A crise hídrica que marca algumas regiões do país, notadamente o Sudeste e Nordeste, vem sendo insistentemente discutida entre autoridades, formadores de opinião e sociedade nos últimos meses. Neste sentido, as perdas de água nos sistemas de distribuição existentes nas cidades é um assunto que vem recebendo destaque. Apesar dos indicadores de perdas serem ruins há muito tempo, a escassez de água está dando luz ao tema, o que é muito importante se realmente quisermos dispor de mais água num futuro próximo.
O saneamento básico é considerado uma das infraestruturas mais atrasadas do Brasil e enfrenta dificuldades diversas e que vão além da expansão das redes de água e esgotos. Há problemas graves de eficiência no setor, que comprometem a qualidade dos serviços para o cidadão e a própria sustentabilidade financeira dos operadores. Um dos desafios diz respeito a perdas de água potável, que seriam suficientes para abastecer um terço da população brasileira durante um ano. Esse gargalo exige medidas de gestão para enfrentar e mitigar vazamentos, furtos, erros de leitura do hidrômetro, entre outros fatores, que causaram um prejuízo acima de R$ 11 bilhões em 2017.
É o que revela o estudo “Perdas de Água 2019 (SNIS 2017) – Desafios para disponibilidade hídrica e avanço da eficiência do saneamento básico”, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados. Com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano base 2017, o estudo mostra que a média de perda de água potável no país foi de 38,3%, ou seja, para cada 100 litros de água captada, tratada e pronta para ser distribuída, 38 litros ficam pelo caminho devido aos vazamentos, erros de leitura dos hidrômetros, furtos (famoso “gato”), entre outros problemas.
Isso significou uma perda de 6,5 bilhões de m³ – equivalente a mais de 7 mil piscinas olímpicas por dia. Se considerarmos apenas as perdas físicas (estimadas em 3,5 bilhões de m³), ou seja, vazamentos – a água que realmente não chegou à casa das pessoas – o volume desperdiçado seria suficiente para abastecer 30% da população brasileira por um ano (60 milhões de pessoas). Em termos financeiros, a perda de faturamento custou para o país R$ 11,3 bilhões, valor superior ao total de recursos investidos em água e esgotos no Brasil em 2017 (R$ 11 bilhões).
O pesquisador do Instituto Trata Brasil e da GO Associados, Pedro Scazufca, comenta que o nível de desperdício de água no Brasil, de 38%, está muito acima de países que são mais desenvolvidos e mais eficientes na distribuição de água, como Japão, Dinamarca e Israel, onde esse índice fica abaixo de 10%. O resultado disso é um prejuízo financeiro para toda a sociedade e que, em 2017, ultrapassou o valor dos gastos com saneamento. “Em relação ao que a sociedade pode fazer para combater esse problema, em primeiro lugar eu destacaria a responsabilidade dos municípios, que são os titulares dos serviços e eles devem estabelecer planos de saneamento que tenham metas claras para redução das perdas. Uma vez estabelecidas essas metas, fiscalizar para que sejam cumpridas. Do ponto de vista da sociedade civil, também participar ativamente de maneira consciente para a redução dessas perdas. De um lado, ajudando a reduzir essas fraudes, chamadas de gato hidráulico – intervenção no sistema de abastecimento em que algumas situações é roubada água da rede – e também fiscalizar os vazamentos e exigir dos municípios que se tenha uma perda menor de água na distribuição”, comenta.
O estudo mostra que o indicador de perdas de água potável nos sistemas de distribuição é um dos mais negligenciados no país, mesmo após a crise hídrica que afetou a Região Sudeste, entre 2014 e 2016, e a que ainda afeta o Nordeste. Isso mostra o quanto é importante o cidadão poupar a água potável nas residências, mas, principalmente, o quanto o poder público e empresas operadoras de água precisam melhorar em todo o país.
Todas as Unidades da Federação foram analisadas, incluindo as sete que integram a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Apenas Goiás registrou perdas de água potável inferiores a 30%, com 26%. Minas Gerais ficou com 36%, Bahia com 37%, Pernambuco com 52%, Alagoas com 45%, Sergipe com 48% e Distrito Federal com 34%.
As perdas de água potável ocorrem de maneiras diversas, sendo as mais comuns os vazamentos, roubos/furtos de água e erros de leitura ou leituras imprecisas devido aos hidrômetros serem muito antigos. As perdas são distribuídas entre físicas e aparentes. Comparativamente a outros países, o Brasil possui índices de perdas muito mais elevados que países menos desenvolvidos, tais como Bangladesh, Uganda e África do Sul, com perdas de 21,6%, 33,5% e 33,7%, respectivamente.
O indicador de perdas de água potável nos sistemas de distribuição é um dos mais negligenciados no país, mesmo após a crise hídrica que afetou a Região Sudeste, entre 2014 e 2016, e a que ainda afeta o Nordeste. Isso mostra o quanto é importante o cidadão poupar a água potável nas residências, mas, principalmente, o quanto o poder público e empresas operadoras de água precisam melhorar em todo o país.