Novo estudo da Changing Markets Foundation revela campanha do setor de carnes para reivindicar credenciais climáticas enquanto influencia a agenda da COP30
Às vésperas da COP30, em Belém (PA), a Changing Markets Foundation lança o relatório “The Meat Agenda: Agricultural Exceptionalism and Greenwash in Brazil” — em português, “A Agenda da Carne: Excepcionalismo Agrícola e Greenwashing no Brasil” — que soa o alarme sobre o greenwashing generalizado e o intenso lobby do setor de carnes, empenhado em se posicionar como parte da solução climática na cúpula global.
O relatório alerta que essa manipulação da indústria coloca em risco a liderança climática do Brasil. O documento mostra como gigantes como a JBS, maior empresa de carne do mundo, têm trabalhado intensamente para se retratar como campeãs da ação climática, enquanto fazem lobby nos bastidores para evitar regulamentações obrigatórias.
De campanhas que promovem o agronegócio como uma “potência ambiental” a workshops para jornalistas sobre “métricas justas” para a agricultura tropical — passando pelo uso de influenciadores digitais e vozes acadêmicas — o setor orquestrou uma campanha sofisticada para escapar do escrutínio climático. No Brasil, campanhas desenfreadas de greenwashing e marketing são apoiadas pelo poderoso grupo ruralista, que controla a maior parte do Congresso e do Senado(1), protegendo o agronegócio de regulamentações significativas.
“Nosso relatório mostra que o caminho para Belém tem sido repleto de greenwashing por parte das mesmas empresas que trabalham intensamente para sabotar ações climáticas concretas. As gigantes da carne usam sua influência sobre a política, os eventos corporativos e o discurso público para moldar a narrativa e minimizar o impacto ambiental devastador do setor. Essas corporações globais são mestres em distração — e têm conseguido, em grande parte, escapar da regulamentação climática”, afirma Maddy Haughton-Boakes, ativista sênior da Changing Markets.
No relatório, a Changing Markets Foundation:
· Revela a dimensão da captura corporativa, reunindo pela primeira vez um calendário detalhado de eventos influenciados pela indústria da carne, que tentam moldar a narrativa sobre agricultura em torno da COP30;
· Expõe o “ponto cego” do metano agrícola, destacando a ausência total de medidas na NDC brasileira para enfrentar as emissões massivas de metano do setor — um sinal claro do elevado grau de excepcionalismo agrícola do país;
· Mostra como as principais políticas climáticas da NDC estão sendo enfraquecidas, desde a aplicação do Código Florestal até o Sistema de Comércio de Emissões, que isenta completamente a agricultura.
Sob o governo do presidente Lula, o Brasil obteve avanços significativos na redução do desmatamento e no combate à fome. Esses progressos em segurança alimentar foram alcançados por meio do fortalecimento da agricultura familiar, composta por pequenos agricultores que produzem dois terços dos alimentos consumidos no país, embora controlem apenas um quarto das terras agrícolas e recebam menos de um décimo do crédito público.
Embora esses avanços devam ser celebrados, persistem desafios significativos devido ao controle desproporcional do agronegócio sobre a política. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), pró-indústria, detém atualmente a maioria no Congresso Nacional, com 59% dos deputados (303 de 513) e 62% dos senadores, o que confere ao setor enorme poder político para promover e proteger seus interesses.
Enquanto isso, campanhas de marketing multimilionárias retratam o agronegócio como motor da economia nacional e símbolo de modernidade e inclusão, fundamental para a identidade brasileira. Ao afirmar que são essenciais para a segurança alimentar, os gigantes do agronegócio ignoram que seu foco é a produção de commodities voltadas à exportação. O Brasil responde por 21% de toda a carne bovina comercializada internacionalmente, o equivalente a um em cada cinco quilos de carne consumidos no mundo.
Poucas semanas antes da COP30, a JBS lançou uma campanha estrelada pela apresentadora Fátima Bernardes(2), alegando que “alimenta um futuro melhor”. A realidade, porém, é muito mais sombria: a empresa acumula um longo histórico de crimes ambientais e violações de direitos humanos, incluindo desmatamento, poluição, grilagem de terras, exploração de mão de obra e violações aos direitos dos povos indígenas, que revelam os verdadeiros custos de suas operações.
No dia 3 de novembro de 2025, poucos dias antes do início da COP30, a Procuradoria-Geral do Estado de Nova York(3) anunciou um acordo judicial de US$ 1,1 milhão com a JBS USA, por greenwashing em suas promessas climáticas. A decisão resulta de um processo movido em 2024(4) contra o grupo JBS por publicidade enganosa, ao afirmar que alcançaria emissões líquidas zero até 2040, sem apresentar planos concretos ou metas verificáveis para atingir esse objetivo.
O Brasil é o quinto maior emissor mundial de metano, um gás de efeito estufa 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono em um período de 20 anos. Com mais vacas do que pessoas, a agricultura responde por mais de 75% das emissões totais de metano do país, a maioria proveniente do gado.
“Embora as ambições climáticas do Brasil sejam louváveis, elas são inatingíveis sem enfrentar as emissões do agronegócio, particularmente sua vasta pegada de metano”, reforça Haughton-Boakes.
“Com 1,5 °C em jogo, os riscos nunca foram tão altos. A COP30 é uma oportunidade crítica para garantir que, quando se trata de sistemas alimentares, a ciência climática e as comunidades na linha de frente — e não a influência corporativa — moldem nosso caminho a seguir. À medida que os líderes mundiais se reúnem em Belém, o Brasil tem o potencial de ser um verdadeiro líder climático se denunciar o greenwashing e enfrentar a indústria da carne.”
Como país-presidente da COP30, a postura do Brasil em relação às questões ligadas ao agronegócio influenciará diretamente o nível de ambição da conferência. O lançamento de A Agenda da Carne é uma sequência oportuna ao relatório da Changing Markets de 2024, The New Merchants of Doubt(5), que documenta como as 22 maiores empresas de carne — incluindo as brasileiras JBS, Marfrig (agora MBRF) e Minerva — trabalham globalmente para distrair, atrasar e sabotar a ação climática.
Confira o que a Changing Markets está realizando na COP30 aqui.
O relatório completo está disponível



