Pesquisadores da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza comentam melhores momentos da 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas, realizada no Egito.
Em tempos de Copa do Mundo, as próximas semanas serão marcadas pelos lances dos craques das 32 seleções de futebol que estão no Catar. Mas, pouco antes da bola rolar no Oriente Médio, negociadores de mais de 190 países anunciaram, no último domingo (20), a aprovação do texto final da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 27), com passes que também merecem ser debatidos em mesas redondas pelos especialistas. A exemplo dos campeonatos mais disputados, teve golaço no finalzinho, gol contra, jogo truncado, participação discreta de jogadores importantes e o Brasil com o desejo de voltar ao pódio.
O golaço
Na opinião de especialistas, o gol mais importante da COP27 foi marcado apenas na prorrogação. A programação oficial havia terminado sem acordo e as negociações avançavam para o final de semana quando os 198 países participantes da conferência da ONU chegaram a um acordo para a criação de um fundo de perdas e danos para beneficiar os países mais vulneráveis às mudanças climáticas. A decisão foi considerada histórica, apesar de ainda haver muitas dúvidas a respeito dos mecanismos de financiamento e das formas de acesso aos recursos. Um grupo de trabalho transnacional será formado para definir a efetivação do fundo, que deve socorrer especialmente países ameaçados pelo aumento do nível do mar, migrações forçadas por desastres naturais e outras consequências das mudanças do clima.
“Esses acordos evoluem muito lentamente, pois precisam atender diferentes interesses dos diversos países envolvidos. De qualquer forma, o apoio as comunidades mais vulneráveis era uma demanda histórica dos países em desenvolvimento, presente nos debates sobre mudanças climáticas desde a Eco 92, realizada no Rio de Janeiro em 1992”, lembra André Ferretti, gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e participante da COP27. “É importante lembrar que os países mais pobres, apesar de contribuírem muito pouco para as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global, costumam sofrer as maiores consequências do desequilíbrio do clima”, completa Ferretti.
O gol contra
Os especialistas lamentam que o documento final da COP 27 não tenha apresentado avanços em relação à necessidade de metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Nesse aspecto fundamental das negociações para manter o aquecimento global em 1,5 grau Celsius em relação ao período pré-industrial, conforme estabelecido no Acordo Paris, praticamente não houve evolução em relação à COP 26, realizada em Glasgow, na Escócia. Apesar de alguns anúncios pontuais na intenção de reduzir as emissões por parte de países como Austrália, Emirados Árabes Unidos, Noruega e Tailândia, é consenso que são medidas insuficientes para conter o aquecimento global dentro dos limites aceitáveis.
O documento final da COP 27 também não apresenta novidades em relação às restrições ao uso de combustíveis fósseis, o que pode ser considerado um gol contra a esta altura do campeonato, já que menções explícitas nesse sentido foram retiradas do texto. A discussão foi flexibilizada e caminhou em direção à adoção de um mix de energias mais limpas, como o gás natural, o que não eliminaria o uso de combustíveis fósseis. As estimativas mais recentes dos cientistas indicam que, se as metas voluntárias de redução das emissões até 2030 forem mantidas, a temperatura média global deve subir pelo menos 2,4 graus até 2100 em comparação ao início da Revolução Industrial.
“Como os países mais desenvolvidos, que são os responsáveis pela maior parte das emissões, não apresentaram metas mais robustas nesta COP, existe uma expectativa muito grande de que até 2025 todos revejam seus compromissos e apresentem metas mais ambiciosas. Essa deve ser a estratégia se quisermos virar este jogo”, acredita Ferretti.
Brasil de volta ao campo
Com a segunda maior delegação da conferência, atrás apenas do Egito, a participação do Brasil na COP 27 foi discreta. Com um governo em final de mandato buscando colocar mais peso na questão energética, sem conseguir muitos avanços práticos, o maior destaque foi a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Em dois pronunciamentos, ele reafirmou que a pauta ambiental terá grande importância em seu futuro governo, inclusive com espaço institucional garantido aos povos tradicionais. Esperava-se, inclusive, que nomes de ministros conectados à pauta ambiental fossem anunciados durante a COP, mas isso não ocorreu.
“Existe uma expectativa muito grande de que o combate às mudanças climáticas tenha um protagonismo no novo governo. Vale lembrar que o Brasil sempre teve um papel de destaque nesta agenda ambiental, desde a Eco 92. Com o novo governo, espera-se que o país volte a ser protagonista no jogo diplomático, disputando partidas decisivas, fazendo o meio de campo entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento”, analisa Ferretti, lembrando que o país nunca havia contado com três espaços físicos em uma COP como ocorreu nesta edição.
A participação de governadores da Amazônia Legal e de representantes de empresas, ONGs e movimentos sociais, com destaque para organizações indígenas, também foi marcante nesta COP. A intenção do presidente eleito de realizar a COP 30 na Amazônia, em 2025, também ganhou manchetes durante o evento.
Um favorito com atuação discreta
O retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris após o anúncio de retirada feito durante o governo de Donald Trump (2017-2020) gerou grandes expectativas, mas os resultados práticos ainda são discretos. Em sua rápida passagem por Sharm el-Sheikh, o presidente Joe Biden fez um discurso considerado apenas protocolar. Uma das nações com maior peso no jogo das mudanças do clima, o país saiu de campo sem mostrar todo o seu potencial de liderança. Especialistas recordam que o líder norte-americano também tem enfrentado muitas dificuldades em aprovar projetos importantes para a redução das emissões no Congresso dos Estados Unidos.
“Mesmo com dificuldades para a aprovação de todas as medidas prometidas durante a campanha eleitoral, os Estados Unidos estão na direção correta. Como o maior emissor de gases de efeito estufa ao longo da história, e atualmente o segundo maior emissor, atrás apenas da China, os norte-americanos são cobrados para aumentar as ambições e, principalmente, ampliar o apoio aos países mais pobres”, explica Carlos Nobre, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Sobre a Rede de Especialistas
A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes em www.fundacaogrupoboticario.org.br
Sobre a Fundação Grupo Boticário
Com 32 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial. Sites:
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