Implementação da lei é atrasada por morosidade de órgãos públicos, judicializações e ameaças de desconfiguração por projetos de lei em tramitação
Na semana em que o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) completa 13 anos, em 25 de maio, ainda há um longo caminho para sua plena implementação. Com exceção da construção da base do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), foram poucos os avanços rumo à regularização ambiental efetiva das propriedades rurais conforme previsto na lei. Essa realidade se deve, em grande parte, à morosidade do poder público, à constante judicialização da norma e às sucessivas tentativas de alteração legislativa. Um levantamento da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura identificou 89 projetos de lei (PLs) em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que propõem mudanças no Código.
Dos 89 PLs mapeados, 34 tratam especificamente de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APPs). As propostas incluem flexibilização de exigências, alteração de parâmetros de recomposição e redefinição de critérios de consolidação de áreas ocupadas.
Entre os projetos de lei com alto impacto ao Código Florestal está, por exemplo, o PL 36/2021, cujo texto substitutivo, que alterou profundamente a proposta original, tramitou em regime de urgência e chegou a ser incluído na pauta do plenário na Câmara dos Deputados. Em posicionamento publicado no início de maio, a Coalizão Brasil afirmou que o PL poderia representar “um retrocesso significativo na proteção das florestas e demais ecossistemas naturais do país” (leia o posicionamento na íntegra aqui).
“Vemos projetos de lei que, na prática, tentam promover o desmantelamento do Código Florestal, baseados na falsa premissa de que a proteção da vegetação nativa inviabiliza a produção rural”, avalia Beto Mesquita, membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil e colíder da Força-Tarefa Código Florestal da rede. “Na verdade, a flexibilização das normas ambientais atenta contra a segurança jurídica necessária para a atuação do produtor rural.”
Ainda de acordo com Mesquita, que também é Diretor de Paisagens Sustentáveis da Conservação Internacional no Brasil (CI Brasil), o mapeamento dos PLs acende um alerta sobre a necessidade de todos os setores da sociedade se manterem vigilantes diante de manobras políticas que colocam em risco a proteção dos biomas. “A essa altura, com 13 anos de existência da lei, todos nós — enquanto governo federal, governos estaduais, setor produtivo, academia e sociedade civil — deveríamos estar focados na defesa de um grande pacto nacional pela implementação do Código Florestal, e não em flexibilizá-lo.”
Entraves e judicialização
O atraso na implementação do Código Florestal deve-se também à falta de capacidade institucional e de priorização da agenda pelo setor público. Além disso, as ações de judicialização criam insegurança jurídica no processo. O Supremo Tribunal Federal levou 12 anos para julgar ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) que questionavam alguns dos principais dispositivos da legislação, inclusive instrumentos que poderiam incentivar a proteção de áreas de vegetação nativa acima do mínimo obrigatório por lei (como as Cotas de Reserva Ambiental) e procedimentos para adequação e regularização ambiental da produção agropecuária.
“Tudo o que o Código Florestal não precisa é de mais disputas judiciais sobre sua implementação. O produtor rural precisa de segurança jurídica e estabilidade das normas e obrigações. Precisamos focar nossas energias no pleno funcionamento dos instrumentos e ferramentas necessários para acelerar a regularização ambiental no Brasil, especialmente a análise do Cadastro Ambiental Rural e os programas estaduais de regularização”, completa Mesquita.
Demora para análise do CAR
O Código Florestal estabelece o prazo de 2032 para que todos os produtores rurais do país estejam em conformidade com a legislação. Um dos principais desafios para alcançar essa meta é a análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Até 2025, apenas 30% dos cadastros haviam sido analisados, e menos de 2% foram efetivamente concluídos pelos governos estaduais — responsáveis por essa atribuição.
“No momento, mais de 99% dos imóveis rurais existentes no país estão no CAR. Porém, para que haja a regularização ambiental, esse cadastro precisa ser analisado pelos órgãos de meio ambiente dos estados. É essa análise que aferirá se o imóvel está cumprindo a lei, se tem passivos a serem regularizados ou se tem ativos (que poderiam vir a ser monetizados, conforme previsto na mesma lei)”, assinala Mesquita. “É urgente acelerar esse processo. Somente com a implementação do Código Florestal será possível trazer resiliência climática para a agropecuária e sustentabilidade para a produção de alimentos”, declara.
O que é o Código Florestal e qual é a sua importância?
A Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, também chamada de novo Código Florestal, trata da proteção da vegetação nativa em propriedades privadas e é uma das políticas ambientais mais relevantes do país, que tem o papel de conciliar a conservação ambiental com a produção agrícola. Sua implementação é, ainda, essencial para o enfrentamento às mudanças do clima.
O Código Florestal tem como direcionamento promover o manejo florestal sustentável, a restauração de áreas degradadas, o desenvolvimento de uma agricultura de baixo carbono, a segurança alimentar e a adoção de soluções baseadas na natureza (SbN), pilares fundamentais para o alcance das metas climáticas e para uma economia sustentável. Ele prevê, ainda, a preservação de até 80% de cobertura nativa nas propriedades situadas em áreas de florestas na Amazônia Legal, 20 a 35% em áreas do Cerrado e 20% nas demais regiões do país.