Com extremos climáticos mais frequentes, infraestrutura precária e os piores indicadores sociais do país, adaptar ao novo normal é incluir, e pode ser atalho por uma nova visão de desenvolvimento
Em 2023 e 2024, a Amazônia enfrentou suas duas piores secas da história, com comunidades isoladas, serviços de saúde e educação prejudicados, morte de peixes e lavouras, queimadas descontroladas, muita fumaça e falta de água potável.
Não vimos a mesma atenção ao Norte que foi dada ao Sul. O que se viu foi um Estado insuficiente e lento para uma seca severa esperada. Cestas básicas e água mineral para alguns, por alguns dias, não são soluções para o novo normal.
Os tomadores de decisão globais têm culpa pela mudança do clima, mas o tamanho da crise humanitária no nível local é também responsabilidade dos nossos governantes, subnacionais incluídos. Quanto mais deixam as questões ambientais em segundo plano, maior o sofrimento de seus cidadãos. E mais caro vai ficando.
No auge da estiagem recorde, pouco se falou de clima durante as campanhas eleitorais na região. Até aí, nenhuma surpresa quando 88,86% dos prefeitos eleitos são contrários à pauta ambiental, segundo levantamento do InfoAmazonia com base no ICAt (Índice de Convergência Ambiental total).
Medidas de mitigação climática (redução das emissões), comando e controle, e combate ao desmatamento são vistas como ameaças ao crescimento econômico. Insiste-se num modelo arcaico de ocupação que deu errado, que opõe floresta vs desenvolvimento, viola direitos, beneficia alguns poucos, e deixa a conta para todos. É a região que detém os piores indicadores sociais do país, há décadas estagnada nos pífios 7 a 8% de participação no PIB nacional. Um modelo de pobreza responsavel por metade das emissões brasileiras, vindas em sua maioria do crime, do desmatamento ilegal na Amazônia.
Para começar a mudar, só quando a sociedade despertar, em uma Amazônia onde mais de 70% da população é urbana. E meio ambiente passar a dar voto.
Se pelo viés da mitigação tem sido difícil, quem sabe pega tração pelo da adaptação climática (redução dos danos nesses novos tempos). Talvez por aí a pauta socioambiental aterrisse de forma mais palatável nas casas de cada um, mesmo daqueles pouco afeitos à causa, até porque o clima já entrou chutando. E assim possam incidir com mais força junto aos que detém a caneta, prefeitos, vereadores (os governadores e deputados de amanhã), até então parte do problema quando devem ser parte da solução.
Na região do país que mais carece de infraestrutura básica, serão mais que bem-vindos investimentos em adaptação climática que melhorem o acesso às energias renováveis, ao saneamento, à água de consumo, aos sistemas de irrigação, de conservação de alimentos, de atenção primária, entre outros.
No embalo de articular a agenda de adaptação com a de inclusão por um outro “desenvolvimento”, estreitam-se os compromissos e contrapartidas dos governantes locais também com a mitigação, pois são esforços que precisam se somar. E que então se mobilizem por recursos para fazer acontecer, em um bioma que gera benefícios ecossistêmicos globais, só que os custos sociais e de conservação permanecem locais.
Sem o social não se resolve o ambiental.
Uma região diferente demanda estratégias diferenciadas, que compensem a logística onerosa e atendam o contexto amazônico. Com municípios do tamanho de países, não são fáceis os desafios de uma Prefeitura como a de Altamira/PA, por exemplo, para implementar a atenção primária ou o acesso à água junto aos seus cidadãos espalhados em uma área maior que a Inglaterra ou o Ceará.
Daí a importância de somar esforços com os movimentos sociais (indígenas, quilombolas, agroextrativistas e outros), ONGs, Universidades, parcerias público-privadas, com a transferência de expertises, soluções baseadas na natureza e tecnologias de ponta na ponta, demonstrativas e escaláveis.
O momento é oportuno. Neste ano, a Amazônia será sede da COP 30, tendo a Adaptação e o Financiamento Climático entre as principais agendas. No campo doméstico, o Governo Federal está atualizando a Estratégia Nacional de Adaptação, com forte atenção às cidades. É tempo também dos processos obrigatórios a cada 10 anos de revisão dos Planos Diretores Participativos nos municípios com mais de 20 mil habitantes.
Otimismo é algo cada vez mais desafiador. Sem ilusões, porém elementos não faltam para virar a chave, a começar da (e para) Amazônia.
CAETANO SCANNAVINO – Coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, com atuação há 40 anos na Amazônia, membro da coordenação do Observatório do Clima, e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.
Matéria originalmente publicada no jornal Folha de São Paulo