Cerca de 200 produtores rurais já foram capacitados, duplicando produção agrícola e aumentando em 400% a produção de mandioca e grãos com uso de novas práticas no campo
Na Amazônia paraense, estado que sediará a COP 30, municípios como Paragominas, no sudeste do Pará, protagonizam uma verdadeira revolução agrícola aliando preservação ambiental e produtividade. Agricultores familiares, povos indígenas e lideranças comunitárias, com o apoio do Sebrae no Pará por meio do programa Sustenta Inova, estão redefinindo o futuro do campo ao adotar práticas inovadoras e sustentáveis, mostrando que é possível produzir mais, preservar o solo e proteger a floresta, mesmo diante do aumento das secas e dos incêndios florestais.
O programa Sustenta e Inova, executado pelo Sebrae no Pará e financiado pela União Europeia, atua em parceria com instituições como Cirad, Embrapa e IPAM. O objetivo central é promover cadeias produtivas que conservam a biodiversidade, reduzem o desmatamento, recuperam paisagens degradadas e contribuem para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
A principal inovação do projeto em Paragominas é a adoção da “roça sem fogo”, técnica que substitui o tradicional corte-queima por métodos de manejo do solo, consórcio de culturas e uso de plantas de cobertura. A abordagem não apenas elimina o risco de incêndios, especialmente em períodos de estiagem, mas também aumenta a produtividade e a diversificação dos cultivos, garantindo segurança alimentar e novas fontes de renda para as famílias rurais e indígenas.

Resultados e Impactos
O Sustenta e Inova atua em oito cadeias produtivas estratégicas: mandioca, mel, piscicultura, fruticultura (com destaque para o cacau), leite, bovinocultura e avicultura. Produtos como farinha de mandioca e mel, antes comercializados de maneira informal, agora são legalizados e chegam a supermercados e programas institucionais, agregando valor e garantindo qualidade ao consumidor.
O programa oferece capacitação, consultoria e acompanhamento técnico contínuo para produtores rurais, agroindústrias e cooperativas. Ao longo de 24 meses, 20 agroindústrias são monitoradas para melhorar processos produtivos e de gestão. Além disso, 200 produtores são capacitados em gestão, marketing e boas práticas, fortalecendo o cooperativismo e fomentando negócios de impacto socioambiental alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Entre os resultados já observados, destacam-se a redução drástica do uso do fogo, a recuperação do solo e da biodiversidade local, o aumento da produtividade agrícola, que duplicou no período, com destaque para a mandioca e grãos, cujo aumento foi de 400%, e a diversificação de alimentos produzidos, com novos produtos cultivados, como o sorgo e o feijão guandu.
O projeto também estimula a organização comunitária, capacita lideranças e jovens, e valoriza o papel das mulheres e dos povos indígenas na produção sustentável e na proteção dos territórios.
Desafios e Perspectivas
Rubens Magno, diretor-superintendente do Sebrae no Pará, ressalta que o Sebrae acompanha agroindústrias, capacita produtores e fomenta cadeias produtivas diversas, sempre com foco em sustentabilidade e viabilidade econômica. “O grande papel do Sebrae é mostrar que é possível ter retorno financeiro e responsabilidade socioambiental. Negócios de impacto estão sendo estruturados para resolver demandas sociais e ambientais do território”, afirmou. Ele acrescenta: “Eliminar o risco de incêndios é crucial para a preservação da Amazônia, que enfrenta um clima cada vez mais extremo, e para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa que vêm da queima da floresta. Por isso, esta experiência em Paragominas pode e deve servir de modelo para outras regiões da Amazônia e do Brasil, mostrando que é possível conciliar produção agrícola, geração de renda e preservação ambiental. Em ano de COP 30 em Belém, uma das nossas contribuições é apresentar soluções que beneficiam empreendedores e pequenos negócios, mas também o clima”, conclui.
Segundo Fabiano Soares Andrade, gerente do Sebrae na região Capim, o Sustenta e Inova é fundamental na articulação de duas frentes principais: a restauração florestal e o desenvolvimento de mercado. “A roça sem fogo, junto com a recuperação de áreas degradadas e manejos de baixo custo, aumenta a produtividade e prepara produtos ambientalmente responsáveis para o mercado. Um bom exemplo é a farinha de mandioca”, comentou.
Já René Poccard-Chapuis, geógrafo do Cirad, atuou no processo de capacitação e implantação de novas práticas agrícolas nas comunidades rurais de Paragominas. Ele enfatiza que o sucesso da roça sem fogo é resultado de forte organização local. “Incêndio é uma ameaça constante. É fundamental que as comunidades estejam organizadas para fazer a informação fluir, construir credibilidade e agir rápido”, explica. Ele aponta o “Fórum das Comunidades Rurais” e os “Guardiões da Floresta” como exemplos de mobilização e inovação. René vê o processo como uma verdadeira revolução agrícola: “Estamos passando de uma técnica do Neolítico, de agricultura itinerante com fogo, para uma agricultura permanente que maneja o solo. É intenso, demanda continuidade de projetos e investimento, não apenas conhecimento”.
Maria Peniche, coordenadora do Fórum Paragominas, relata a importância do coletivo na adaptação das técnicas sem fogo. “O Fórum reúne lideranças para debater dificuldades, buscar capacitação e EPIs, porque muitos ainda enfrentam incêndios sem equipamentos adequados”. Ela detalha o processo de destoca, uso de calcário, consórcio de culturas e plantas de cobertura para fertilizar o solo. “O projeto trouxe alternativas ao fogo, mas cada comunidade tem um solo diferente, exige persistência e acompanhamento técnico. Já tivemos bons resultados, como mandioca produtiva e diversificação de culturas, mas ainda enfrentamos gargalos como a falta de regularização fundiária e acesso a crédito.”
Josuel Tembé é indígena da aldeia Payhu, da Terra Indígena Alto Rio Guamá, área de preservação que foi bastante castigada com os incêndios florestais em 2024, durante a seca. Ele afirma que “a roça sem fogo entre os indígenas trouxe uma mudança estrutural na rotina da comunidade tradicional”. Antes, o fogo ameaçava a floresta e a biodiversidade. “Agora, estamos aprendendo e nos adaptando, mas precisamos de mais apoio e conhecimento”, relata. Ele também destaca o trabalho coletivo dos indígenas na defesa do território e a importância do apoio externo para proteger a floresta e garantir a produção sustentável.
Cristina Rosero, socióloga do Cirad, lembra que a Amazônia é diversa e habitada por milhões de pessoas. “A solução não está só na conservação, mas também no social. Tem gente morando na Amazônia. O relacionamento dos povos com a floresta antes era pensado como conflito, mas agora deve ser visto como solução. A COP 30 tem o desafio de falar da parte humana da Amazônia, das pessoas que vivem e dependem dela.”
A experiência de Paragominas é um convite para conhecer uma Amazônia de inovação, resiliência e protagonismo local. A história da “roça sem fogo”, do fortalecimento das cadeias produtivas e da organização comunitária mostra que a sustentabilidade é construída por muitas mãos, com conhecimento, organização e vontade de transformar.