temem também que o Brasil perca mais uma vez a oportunidade de se tornar uma das lideranças na exploração e no processamento das terras-raras – já que na década de 1950 e até meados de 1960 o país era um dos principais fornecedores mundiais de óxidos de terras-raras. O refino era feito pela empresa Orquima, que explorava depósitos de areias monazíticas, contendo terras-raras e urânio, e vendia sua produção de óxidos para clientes no exterior.

A Orquima acabou sendo estatizada e, depois de alguns anos, o governo considerou que não valia a pena investir mais no processamento de terras-raras. “Todo o investimento tecnológico e em recursos humanos foi praticamente perdido e, quando as terras-raras começaram a ter maior valor agregado nos anos 1970 e 1980, o Brasil já não tinha competitividade no setor”, escrevem os químicos Paulo Cesar de Sousa Filho e Osvaldo Antonio Serra, da Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado em 2014 na revista Química Nova.

Assim como a mineração de outros elementos, a de terras-raras tem impactos ambientais. Nas minas a céu aberto, há supressão da vegetação, erosão e compactação do solo e perda de biodiversidade local. Há também outras questões. Quando se produz o concentrado de terras-raras, elementos como lantânio (La) e cério (Ce) podem estar numa proporção muito maior do que o neodímio e o praseodímio, que são os que interessam. Com isso, ao final do processo, tem-se terras-raras (lantânio e cério) com demanda limitada de mercado. Além disso, certos minérios, como a monazita, podem ter elementos radioativos, como tório e urânio, gerando rejeitos com potencial radiotóxico. “Não basta dominar o ciclo de produção das terras-raras, é importante que ele seja sustentável”, destaca o químico Henrique Eisi Toma, do Instituto de Química (IQ) da USP.

Atentos à sustentabilidade do processo, o Cetem e outros grupos e institutos de pesquisa têm se voltado à recuperação dos elementos de terras-raras a partir de materiais já usados e descartados, como baterias, ímãs e lâmpadas fluorescentes, em um processo de reciclagem conhecido como mineração urbana. “Pegamos os ímãs pós-consumo e estudamos a recuperação das terras-raras contidas neles. Para isso, aplicamos algumas técnicas de metalurgia, como lixiviação, purificação e separação”, afirma Vera, do Cetem.

No Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, a FAPESP apoia pesquisas relacionadas à mineração urbana. Entre 2016 e 2020, houve uma colaboração internacional entre países da América Latina e Europa para recuperar elementos de lâmpadas fluorescentes descartadas, uma vez que o pó que reveste os tubos de vidro contém térbio.

“Esse pó tem um valor agregado imenso, e também mercúrio, que é tóxico. Por isso, o descarte indiscriminado de lâmpadas fluorescentes em lixão é terrível”, comenta o químico Sidney José Lima Ribeiro, coordenador do Laboratório de Materiais Fotônicos do IQ-Unesp.

No caso das lâmpadas, afirma Ribeiro, podem ser recuperados térbio, európio (Eu) e ítrio (Y). Esses elementos são empregados no desenvolvimento de cerâmicas e filmes finos luminescentes, além de sensores ópticos, aplicações que são o foco do grupo da Unesp. “Estamos desenvolvendo métodos para extrair as terras-raras e usá-las em nossas pesquisas”, acrescenta o pesquisador. Uma das linhas de pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), prevê o uso da bactéria Acidithiobacillus thiooxidans para produzir ácido sulfúrico a fim de recuperar as terras-raras, num processo de biolixiviação. O trabalho é coordenado pela química Denise Bevilaqua, do IQ-Unesp.

Em artigo publicado este ano na ACS Applied Bio Materials, pesquisadores da Unesp apresentaram um possível uso de um composto de terras-raras em nanoplataformas para o controle da liberação da droga anticâncer doxorrubicina. Os elementos adicionados ao material permitiram que a liberação da droga fosse feita a partir de luz infravermelha, segundo o trabalho, cuja primeira autora, Marina Paiva Abuçafy, faz estágio de pós-doutorado com bolsa da FAPESP.

A mineração urbana também é tema de um projeto financiado pelo CNPq com a proposta de transformar ímãs usados em turbinas eólicas, computadores antigos e trilhos de trem de levitação magnética, como os de um projeto em desenvolvimento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (ver Pesquisa FAPESP nº 342), em novos ímãs ou materiais. “O processamento de um imã usado de um tomógrafo ou aerogerador é idêntico ao de uma liga zero-quilômetro”, afirma o físico Sérgio Michielon de Souza, do Departamento de Física dos Materiais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Souza também está à frente de outra empreitada, a coordenação de um novo INCT dedicado às terras-raras, o Materia – Materiais Avançados à Base de Terras-raras, aprovado este ano. Com investimentos de R$ 10,2 milhões previstos para os próximos cinco anos, a iniciativa é mais ampla em objetivos do que a anterior, do INCT Terras-raras (ver reportagem), uma vez que não se restringe à cadeia específica dos ímãs, mas se volta às diversas aplicações possíveis das terras-raras. Entre elas, a produção de células fotovoltaicas e materiais termoelétricos.

A meta do INCT, desafiadora, é fazer o ciclo das terras-raras totalmente nacional, da extração às aplicações nos próximos cinco anos, afirma Souza. “Vamos trabalhar para produzir novos materiais ou ímãs com a mesma qualidade da China.” Integram o novo INCT 15 instituições, sendo oito universidades, cinco centros e institutos de pesquisa e dois institutos de ensino técnico. “Esse é um grande diferencial, pois envolve desde a formação mais básica até a mais avançada”, conclui.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a  licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
https://revistapesquisa.fapesp.br/mineracao-urbana-pode-reduzir-impactos-ambientais-da-producao-das-terras-raras/

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