Gotejamento permite maior produção mesmo com irrigação com déficit hídrico
Pesquisas de campo realizadas na região de Ribeirão Preto, em São Paulo, indicam que o uso de irrigação por gotejamento com déficit hídrico (técnica que admite sujeição controlada das raízes à seca) em lavouras de cana de açúcar de segunda soca, com adequada correção de acidez e adubação do solo, conseguiram atingir produtividade acima de 200 toneladas de cana por hectare (TCH). A produção média regional é de cerca de 75 toneladas por hectare. Com relação à lavoura de controle, realizada em idênticas condições de plantio, mas em sequeiro apenas com irrigação para favorecer rebrota após o corte, a média da produtividade em TCH superou 43% e a quantidade de açúcar total recuperável (ATR) cresceu em até 8kg por tonelada, cerca de 5% acima da média.
Os dados são da engenheira agrônoma Regina Pires, pesquisadora do Centro de Ecofisiologia e Biofísica do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), vice-diretora do Instituto e que atua com pesquisas em irrigação há mais 30 anos. “Esse aumento da produtividade foi alcançado com irrigação com déficit hídrico de 50% e já mostra o potencial da irrigação por gotejamento aliada a boas práticas agrícolas”, diz Regina, que conta com apoio da FAPESP/BIOEN para financiamento de algumas pesquisas e obtenção de equipamentos. Como a cana-de-açúcar tem alta demanda hídrica, a irrigação plena, que visa repor toda a água evapotranspirada, é mais cara por exigir maior quantidade do líquido. Assim, as pesquisas têm se voltado para testar a irrigação “deficitária” em que apenas parte da água é reposta, escolhendo os momentos críticos do desenvolvimento da cultura.
Dados da Agência Nacional de Águas indicam que, excluindo-se a fertirrigação (aplicação da vinhaça sobre o solo), apenas 6,7% dos mais de 11 milhões de hectares de cana no Brasil são efetivamente irrigados, seja nas modalidades de salvamento, plena ou mesmo deficitária. Na região Centro-Sul do País, responsável por mais de 90% da produção nacional de açúcar e de etanol, o índice de hectares irrigados fica abaixo dos 3%. Entre as usinas que utilizam a irrigação, mais de 75% utilizam a chamada irrigação por salvamento, aplicada por sistema autopropelido com barras móveis de aspersão para favorecer a rebrota e a manutenção da população de plantas para a safra seguinte. A irrigação na cana, seja plena ou deficitária, representa menos de 25% do total das áreas irrigadas.
Motivos não faltam para isso, desde o alto custo de implantação dos sistemas de irrigação, que podem superar os US$ 3,5 mil por hectare, no caso do gotejamento, à boa taxa pluviométrica anual registrada historicamente na região Centro-Sul do país, que varia em torno dos 1.400 mm ao ano. Além disso, nem sempre há disponibilidade de água para irrigação e, em alguns lugares, a obtenção de outorgas para uso da água tem se tornado um obstáculo.
Sem milagres
A irrigação, por si só, não garante milagres no aumento da produtividade. Ela precisa estar aliada a outras boas práticas. Entre elas, ocorreto manejo do solo, com a devida correção da acidez e adubação, a utilização de controles adequados de doenças e de pragas, além da escolha de variedade de cana plantada. De acordo com a pesquisadora, a escolha da variedade tem papel decisivo no processo. “Não adianta adubar e irrigar se a variedade não suportar o grande crescimento e acamar (tombamento). É importante a escolha de variedades facilitadoras, que tenham alta produtividade sem que ocorra o acamamento”, explica Regina. Segundo a pesquisadora, se esses fatores não forem observados, o uso da irrigação, seja plena ou deficitária, pode não trazer resultados satisfatórios e justificar o investimento.
Entretanto, quando bem parametrizada e realizada, os resultados aparecem. Em Campinas foram realizados testes com quatro variedades de cana e a produção média chegou a 17kg de colmo/m3 de água, sendo que, em duas destas (IACSP94-2101 e IACSP95-5000), a produção superou os 20kg de colmo/m3, bem acima da média de 9 a 12kg/m3. O gotejamento também alonga a vida útil do canavial. De acordo com a especialista, um canavial irrigado conduzido com boas práticas agrícolas pode apresentar altos níveis de produtividade, sem necessidade de replantio por mais de oito anos, contra um período médio de cinco anos para canaviais não irrigados.
Regina frisa, entretanto, que a irrigação é um processo que demanda atenção. É necessário o controle adequado do processo e monitoramento constante do clima e umidade do solo, para que não haja desperdício de água e de energia elétrica. “É fundamental garantir a umidade no solo no momento da rebrota. Depois se faz necessário realizar balanços hídricos, considerando as chuvas e a evapotranspiração e os estágios de desenvolvimento da planta (fenologia) ou o uso de sensores de monitoramento da água no solo. É isso que vai potencializar o aumento da produtividade, reduzir os gastos da operação e garantir boa previsibilidade para safra ano a ano e fazer uso sustentável dos recursos hídricos”, destaca.
Para a pesquisadora do IAC, vários métodos de irrigação podem ser adotados na cana de açúcar considerando-se diversos fatores como a meta de produtividade a se alcançar pelo uso da irrigação, a disponibilidade e a qualidade da água, relevo, uso de energia, distância das fontes hídricas dentre outros. Regina explica que o uso de pivô central ou aspersão são alternativas interessantes considerando-se que o custo de implantação por área irrigada é menor e a tecnologia dos equipamentos utilizados hoje evoluiu muito, tanto em eficiência de irrigação quanto energética.
A irrigação por gotejamento enterrado é uma boa alternativa quando se trata de potencializar o uso da água. O tubo gotejador instalado em cerca de 25 cm abaixo da superfície do solo minimiza a perda de água por evaporação direta. Dados da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo indicam que o nível de eficácia no aproveitamento da água na irrigação por gotejamento enterrada varia de 90 a 95%, sendo que na irrigação feita por aspersão fica entre 55 a 80% e a realizada por sulcos não ultrapassa os 60%. De acordo a vice-diretora do IAC, o sistema enterrado de gotejamento contribui também para dar maior longevidade aos canaviais. “Temos notícias de canaviais que utilizam esse sistema de irrigação e se mantêm produtivos por mais de dez anos”, diz Regina.
Novas tecnologias
As pesquisas na área de irrigação do IAC começam a agregar novas tecnologia na avaliação do estado hídrico do canavial, com o uso de drones e câmeras térmicas. Essas câmeras captam, por meio de cores, as variações de temperatura das plantas e possibilitam criar parâmetros que relacionem os índices com os níveis de disponibilidade hídrica no solo.
De acordo com a pesquisadora, o desafio agora é correlacionar adequadamente as variações dos índices obtidos nas imagens às necessidades de irrigação e caracterizar o estado hídrico das plantas no canavial. Isso contribuirá como ferramenta para tomada de decisão e planejamento das operações agrícolas para favorecer a produtividade e a sustentabilidade ambiental. “Estamos aprendendo e avançando nas correlações entre índices obtidos por imagens do canavial e disponibilidade hídrica do solo. No futuro esperamos disponibilizar essa importante ferramenta de conhecimento que contribuirá para o aumento da produtividade e com uso racional da água na agricultura”, prevê Regina.
Sobre o BIOEN
O BIOEN, Programa de Pesquisa em Bioenergia da FAPESP, visa articular pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) entre entidades públicas e privadas, utilizando laboratórios acadêmicos e industriais para avançar e aplicar o conhecimento nas áreas relacionadas à bioenergia no Brasil. As pesquisas abrangem desde a produção e o processamento de biomassa até tecnologias de biocombustíveis, biorrefinarias, sustentabilidade e impactos. Para mais informações, acesse http://bioenfapesp.org