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 Quero meu Holoceno de volta

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Por Arthur Soffiati

Sejamos realistas: nenhuma era, período ou época da história da Terra foi ideal para a vida e para perfeitos equilíbrios ecológicos. As crises são comuns na história da vida, assim como os processos de extinção. Não sabemos como caracterizar uma situação ideal porque ela varia de espécie para espécie, de tempo para tempo, de lugar para lugar, de pessoa para pessoa. Extinção é mais fácil de definir porque significa o fim de uma espécie. Nem sabemos mais se para sempre porque a genômica está à beira de recriar espécies extintas. Mas não sabemos se conviria transformar o Holoceno num parque de dinossauros.

Em linhas gerais, podemos caracterizar o Holoceno como uma época quente que começou a 11.700 anos, depois da glaciação de Würm, que durou 70 mil anos. Como o Pleistoceno, época que precedeu o Holoceno, foi marcado por glaciações e fases interglaciais, não podemos ter certeza se o Holoceno é uma nova época ou uma nova fase interglacial.

As grandes transformações que se operaram ao final da última glaciação foram o aquecimento natural do planeta, a elevação do nível do mar, a definição relativa dos continentes, a extinção de espécies com a sobrevivência de outras, a definição de biomas e ecossistemas e a criação da agricultura por algumas sociedades. A humanidade atravessou quatro glaciações e três fases interglaciais. Talvez atravesse a quarta agora. Antes do século XIX, a ciência humana podia caracterizar o frio e a quentura, mas não olhar para trás com bases em dados para traçar uma história do clima.

Oscilações climáticas naturais no último milhão de anos

Atualmente, o clima não apenas se transformou em objeto de uma ciência específica – a climatologia –, como passou a interessar a outras ciências. Na história, Emmanuel Le Roy Ladurie cometeu a ousadia de estudar o clima do Holoceno no hemisfério norte a partir do ano 1000 do que vem se chamando era comum, ou seja, depois de Cristo, o que não deixa de ser outra imposição do ocidente ao mundo. Ousadia porque ele deixou o objeto da história – as transformações sociais no tempo – e se voltou para as transformações do clima no tempo. Foi mais ousado ainda ao dizer que recorria a documentos humanos apenas para traçar a história do clima em si. Valeu-se, principalmente, da glaciologia e da dendrocronologia.

A humanidade atravessou as quatro glaciações e as três fases interglaciais. Em resumo, enfrentou temperaturas extremas abaixo e acima de 0. Talvez agora atravesse outra fase quente. Essas oscilações representaram desafios aos grupos humanos, levando-os a responder com inovações, como a criação de instrumentos para coletar, pescar e caçar; sepulturas; pinturas rupestres e esculturas; habitações; instrumentos de pedra polida; domesticação de plantas e animais, cestaria, cerâmica, metalurgia, roda, armas de guerra cada vez mais letais; sistemas de escrita, sociedades de classes sociais, cidades, uso de combustíveis fósseis, devastação de ecossistemas holocênicos e, enfim, uma crise ambiental antrópica sem precedentes há história humana.

Cena de caça na Serra da Capivara, Piauí

Poluição, extinções e mudanças climáticas vividos nos últimos 500 anos não resultam mais de fenômenos naturais, mas da ação coletiva da humanidade, com mais destaque para os países ricos e de pessoas ricas. A grande transformação econômica não se processou com a revolução industrial, mas com a economia de mercado, que pode ter seus primórdios situados no século XI. No livro “A mensuração da realidade”, o historiador Alfred W. Crosby demonstra como a Europa ocidental, berço da economia de mercado, passou a medir tudo: tempo cronológico, espaço territorial, movimento, peso dos corpos, temperaturas, valores monetários, pintura, escultura e até a escrita musical. Essa visão de mundo foi levada a todos os povos. Passou a ser a linguagem universal.

Essa mensuração está nos permitindo medir temperaturas, aquecimento do oceano, elevação do nível do mar, poluição, devastação de ecossistemas, extinção de espécies e tantos outros problemas da atualidade. Eles não mais são resultantes de mudanças naturais, mas fruto de uma concepção hoje globalizada de mensuração da realidade. Até mesmo se decreta o fim do Holoceno e se inaugura uma nova época – o Antropoceno/Capitaloceno – em seu lugar sem uma fase de transição, como sempre aconteceu na história da Terra.

Afinal, o que desejamos nós ou o que desejo? Não posso falar em nome de todos. Para quem quer continuar enriquecendo com a destruição, talvez o desejo seja apenas lucrar. Para o pobre, que pensa no aqui e no agora, o desejo é garantir água limpa, comida, emprego, moradia, educação para os filhos. Para o acadêmico imediatista, o currículo é fundamental. Para quem restringe suas preocupações à sociedade humana, o que conta é justiça social (poucos ainda falam em revolução). Para um cientista que se preocupa com o mundo, contam a limitação do lucro, a mudança do paradigma energético, o controle do clima a um nível holocênico, a adaptação das cidades às novas condições ambientais, a proteção dos biomas, ecossistemas e da biodiversidade, as questões de justiça social. 

Tenho um desejo ambicioso, mas realista. Espero que as condições ambientais do Holoceno possam ser retomadas. Não desejo uma estabilidade do clima para sempre, mas que as mudanças sejam naturais. No milhão de anos que a humanidade existe, o clima mudou muitas vezes de maneira natural. A biodiversidade sofreu extinções. O nível dos oceanos subiu e desceu, os biomas mudaram. Mas, naturalmente, a vida continuou existindo. Se a economia de mercado controlasse seu ímpeto de crescimento ilimitado, talvez os cientistas pudessem agir no sentido de normalizar a vida do Holoceno. Até mesmo impedindo que mudanças naturais perigosas ameaçassem a humanidade.  

Cidade fabril do início da revolução industrial

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