As respostas.
No meu texto anterior, publicado pela Envolverde e pelo Eco 21, afirmei que para cada desafio que a crise ambiental nos lança temos dado uma resposta.
O conjunto dessas respostas representa um esforço nada desprezível.
Começarei por examinar, ainda que rapidamente, aquela que vem do setor produtivo.
Está mesmo ocorrendo uma transição ecológica no capitalismo?
A título de preâmbulo é sempre bom lembrar que a ‘sociedade sustentável’ é uma utopia. Em nenhum lugar do Planeta está plasmada a sociedade que baseia sua vida numa economia sustentável, na justiça climática, na proteção da biodiversidade e na repartição justa dos benefícios da riqueza criada. Nem mesmo indígenas, aborígenes e populações tradicionais, não me venham com a hipocrisia do estereótipo do bom selvagem.
Dito isso, a transição de uma sociedade com base econômica orientada por uso de recursos fósseis (minérios, petróleo) para outra é um construto histórico, um engenho filosófico de vulto e um trabalho complexo, a ser realizado num mundo complexo, mergulhado em incertezas, a maioria delas provocadas por conflitos criados por nós mesmos.
Acordar da ilusão industrialista-produtivista é um longo e penoso despertar.
Como não existe nenhum modelo completo a ser seguido, mas somente experimentos e ‘balões de ensaio’, realidades parciais, vamos calçar as sandálias da humildade e parar com as demandas de uma ‘agenda ambiental total’.
Não a temos viável no curto prazo. Não é viável.
Essa agenda máxima é panfletária, inflamada e própria de ativistas apaixonados.
O tom apocalíptico gera muita ansiedade, gastrite, insônia, mas tem mostrado pouca capacidade mobilizadora.
O mundo vai acabar se ultrapassarmos 1,5 grau de aquecimento?
Seguramente não. Sofreremos as consequências dramáticas do aquecimento global? Certamente sim.
Sociedades inteiras poderão desaparecer? Possivelmente, em especial aquelas assoladas por secas severas ou enchentes constantes, tufões graves, e assim por diante. Como diz a música, onde era mar pode virar sertão.
Mas ainda assim, a humanidade não desaparecerá e alguns, mais que outros, sobreviverão a catástrofes não mais ‘naturais’ estrito senso. Pois nossa mãozinha humana está e estará impressa nessa história de negligência, imprudência e omissão.
Em geral prendemos com a dor e com o amor. Associada a cada uma dessas pedagogias está a inteligência.
Há uma inteligência conservadora que nos torna apegados ao que já existe, que nos impede de acolher mudanças, que nos convida a sermos egoístas.
Há outra inteligência, progressista, que se move e age com base na evolução do conhecimento, que inova, experimenta, e que acredita na força da transformação.
Ambas as inteligências estão presentes em tudo o que fazemos.
E nem tudo que apela para os sentidos ou significados atávicos do conservadorismo é necessariamente ruim.
Quem atua ou opera com os conceitos do Desenvolvimento Sustentável tem um enorme legado ao seu dispor para convencer, reunir aliados, provocar mudanças.
Nesse legado, que vem se construindo há cerca de 50 anos (Considerando apenas o período pré e pós Conferência do Rio, em 1992), não há espaço para a lógica do inimigo, mas sim para as alianças.
Nessa lógica, o debate e a melhor ação não é aquela que divide a faixa da rua entre ambientalistas e anti ambientalistas, mas aquela que organiza e dá robustez aos sustentabilistas, grupo cada vez maior e mais influente, presente em todos os segmentos da sociedade.
Quando em 1987 o Relatório Bruntland apontou o modelo de produção como o grande gargalo do desenvolvimento sustentável, a solução era trazer o empresariado não como vilões mas engaja-los na mudança.
Conseguimos?
Vejamos algumas respostas nada triviais que esse engajamento vem dando à necessidade de mudar o modelo de produção e a atividade empresarial.
1. Ninguém pode negar que a produção industrial ficou mais limpa e ecoeficiente, com modernização de equipamentos e adoção de novas tecnologias.
2. Foram criadas as contabilidades ambientais e indicadores, as ISOs e as certificações e um combate aberto ao green-washing.
3. Boom de doutrinas de mudança de mentalidade da atividade econômico-empresarial como o (Triple Bottom Line meados dos anos 90); a RSE (Responsabilidade Social Empresarial, entre 2010 e 2020) e agora o ESG, incluindo a governança ética na estratégia das empresas.
4. Coalizões de empresários como a de clima e florestas no Brasil e adesão a protocolos internacionais de transparência e accountability.
5. Surgimento de Think-Tanks de pensamento empresarial progressista como o CEBDS e o Instituto Ethos no Brasil.
6. Parcerias cada vez mais robustas com governos e sociedade em projetos que visam evitar ou restaurar danos ambientais.
7. O surgimento de milhares de negócios já plasmados numa matriz sustentável (vide plataforma do SEBRAE).
Isso só a título de resumo.
No nosso coração ambientalista há dois sentimentos igualmente fortes: um que pulsa por um mundo livre do capitalismo, outro que o quer reformado, ético, sustentável.
Nossas utopias estão sempre relacionadas aos desejos de felicidade e bem estar, em geral generosas e altruístas.
Hoje mostramos, em rápidas pinceladas, a caminhada do setor produtivo nestes anos.
Uma trajetória e tanto.
Amanhã falaremos do setor governamental.
O sentido dessa minha explanação?
Há um legado. Há que olhar para a esperança com olhos mais generosos.
Samyra Crespo | Ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.