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A atualidade do ecodesenvolvimento

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Arthur Soffiati

            Durante muito tempo, o economista polonês Ignacy Sachs pontificou como uma das autoridades em analisar a crise ambiental global do nosso tempo e propor saídas para ela. Sachs construiu as bases do ecodesenvolvimento, caminho distinto do desenvolvimento sustentável e da economia verde. Tanto o livro “Nosso futuro comum” quanto a Conferência Rio-92 entronizaram o conceito de sustentabilidade. Ele se tornou muito popular. Foi usado de forma tão generalizada que perdeu o sentido em diversas aplicações. Falou-se em sustentabilidade de rios, florestas e cidades, na acepção de que bases ecológicas deveriam ser consideradas no processo de desenvolvimento. Por outro lado, falou-se em economia sustentável, juros sustentáveis e até em corpo sustentável. Economia sustentável significava economia sempre crescente. Juros sustentáveis são aqueles que crescem exponencialmente. Corpo sustentável seria aquele sempre remoçado por medicamentos, lipoaspiração, silicone, botox etc.

            Desde a Conferência de Estocolmo, que inaugurou oficialmente o reconhecimento da crise ambiental e a busca por soluções para ela, Sachs vinha se destacando por sua concepção de ecodesenvolvimento. Dentro dos limites da economia de mercado, ele advogava a presença efetiva do Estado na organização de programas econômicos que protegessem os ecossistemas e que promovessem a sociedade. Primeiramente, o desenvolvimento não deve ser confundido com crescimento. O desenvolvimento, antes de tudo, deve se adaptar a cada bioma e ecossistema. Assim, o que é válido para um ambiente não é válido para outro. O que vale para os Estados Unidos não vale para o Brasil. Na verdade, não vale nem mesmo para os Estados Unidos.

            Deve haver um desenvolvimento apropriado às florestas tropicais, às outras florestas, às savanas, às estepes e até aos desertos. Mesmo havendo empresas privadas em cada bioma e ecossistema, o ecodesenvolvimento deve priorizar as populações mais pobres. O objetivo é promover justiça social sem mais usar o discurso socialista da igualdade. Assim, o ecodesenvolvimento tem uma proposta ecológica, tecnológica, econômica, social e geográfica.

            Tomando como exemplo uma floresta tropical, o melhor caminho para promover o desenvolvimento não é derrubar a mata, abrir campos para a agricultura e para a pecuária, rasgar rodovias e construir cidades. O melhor caminho é manter a floresta em pé e aprimorar as tecnologias já usadas por seus habitantes originários. O mesmo valeria para os desertos. No caso da Amazônia, por exemplo, deve-se considerar que o bioma está distribuído entre Bolívia, Brasil, Caiena, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Dentro do Brasil, a Amazônia Legal foi partilhada por vários estados. O desenvolvimento do bioma deve, portanto, ser partilhado por todos os países com a equalização das legislações nacionais e com as práticas apropriadas de todos os envolvidos.

            Estudos arqueológicos recentes estão demonstrando que a Amazônia pré-colombiana sustentou uma grande população de seres humanos dependentes, em primeiro lugar, dos frutos produzidos pelos rios e florestas. A diversidade florística e faunística proporcionou alimentação de qualidade aos seus habitantes. Nas ilhas do arquipélago de Marajó, por exemplo, as águas de cheia eram represadas nas vazantes para a criação de peixes. A ocupação da Amazônia posteriormente à chegada dos europeus obedecia ao ciclo das águas. Ou podia-se sair das áreas alagadas ou manter-se no local em palafitas. Observando hoje as cidades amazônicas, saltam aos olhos a desigualdade social, a pobreza, o desmatamento e o lixo. Custa a crer que a destruição chegaria a um mundo aquático e florestal que parecia ilimitado e inesgotável.       

Oito países amazônicos firmaram, em 1978, um tratado criando a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Nos termos do acordo, havia uma vaga preocupação ambiental. Dominavam as pautas político-diplomática, estratégica e técnica. A questão ecológica já havia sido levantada, mas a preocupação efetiva com ela ainda era distante. Situava-se apenas nos discursos governamentais e empresariais. Basta dizer que, desde sua criação, a Organização promoveu apenas quatro reuniões.

            No governo Bolsonaro, a pauta ambiental foi demonizada. O Fundo Amazônia foi desativado. Em defesa da soberania, o Triplo A (Andes, Amazônia, Atlântico) foi rejeitado. No entanto, o vasto território amazônico foi entregue a desmatadores, a ruralistas, ao garimpo ilegal e ao tráfico de armas, drogas e animais. Lula se tornou mais enfático em relação à questão ambiental. Uma reunião de cúpula da OTCA realizou-se em Belém. Por enquanto, os discursos estão prevalecendo, o que nos faz lembrar da Rio-92, com seus muitos eventos paralelos, a pletora de acordos assinados e a defasagem entre o discurso e à ação. O documento final da cúpula da OTCA ficou aquém das expectativas. Os problemas ambientais tornaram-se prementes e indisfarçáveis. Agora, eles exigem ação correspondente. Trata-se de uma grande oportunidade de desengavetar as propostas do ecodesenvolvimento proposto por Ignacy Sachs.

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