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BILLINGS – 100 ANOS

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

* Por Elisa Homem de Mello

Quem vê, nem imagina que este espelho d’água de 152 km comporta 6  municípios da Região Metropolitana do Estado: Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, além da Capital. E com isso, cerca de 1,5 milhão pessoas, as quais demandam, poluem, vivem.

Quem vai em direção à Baixada Santista, saindo da cidade de São Paulo/SP pela Rodovia dos Imigrantes, se depara com uma imensidão de água doce, aparentemente cristalina e cheia de vida. Nesse último trecho do Planalto, está o coração da Represa Billings. (img i).

HISTÓRIA

Concebida pelos Engenheiros da antiga Light, em 1925, para armazenar água para abastecer de energia elétrica a Hidrelétrica Henry Borden (localizada assim que a descida da Serra do Mar termina, em Cubatão/SP), a Billings sofreu várias mudanças ao longo dos anos. A Natureza não! Esta se regenerou e trouxe a importância da água e da nova vegetação que ali surgia para o entorno da área no que se refere a biodiversidade de fauna e flora. Mas uma das mais gritantes é, sem dúvida, o quesito profundidade. Na década de 20, o reservatório chegava a ter trechos com mais de 60m de profundidade. Hoje, a profundidade máxima não chega a 20m. Daí, perdeu a função e o propósito, né?! Mais ou menos, e logo iremos ver o por quê.

Na verdade, sua idealização começou bem antes. Em 1910, um engenheiro norte-americano de sobrenome Billings escolheu a Serra do Mar e as corredeiras do Rio Jurubatuba – que, aqui em São Paulo, se encontram com o Guarapiranga para formar o Rio Pinheiros – para serem drenadas serra abaixo através de grandes tubos, que também podem ser vistos pelos que seguem o trajeto rumo ao Porto de Santos. Em 1927, a represa foi inundada. Ao longo do tempo, as demandas pela água da Represa foram aumentando cada vez mais, e atualmente, ela é responsável por abastecer, mensalmente, mais de 4 milhões de lares e conta com capacidade de armazenamento de 1,2 bilhão m3 de água.

Atualmente, às suas margens, vive uma população diversificada e heterogênea, com diversas origens e experiências. Algumas aldeias indígenas, dentre elas, as etnias Guarani Mbya e Tekoa Guyrapa-ju. Outra grande maioria de comunidades de baixa renda, em especial, mulheres negras e mães solteiras. Várias famílias vivem da pesca, chegando a quase 900 pescadores e pescadoras cadastrados na Colônia de Pescadores Z-17 Orlando Feliciano, cuja presidente é Vanderléa Rochumbacke. Outras vivem em favelas e muitas vezes enfrentam desafios como a falta de saneamento e a poluição e, com isso, várias doenças, além dos movimentos de ocupação de terras. E há, por fim, a outra parte da população da represa, para quem ela é sinônimo de fonte de recursos e até de lazer.

1º CENTENÁRIO: O QUE TEMOS PARA COMEMORAR?

Para celebrar e debater os pontos nevrálgicos deste tesouro, a Deputada Marina Helou (PSD), reuniu na Assembleia Legislativa de São Paulo – ALESP, um grupo diverso, mas com um único objetivo em comum: olhar para a Billings e lutar para que ela permaneça viva.

Segundo Dr. Virgílio Alcides de Farias, advogado ambientalista e coordenador do MDV – Movimento em Defesa da Vida, e a bióloga Marta Ângela Marcondes, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), existem vários pontos da represa em que já estamos bem próximos do denominado “ponto de não retorno”, seja por assoreamento, seja por má gestão hídrica ou de resíduos, seja pela falta de segurança face ao crime organizado, a falta de proteção da biota local e do entorno, seja pelo descaso com os povos tradicionais que aí habitam. É muito importante que a Billings volte a ser como era, quando foi inaugurada.

Parece ousado, mas é possível. Pelo menos, para Marina Helou, cuja ideia de celebração dos 100 anos de Billings, em Audiência Pública, contou com as presenças do Assessor Parlamentar, José Messina; com Raquel Varela, representante da Sociedade Civil, da Frente Parlamentar e do MDV, dentre outras vozes importantes para que esta tarefa de reviver a Billings seja sonho possível e fora do papel.

Bora tentar explicar a Represa Billings. Imagine um polvo, em que cada um de seus tentáculos são de cores diferentes (o que, de fato, um polvo consegue fazer). Agora, traga isso para um reservatório de água com 6 “tentáculos” em que cada um difere do outro, cada compartimento tem uma característica e um perfil totalmente diferente. Assim é a Represa Billings e os bairros que a cercam e suas diferentes populações e biodiversidades. É bom sempre lembrar que, antes de o reservatório existir, ali havia uma vegetação exuberante da Floresta de Mata Atlântica, sem mencionar a fauna e os povos originários que perderam suas vidas para que a Billings fosse construída. Somente isso, já seria motivo suficiente para cuidarmos melhor desta abundância hídrica.

img i – Mapa político da Represa Billings

Mas em 1950, com a justificativa inverossímil de que o reservatório ficaria sem água, e 2 décadas depois, por conta da construção das Marginais e seus alagamentos, as comportas do Rio Pinheiros foram direcionadas para a Billings. Entretanto, o Rio Pinheiros recebe, desde anos 70, emissários de esgoto (doméstico e industrial), oleodutos e mais uma infinidade de fossas clandestinas. A primeira ação foi proibida em 1992, mas a segunda ainda é usual, o que faz com que até os dias de hoje, durante as enchentes, a Represa receba toneladas de resíduos tóxicos do Rio Pinheiros, como mostram as análises das coletas de água, feitas durante uma das 4 incursões que a bióloga Marta Ângela faz, ao longo de um ano, na Represa Billings. “Segundo o IQA – Índice de Qualidade da Água, a nota máxima que uma amostra hídrica pode receber é considerado ótimo, mas não há mais nenhuma área na Billings que apresente esta classificação”, afirma Marta Marcondes, responsável pelo Projeto IPH (Índice de Poluentes Hídricos), dentro do Laboratório de Análise Ambiental da USCS. E pasme! Em alguns trechos da Represa já se detectou a bactéria Vibrio cholerae, causadora da cólera, doença transmissível por água e peixes infectados, entre outras formas.

Não dissertarei aqui, mas o tema invasão urbana e corrupção ou crime organizado também têm uma parcela significativa dentre os pontos nevrálgicos que assolam a Billings, segundo foi relatado durante esta coletiva. O foco será nas mudanças climáticas. E, em se tratando de Billings, o que está em jogo trata-se de considerável área de Floresta de Mata Atlântica, ou seja, um berçário para vida, um dos maiores centros de armazenagem de CO2 e um dos mais importantes elos entre terra e mar do Globo. Por isso, movimentos que representam a Represa Billings e que olham, com preocupação, para ela, promovem debates, estudos científicos e uma grande enxurrada de celebrações para que a sociedade civil também coloque foco na região. Na Billings, são feitos, por ano, centenas de estudos hídricos, geológicos e químicos para que se possa ter um panorama geral de todas as situações que apontam para estas questões nevrálgicas. A Legislação Ambiental vigente é robusta e atual em comparação com o resto do mundo, mas, da mesma forma que me questiono todos os dias, Marina Helou coloca: “o que está acontecendo hoje com o nosso modelo de gestão de água? O que acontece com a nossa Justiça versus o que está escrito? Apesar de tudo à favor, não conseguimos tornar realidade o que está no papel e cansamos de entrar na justiça, mas percebemos que o problema é que nem ela dá conta de acompanhar o descompasso de investimento, de realidade, de compromisso e de prioridade existente”.

Numa outra ponta, a bióloga Marta Ângela se questiona sobre a fiscalização e a discussão urbanística e de moradias na pior região da Represa, localizada na cidade de São Paulo. Aí, o IQA é péssimo e leva o posto de ‘a pior água do reservatório’. O local coincide com as áreas mais ocupadas da cidade, bem como com o braço do Rio Pinheiros. A questão crucial aqui é que, nos últimos 10 anos, esta área vem aumentando e empurrando para péssima também a classificação das regiões Bororé e Grota Funda (que formam o corpo central do reservatório), localizadas logo abaixo e consideradas ruim*. Os círculos abaixo, com cores distintas para cada região do mapa, mostram o IQA da Represa, segundo o estudo da professora Marta Ângela.

img ii – IQA da Represa Billings por regiões. Fonte: IPH USCS. Foto: EBVB

* Parâmetros de comparação hídrica para Classe 2

O Braço do Taquacetuba, que bombeia água para outra represa (a da Guarapiranga), assim como o Braço do Rio Grande, responsável pela captação de água da Sabesp para municípios da região do ABC e por bombear água para o Sistema Alto Tietê, são considerados regular. Para a professora Marta Ângela, o Braço do Rio Pequeno requer um foco especial, uma vez que é o único local a apresentar IQA bom, precisa ser protegido a todo custo, sem ser possível haver qualquer tipo de avanço urbano ou qualquer desmatamento. Em suma, na última década,houve prejuízo para dois Braços considerados bom e regular: Rio Pequeno e Rio Grande, respectivamente.

Houve ainda perda de capacidade de armazenamento hídrico do reservatório em vários pontos, sendo que 2 deles apresentaram perda de 30%, após o estudo medir a profundidade do local. Um caso bastante emblemático refere-se à área localizada próxima à Usina da Pedreira, e carinhosamente batizado pela equipe da professora Marta Ângela de “lixoberg”, que ocasionou a perda de profundidade que passou de 25 m para 70 cm. E houve também eutrofização por cianobactérias, fungos instalados nas vias respiratórias de peixes, bem como nanoplásticos em seus intestinos, ocasionando, de tempos em tempos, uma mortandade desses animais sem precedentes.

O fato é um só: a Represa Billings, ao longo destes 100 anos, mudou muito. Sua gente mudou, a vegetação daquilo que era uma Floresta também mudou. Cresceram várias atividades econômicas ao longo de suas margens, assim como vários condomínios de classe média baixa e uma demanda sem proporções por saneamento básico e gestão apropriada do uso dos recursos naturais deste pedaço grande de terra e água, localizado no extremo sul da cidade mais populosa de todo o Hemisfério Sul. São Paulo é um caso à parte em praticamente tudo. Listada pela Globalization and World Cities Research Network (GaWC) como uma cidade global alfa, ou seja, a cidade de São Paulo é um local no Globo considerado importante no sistema econômico mundial, ainda assim, esta mesma cidade não alcança atender o mínimo necessário para oferecer uma condição de vida sanitária básica para sua população. E em matéria de grandeza, o mesmo acontece com a Billings, considerada o maior reservatório de água doce em área urbana do mundo.

A relação entre saneamento básico e doenças não é uma descoberta recente: em 400 AC, Hipócrates associou a saúde à qualidade da água. É inconcebível e, por isso mesmo, nos anos 80 a ONU lançou a Década do Abastecimento de Água Potável e Saneamento. E continuamos em água, quando o tema é Décadas da ONU. Até 2031, estamos na Década do Oceano. E, de lá pra cá, nos tornamos signatários de vários tratados que nos obrigam a bater uma espécie de meta mundial. Em 2015, teríamos que ter atingido 2 bilhões de pessoas com saneamento básico no mundo. Na vida real… 3,5 bilhões de pessoas continuam sem acesso a saneamento básico no mundo. E, de acordo com a última meta mundial estabelecida (Acordo de Paris), até 2030, devemos ter erradicado do planeta este flagelo.

José Messina está entre as vozes importantes que atuam na defesa da Billings, bem como Wesley Silvestre e Uiara de Souza (esposa do Ferruge, fundador da ONG Meninos da Billings e desaparecido desde 2022). Para Messina, que participou dessa Audiência Pública em nome da Secretária de Meio Ambiente de Sao Paulo (SEMAM/SP), Natália Resende, a intenção da SEMAM é antecipar as metas de saneamento básico, de 2030 para 2029, por meio do Programa Universaliza São Paulo, cujo objetivo é dar acesso ao tratamento de esgotos e ao fornecimento de água a toda população do Estado de São Paulo. Em relação à fiscalização, foi criado o GFI – Grupo de Fiscalização Integrada, que deverá autuar empresas e prefeituras não conformes com a Legislação vigente . “Com os olhos da Marina (Helou) não se brinca, pois ela analisa cada vírgula dos contratos e dos projetos apresentados”, afirmou Messina, seguro de que a representatividade da Frente Parlamentar é robusta e olha para todos.

As ações e mobilizações da sociedade civil, durante a Audiência Pública que celebrou os 100 anos da Represa Billings, mostraram a importância dessa participação para as melhorias necessárias no reservatório. Para a atual presidenta do MDV, Raquel Varela, o GFI é um avanço. Na data, Varela, enquanto representante do MDV e da sociedade civil, protocolou a Carta de Comemoração dos 100 anos da Billings, cujo conteúdo abrange toda a Legislação que prevê a manutenção da Represa e, ao mesmo tempo, aponta para cada uma das infrações cometidas, bem como o descaso com as leis em voga.

Referências:

EMAE

Sabesp

Consórcio ABC

Wikipedia

Metrópolis

Estudo de Despoluição

Ministério da Saúde

Cidade de São Paulo

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