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“A mudança do clima e os conflitos são razões que provocam a insegurança alimentar”, declara diretor da FAO

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Em entrevista exclusiva para o site da COP30, Kaveh Zahedi, diretor do Clima e da Biodiversidade da FAO, destaca os desafios que a agricultura enfrenta para promover a segurança alimentar, frente à mudança do clima

Por Inez Mustafa | Jornalista

Kaveh Zahedi é responsável pela agenda FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) nas temáticas de agricultura e de insegurança alimentar durante a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima). 

Ele explica que a mudança do clima contribui para o alto número de pessoas em situação de fome no mundo. Inundações e secas reduzem tanto os rendimentos quanto a capacidade de produção, diminuindo os ganhos. Assim, por meio de novas tecnologias e outras já existentes, é possível construir resiliência e adaptação à mudança do clima na agricultura, ao mesmo tempo em que as emissões de gases de efeito estufa são reduzidas.

Para transformar a agricultura e os sistemas alimentícios em sustentáveis e resilientes, é necessário o financiamento de 1,3 trilhões de dólares por ano, adiciona o diretor. Além de financiamento, é preciso fomentar a diversidade das formas de cultivo e a diversidade genética dos alimentos, garantindo maior segurança alimentar. Zahedi afirma que as comunidades locais são as guardiãs dessa diversidade. 

O especialista também fala sobre a importância da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, lançada no G20 Brasil, e das expectativas para a COP30 no país. Zahedi esteve em Brasília, neste mês de março, para participar da Coalizão do Ar e do Clima. 

Conectando mudança do clima e insegurança alimentar

Kaveh Zahedi: A mudança do clima tem um grande impacto na segurança alimentar.  A mudança do clima e os conflitos são duas das principais razões que provocam a insegurança alimentar. Atualmente, mais de 700 milhões de pessoas ainda passam fome, e a mudança do clima contribui, em grande parte, para essa realidade. Por quê? Porque a crise climática aumenta os eventos climáticos extremos, prejudicando a agricultura. Inundações, secas, tudo isso reduz os rendimentos e a capacidade de produção. A mudança do clima também está aumentando as pestes e as doenças, novamente, gerando um impacto, diminuindo os ganhos. Precisamos também olhar para as emissões de poluentes climáticos de curta duração, como o carbono negro e o ozônio troposférico, que também impactam a produtividade e os rendimentos, bem como nutrientes contidos nos alimentos. Em resumo, um grande impacto.

Estima-se que as produções agrícola e pecuária tenham sofrido perdas de 3,8 trilhões de dólares no mundo, devido aos desastres climáticos, nos últimos 30 anos, segundo dados do relatório “O Impacto dos Desastres na Agricultura e na Segurança Alimentar” da FAO. Esse total equivale a uma perda média de 123 bilhões de dólares por ano, ou 5% do produto interno bruto agrícola anual, conclui o estudo.

Mitigação e adaptação da produção alimentícia frente à mudança do clima

Kaveh Zahedi: Temos de ajudar a construir resiliência e adaptação à mudança do clima no âmbito da agricultura, ao mesmo tempo em que as emissões de gases de efeito estufa são reduzidas. Não é um ou o outro. Nós temos abordagens, tecnologias, formas de produzir alimentos que podem ajudar a construir resiliência climática, que podem ajudar com a adaptação e a redução de emissões. Estamos falando de pecuária, aquicultura e agroflorestas mais sustentáveis, restaurando terras de agricultura degradadas. Podemos promover essas ações que beneficiam o clima, em termos de resistência e adaptação, ajudando com a mitigação e, principalmente, com os desafios da segurança alimentar. 

O papel das tecnologias na promoção da segurança alimentar

Kaveh Zahedi: Para promover a mitigação e adaptação à mudança do clima, muitas tecnologias devem ser aprimoradas e outras, claro, devem ser desenvolvidas. Por exemplo, é preciso olhar para práticas simples de agricultura, como a produção de arroz (rizicultura), que é uma grande emissora de metano; mas se mudarmos a forma de cultivo, ao invés de inundar os campos, podemos ter uma abordagem de alternância de alagamento e secagem. Isso reduz a quantidade de emissões da rizicultura. Olhemos para a pecuária, ao mudar a alimentação do rebanho, melhorando a saúde dele, podemos também diminuir as emissões. Acho que temos muitas tecnologias que podem ajudar, claro que nem tudo precisa ser alta tecnologia. Obviamente, há algumas dessas tecnologias que podem ajudar-nos, por exemplo, como os sistemas de alerta precoce, para que os agricultores saibam quando há inundação, seca, como eles podem antecipar-se à mudança do clima; mas há uma mistura de alta tecnologia e baixa tecnologia que irão ajudar-nos a construir resiliência, reduzir emissões e, claro, promover a segurança alimentar.

Sistema de Monitoramento e Simulação de Risco e Vulnerabilidade

Formulado dentro do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, essa ferramenta foi desenvolvida para avaliar, prever e mitigar os impactos dos eventos climáticos extremos e outras ameaças na agricultura. Ele combina dados climáticos, modelos agrônomos e informações geoespaciais para auxiliar na tomada de decisão de produtores rurais, governos e seguradoras. 

A importância do financiamento para a promoção de agricultura e sistemas alimentares mais sustentáveis

Foto: Kaveh Zahedi fala sobre os desafios que a agricultura enfrenta para promover a segurança alimentar, frente à mudança do clima. Foto: Isabela Castilho/ COP30

Kaveh Zahedi: Financiamento climático é essencial, mas não é o único financiamento. Nós sabemos que, para transformar a agricultura e os sistemas alimentícios, você precisa de, mais ou menos, 1,3 trilhões de dólares por ano, para transformar os sistemas agro-alimentares em sustentáveis e resilientes. Nem todo esse valor virá do financiamento climático, porém o que descobrimos, por meio do nosso trabalho, é que o financiamento climático e ambiental, se for bem direcionado, é um verdadeiro estímulo para mudar como investimos na agricultura e nos sistemas alimentares, tornando-os mais sustentáveis. Também é um verdadeiro estímulo para redirecionar as finanças dos países, pois se trata, de certa forma, de comprar parte do risco inicial das mudanças que precisam ser introduzidas nesses sistemas, o que terá sentido financeiro no futuro. Os países prometeram aumentar o financiamento climático de 300 bilhões de dólares para 1,3 trilhão, dentro do âmbito climático. O que nós temos de assegurar é que parte suficiente desse valor está indo para soluções na agricultura e nos sistemas alimentares. Atualmente, o financiamento que chega para esses setores é uma pequena porção, talvez 5% do financiamento climático total. Precisamos aumentar essa quantia, porque é onde podemos realmente obter o maior retorno sobre investimento. 

Contribuição dos sistemas tradicionais e locais de produção de alimentos para a segurança alimentar

Kaveh Zahedi: Segurança alimentar e fome zero estão no centro do mandato da FAO. É a verdadeira essência da existência da organização. Uma parte disso diz respeito à maneira como as comunidades locais produzem alimentos tradicionalmente. Nós temos visto uma verdadeira redução na diversidade genética de alimentos. Possuímos uma dieta muito limitada de alimentos. Há cultivos que são subvalorizados. Talvez, existam cultivos que costumavam ser usados para produção de alimentos, como o painço, anos atrás, mas que, de alguma forma, saíram de moda; por isso estamos diminuindo a diversidade genética dos alimentos que consumimos. Isso traz um risco porque, com a mudança do clima, não sabemos quais cultivos serão melhores que os outros. Quanto mais diversidade tivermos, maior segurança alimentar. E quem são os guardiões dessa diversidade? Grande parte das comunidades locais. Nós enfatizamos isso, por meio do programa Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM), que celebra a agricultura tradicional e as comunidades que têm sido guardiãs da agricultura, construído resiliência, se adaptado à mudança e utilizado a biodiversidade de forma sustentável, por centenas de anos.

Em 2020, o Sistema Agrícola Tradicional (SAT) da Serra do Espinhaço (MG) tornou-se o primeiro SIPAM, reconhecido pela FAO no Brasil. Esse sistema é um patrimônio cultural quilombola, que conecta saberes ancestrais à biodiversidade do bioma Cerrado, utilizando técnicas sustentáveis, como rotação de culturas e manejo agroecológico. Esse sistema inclui o cultivo de sementes crioulas e plantas medicinais e promove resiliência climática e autossuficiência alimentar.

Os SATs são formados por um conjunto de práticas ancestrais empregadas no manejo da terra e da biodiversidade. São encontrados em diversos territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. 

Quilombolas são comunidades formadas por descendentes de africanos escravizados no Brasil que, desde o período colonial até o século XIX, resistiram à escravidão criando quilombos – espaços de liberdade e organização coletiva.

Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, promovida pelo Brasil no G20, no âmbito da COP30

Kaveh Zahedi: Essa Aliança é vital, porque coloca em evidência a questão da segurança alimentar. Como eu disse no início, como podemos viver em um mundo onde 730 milhões de pessoas ainda passam fome? A Aliança lida com um dos problemas centrais de desenvolvimento que o mundo enfrenta hoje. E também é um acelerador, pois coloca na mesa esses pacotes de políticas públicas que podem promover a mudança, seja ajudando agricultores com sistemas de seguro, seja com outras políticas que podem ajudar-nos a construir a segurança alimentar. Portanto, a Aliança é um tipo de impulso político realmente importante para essa luta contra a fome. Com a COP30 acontecendo no Brasil, é claro que a agricultura e os sistemas alimentares terão um papel central, pois o Brasil está na vanguarda da agricultura sustentável de diversas formas. Por exemplo, a restauração de terras agrícolas degradadas é uma importante iniciativa no Brasil. Precisamos identificar esse tipo de iniciativas, para colocá-las em evidência na COP30, já que esse evento atrai atenção, e poderem obter o investimento necessário.

Expectativa da FAO para a COP30

Kaveh Zahedi: Com o Brasil recebendo a COP30, nós esperamos que encontremos consensos nas conversas sobre o clima, a agricultura e a fome zero. Como podemos coletivamente levar adiante essas agendas, ao mesmo tempo? Não é uma ou outra; mas também não podemos esquecer que a conferência acontecerá na Amazônia, em Belém do Pará. Então, esperamos mais atenção ao papel que as florestas possuem na nossa luta contra a mudança do clima, incluindo as intervenções que temos visto trazer verdadeiros resultados, como a agrofloresta.

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