“A superexploração dos recursos naturais do planeta, incluindo sua biodiversidade, não é sustentável a médio e longo prazo e a pandemia nos traz esta reflexão”, escrevem Vanderlan da S. Bolzani, presidente da Aciesp e conselheira da SBPC, Paulo Artaxo, vice-presidente da Aciesp e coordenador do Programa Fapesp de Mudanças Climáticas Globais, e Adriano Andricopulo, diretor executivo da Aciesp
A caminhada em busca de uma “normalidade” do mundo pós-coronavírus abre inúmeras questões, entre elas a da pesquisa com a biodiversidade do Planeta e do Brasil, e de como ela vai se inserir em um mundo certamente distinto do que vimos até agora. De um mundo, cujos contornos estão ainda indefinidos de como serão desenhados, em cada continente, país, lugar com peculiaridades tão distintas!
O mundo “pós-pandemia” será muito diferente deste que nos levou até este grave problema epidemiológico. A superexploração dos recursos naturais do Planeta, incluindo sua biodiversidade, não é sustentável a médio e longo prazo e a pandemia nos traz esta reflexão. Conhecer nossa biodiversidade e explorar racionalmente seus potenciais vai além de uma riqueza fantástica de organismos, e passa por uma enorme conscientização de todos os segmentos sociais em encontrar os meios de equilíbrio espécie humana/natureza, agora ainda mais importante. Especialistas de várias áreas afirmam que em razão da pandemia, haverá mudanças inevitáveis nas relações entre os agentes econômicos e a convivência social vigentes até então. Governos e sociedades serão obrigados a pensar em novas respostas para problemas perenes, agravados pela forte crise socioeconômica. As respostas tradicionais talvez não deem mais conta da situação que se avizinha. Há questões marcantes de que a escassez de alimentos e a falta de medicamentos acessíveis, bem como as desigualdades educacionais e sociais, tendem a se tornar mais agudas em consequência de grave recessão econômica mundial. A crise pós-pandemia nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, será muito mais grave. A estas dificuldades se somam as alterações climáticas que estamos vivendo, com fortes impactos em nossa sociedade e na biodiversidade de nosso planeta.
De forma ainda mais imperativa, torna-se necessário somar experiências e criatividade em busca de soluções para os desafios das necessidades básicas da sociedade.
Soluções que só podem ser equacionadas a partir do lastro de conhecimento acumulado pelas ciências e tecnologias. Não existe outra forma de se aumentar a produtividade do milho no Semiárido brasileiro, para alimentar um número maior de pessoas, a não ser fazendo pesquisa científica; ou de encontrar um medicamento efetivo, com menores efeitos colaterais, para malária. Nenhum argumento é mais eloquente nesse sentido do que a corrida mundial para produzir uma vacina contra o novo coronavírus. E a questão que se coloca, portanto, é saber em que grau isso trará uma mudança de mentalidade de parte dos governos e da sociedade no sentido de compreender o verdadeiro papel da ciência, fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação. Talvez a lição tirada do pós-pandemia leve a uma maior reflexão da importância da integração da vida de todos os organismos da terra – da biodiversidade.
Se essa valorização da ciência de fato ocorrer é possível vermos que bandeiras defendidas até então por camadas mais conscientes da sociedade ganhem uma nova importância e abrangências estratégicas. Entre elas a da preservação e estudo do meio ambiente e da biodiversidade como forma de criar novas abordagens para o desenvolvimento econômico sustentável; ou a luta pelas metas de redução do aquecimento global que passa pela transformação da indústria mundial em busca de uma produção e consumo sustentáveis. De um olhar para a beleza invisível da biodiversidade – um universo molecular incrivelmente fantástico, que mantém a Vida como conhecemos no Planeta e essenciais ao equilíbrio da natureza e de que somos parte.
Nas últimas décadas, várias dessas proposições, que surgem a partir do trabalho científico, foram tratadas como temas segmentados dentro da avalanche de informações e que chega à população sem o eco que deveria ter. Vistas, às vezes, como interessantes curiosidades ou como temas de interesse de um grupo de profissionais especializados. Hoje, no cenário pós-Coronavírus que se inicia, a preservação e pesquisa da biodiversidade pode ser uma das chaves para encontrar respostas às demandas gigantescas que se colocam agora para a humanidade. Nela estão, por exemplo, formulações químicas e bioquímicas que a natureza foi elaborando ao longo de milênios – aliás, a cloroquina tão em evidência neste momento, foi sintetizada tendo como modelo um produto natural, a quinina isolada de plantas do gênero Cinchona da família das rubiáceas.
Biodiversidade, bioeconomia, biotecnologia ou a indústria “Verde” são componentes de uma mudança que vai se impondo como alternativa aos processos de super exploração da natureza e que acena com a promessa de gerar riquezas minimizando a destruição dessa natureza. Essa mudança já começou, e agora ela se defronta com uma pandemia que é uma das maiores catástrofes vividas por nossa civilização recente. Preservar o meio ambiente e seu equilíbrio e a biodiversidade é manter a maior biblioteca biológica e química preservada para novos estudos e descobertas essenciais ao equilíbrio da natureza.
Créditos:
- Vanderlan da S. Bolzani | Profa. Titular IQAr-UNESP, Membro do Conselho SBPC e Presidente ACIESP
- Paulo Artaxo | Prof. Titular do Instituto de Física, USP – SP, coordenador do Programa FAPESP de Mudanças Climáticas Globais, e membro do INCT Mudanças Climáticas, é Vice-Presidente da ACIESP
- Adriano Andricopulo | Prof. Titular do IF, USP São Carlos, Fellow IUPAC e Diretor Executivo ACIESP