Elisa Homem de Mello | Jornalista
Waste-Food. Em outras palavras: não existe resíduo, tudo é recurso. Este é o primeiro princípio da Economia Circular, uma inovação disruptiva, que de nova não tem nada. Bebi da fonte na Universidade de Tecnologia Holandesa – TU Delft, com os maiores nomes desta corrente totalmente inspirada por sistemas vivos, e aí compreendi que a economia circular está presente em nosso dia a dia e tem suas origens enraizadas, não podendo ser rastreada até uma única data ou autor. Entretanto, há algumas escolas de pensamentos que contribuíram para o aperfeiçoamento e desenvolvimento deste conceito, como a Ecologia Industrial, o Cradle to Cradle e a Biomimética.
A Biomimética (ou Biomimetismo) tem sua inspiração na natureza. A ideia central está no fato de que o mundo sustentável já existe e que precisamos valorizar a natureza não com base naquilo que podemos extrair dela, ou colher ou domesticar, mas com base naquilo que podemos aprender. Então, quais são as características dos sistemas vivos? E como eles se relacionam com os nossos sistemas artificiais? Como podemos replicar esta ideia em nossos sistemas artificiais?
Primeiro de tudo, não há tal coisa como resíduos em sistemas vivos. Um resíduo de uma espécie se torna alimento para outras espécies.
Portanto, se redesenhássemos produtos para que eles pudessem ser reutilizados ou desmontados no final da vida, poderíamos manter esses produtos e seus materiais em seu mais alto valor, em todos os momentos. Embora, pareça se tratar de um processo reverso um tanto quanto simples, alguns setores da indústria corretamente afirmam que o processo de reciclagem ou recuperação das matérias primas em seu estado original é quase impossível. Por sorte, o setor do plástico descobriu, em tempo, que conectar todos os elos da cadeia é a única saída para fazermos com que o que é o final de um ciclo em uma indústria, se torne o início de um ciclo em outra. E não só! O setor vem construindo resiliência através da diversidade e se utilizando de energias provenientes de fontes renováveis (outros dois princípios chave da economia circular), para buscar soluções para o destino correto ao descarte deste material.
Este foi o recado dado durante a Feiplastic, que aconteceu em Abril, no ExpoCenter Norte, em São Paulo. Com proporções internacionais, a feira sobre plástico, que conta com mais de 30 anos de história, se consagrou atuando como a maior plataforma de relacionamento entre marcas e compradores da indústria plástica. O que, num primeiro momento, poderia parecer um conto de escárnio para o seleto, e atualmente nada reduzido, grupo de ambientalistas e afins que, como eu, com base em dados publicados nos últimos 3 anos, elegeu o plástico como sendo o vilão mor desde a Revolução Industrial, foi, na verdade, um avanço em prol de alguns dos conceitos/pensamentos mais importantes da atualidade, como o da economia circular e o da sustentabilidade dos recursos naturais.
Do pavilhão Inova Plastic, Linda Oliveira, Coordenadora de Comunicação e Marketing do Sinctronics – centro de inovação e tecnologia – nos lembra que, desde a Revolução Industrial (1760 a 1840), vimos trabalhando de forma linear e tudo o que existe no mercado, desde máquinas até sistemas, são feitos pensando esta economia linear. Com isso, foi preciso otimizar tudo e desenvolver tecnologias e incentivar pesquisas para que a mudança esperada ocorresse.
E ela vem ocorrendo, e não aos poucos, mas à passos largos e com descobertas revolucionárias, além do fato de que a maioria do processos estão automatizados o que possibilita produzir, a partir de bens sem mais serventia, um novo produto, capaz de ser manufaturado e colocado novamente no mercado. Linda confirma que, no caso dos equipamentos eletroeletrônicos, além da estética ser de alta qualidade, as especificações laboratoriais, ou seja, a resina virgem e a resina reciclada são equivalentes. Em outras palavras, além do valor do plástico no mercado, mantém-se também seu valor agregado. O que vemos é que todo este processo não apenas dá importância à sustentabilidade ambiental, mas principalmente à sustentabilidade econômica e social.
E foi pensando no desafio complexo deste novo tripé (ambiental, social e econômico), imprescindível para conseguirmos preservar o Planeta para as futuras gerações, que foi criada, em 2018, a Rede de Cooperação para o Plástico. A Rede reúne todos os elos da cadeia produtiva estendida do plástico em torno da discussão e desenvolvimento da economia circular no processo produtivo do setor. Estão envolvidos nesse desafio petroquímicas, transformadores de plástico, empresas de varejo, cooperativas, gestores de resíduos, recicladores e indústrias de bens de consumo. Afinal, só funcionamos em sociedade quando trabalhamos em conjunto com o mesmo propósito, o que, aliás, é outra das premissas do conceito de economia circular.
Segundo Gustavo Alvarez, da America Tampas e Coordenador da Rede, há um cuidado grande com questões ligadas à comunicação e à governança, para que as empresas que formam a Rede e atuam em prol do plástico tenham a segurança de que o processo efetivamente será circular. Se olharmos única e exclusivamente para a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10), uma das mais atuais do mundo e com instrumentos importantes para permitir o avanço necessário ao País no enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos, não haveria necessidade de formar a Rede. Entretanto, esta cooperativa vai além disso, e busca valorizar o plástico e melhorar a imagem do produto perante a sociedade, “pois é a sociedade quem atua, para darmos a resposta correta em direção a estas soluções”, afirma Alvarez.
Na visão de Bruno Igel, Diretor Geral da Wise, empresa que desenvolve solução para a reciclagem de plástico, localizada em Itatiba, no interior paulista, há cerca de dois anos, as empresas, mais dispostas a mudarem seus hábitos, têm incentivado a cadeia como um todo, incluindo as pontas (catadores de sucata e aterros sanitários) até prefeituras, gerando maior demanda no mercado, que, por sua vez, segundo ele, traz avanços nos investimentos tecnológicos e propicia maiores possibilidades tributárias e políticas públicas.
Os bens remanufaturados criam valor comercial, uma vez que permitem que os fabricantes aprendam sobre o desempenho de seus produtos no mercado e aprimorem as versões subsequentes do produto; trazem economia em custos de material e fabricação; permitem ao fabricante controlar o fim de vida de seus produtos e usarem componentes também remanufaturados para manutenção e reparo, ao invés de novos componentes mais caros. Certamente, esta seria uma contribuição grande para se alavancar as perspectivas de faturamento da indústria, que registraram queda de 6,3%, em Março deste ano, segundo dados da CNI (Confederação Nacional das Indústrias).
De qualquer forma, é preciso enfatizar que a economia circular nasce para que o conceito de lixo morra e, principalmente, para que o nascimento de um produto seja repensado, fazendo com que desde seu surgimento ele atinja as importantes questões que contribuam para a resolução do problema lixo.
No caso do plástico, se hoje seu destino final corre para onde não deve, cabe a todos tomar as decisões corretas para que todo o trajeto seja mais apropriado e capaz de gerar novos insumos que possam ser remanufaturados e colocados novamente no mercado. Nada precisa ser lixo, hoje em dia. Existem alternativas melhores do que essa.
Case: Polen – Solução e valoração de resíduos
Se algum tempo atrás um amigo dissesse que iria montar uma empresa que valoriza o lixo, de duas, uma: ou você pensaria se tratar de mais uma destas cooperativas que triam recicláveis, ou de uma loucura sem futuro. Entretanto, quando se ouve o jovem carioca, Renato Paquet, compreende-se que, de fato, não existe fim nem resíduo, e que tudo, atualmente, é recurso e gera lucro, muito lucro. Paquet é formado em Ecologia com ênfase em ecologia industrial e gestão. Passou por instituições como CEBDS e FIRJAN, trabalhando diretamente com a demanda das indústrias de todos os portes para diferentes aspectos que tangem a sustentabilidade.
Ele é um dos fundadores e CEO da Polen, uma startup que nasceu com a ambição de revolucionar a forma como as empresas lidam com seus resíduos, transformando custos em receita para os clientes e fazendo o resíduo virar matéria-prima sustentável e reciclada. “Nosso slogan é encontrar solução e atribuir valoração aos resíduos pós-consumo e pós-indústria. Vendemos desde lodo de estação de tratamento de afluentes, até sobra de matéria-prima das indústrias. Tudo irá servir para o início de outro ciclo produtivo”, explica.
Através da uma plataforma, a Polen conecta empresas que geram resíduos com empresas que usam estes resíduos como matéria-prima. Assim, transformam o custo de destinação em receita e os resíduos em matéria-prima de origem sustentável e de baixo custo. A startup oferece ainda soluções em logística e seguro de carga, bem como um selo de certificação ambiental e um relatório de sustentabilidade para todas as operações das indústrias parceiras, ou seja, todas as informações e transações registradas na plataforma da Polen permanecem numa blockchains (tecnologia constituída por uma base de dados descentralizada, que oferece segurança e transparência para as transações realizadas no ambiente digital) e seguem em relatório fechado ao final de um ano de trabalho.
“Acreditamos que este trabalho só é bem sucedido se for capaz de viabilizar o comportamento e a cultura de reciclagem no Brasil quando feito em conjunto por todos os elos da cadeia”, afirma Paquet. De fato, é preciso fazer com que a reciclagem no país cresça em taxas e em números, para que o Brasil possa capitanear esta revolução. Com um setor ainda pouco explorado no país, apenas 13% dos chamados resíduos são encaminhados para a reciclagem.
Os resíduos sólidos tornaram-se, nos últimos anos, um dos problemas centrais em termos de planejamento urbano e gestão pública em praticamente todas as grandes cidades do mundo. Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) sobre a reciclagem no Brasil e a forma de organização dos trabalhadores desse segmento, apresenta estimativas recentes que apontam para uma geração de resíduos sólidos urbanos no país em torno de 160 mil toneladas diárias – 30 a 40% desse montante são considerados passíveis de reaproveitamento e reciclagem. Os dados ainda revelam a composição dos resíduos descartados: 57,41% de matéria orgânica (sobras de alimentos, alimentos deteriorados, lixo de banheiro), 16,49% de plástico, 13,16% de papel e papelão, 2,34% de vidro, 1,56% de material ferroso, 0,51% de alumínio, 0,46% de inertes e 8,1% de outros materiais.
Segundo Paquet, atualmente, o número de indústrias brasileiras que se cadastram na Polen, a fim de encontrar mercado para seus resíduos é bastante significativo: são mais de 500 indústrias registradas na plataforma da startup, cuja proporção é 1/3 indústrias compradoras e 2/3 indústrias vendedoras.
A empresa se encarrega de realizar buscas em todo o Brasil e já está com planos de expansão para toda América Latina e alguns países asiáticos. O faturamento da Polen, que não divulga números, compreende as taxas de sucesso entre transações realizadas no marketplace da empresa, mais os Serviços de Logística Reversa e as receitas do Recicla Orla. “Nós dobramos de tamanho de 2017 para 2018 e triplicamos de 2018 para 2019”, comenta Renato Paquet.
Toda vez que ocorre uma transação de resíduo pós-consumo na plataforma da empresa, é gerado um token na blockchain equivalente a um crédito de logística reversa, o que possibilita a indústria comprá-lo virtualmente e incentivar a cadeia de reciclagem. “Realizamos todo o trabalho, desde homologar a cooperativa, as centrais de triagem de resíduos até, para a logística reversa, toda a rastreabilidade da cadeia de reciclagem de nossos clientes através da blockchain.
“O que queremos, de fato, é entregar sucesso para as empresas e tornar cada vez mais fácil a absorção da economia circular”, explica o CEO da Polen. O trabalho de startups como esta e tantas outras que estão surgindo, vai muito além da contribuição econômica para o país.
Em tempos de crise no cenário político ambiental, elas produzem o efeito cascata de espalhar a cultura do lixo zero. Estas mesmas empresas, que se uniram em torno do lixo mais nocivo da Terra – o plástico – têm, acima de tudo, a visão de que este material não pode mais ser considerado um vilão, diante das perspectivas promissoras das indústrias petroquímicas que desenvolvem tecnologia avançada e de ponta para torná-lo cada vez mais “adaptável” ao nosso Planeta. Por isso, várias são as empresas que, atualmente, sentem a necessidade de um lugar onde seja possível uma comunicação clara e segura entre recicladores, fornecedores e produtores finais.
Assim, a Polen é uma das empresas que formam a Rede de Cooperação para o Plástico, responsável por reunir todos os elos da cadeia produtiva estendida do plástico em torno da discussão e desenvolvimento da economia circular no processo produtivo do setor.
“Estamos em total sintonia com a Rede e acreditamos que é preciso tornar uníssono este caminho”, enfatiza Renato Paquet. E aqui, vale ressaltar que a comunicação, vista sob uma perspectiva ampla, tem um papel importante a desempenhar no processo de conscientização e mobilização para a sustentabilidade, pois, dentre outras coisas, ela se fundamenta na defesa da bio e da sociodiversidade manifestada na criação de uma cultura planetária identificada com a distribuição equitativa dos recursos naturais, e com uma governança global que respeita a identidade e a autonomia de nações e de culturas.
A Polen tem ainda contribuindo para que as indústrias atendam à Lei de PMS (Plano de Manejo Sustentável) a qual define que todas as empresas que colocam algum produto embalado no mercado são obrigadas a realizar a logística reversa de, ao menos, 22% dos resíduos destes produtos, já que oferece, além da rastreabilidade, também a logística reversa.
Perguntado sobre a contribuição da Polen em relação ao plástico nos oceanos, Renato Paquet conclui: “Se depender da gente e do ritmo de crescimento da nossa empresa, não haverá mais plástico nos oceanos do que peixe, não. Na verdade, não é o plástico. Qualquer material que venha a substituí-lo ou qualquer lixo cujo descarte ocorra de forma incorreta, também se tornará um poluente para os oceanos”.