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Em reunião pré-COP30 na Alemanha, Brasil é alvo de protesto por defender ação climática enquanto leiloa petróleo e gás em casa

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Ativistas climáticos e representantes indígenas realizaram hoje (17) um protesto durante as negociações da ONU sobre o clima em Bonn, onde a presidência brasileira da COP30 tenta posicionar o país como uma liderança global na agenda climática. Enquanto negociadores brasileiros apresentavam sua visão para a conferência, manifestantes abriram grandes faixas com os dizeres: “Chega de Combustíveis Fósseis”, “Liderança Climática Não É Feita de Petróleo” e “Nosso Futuro Não Está à Venda”. O Cacique Ninawa Inu Huni Kui também conduziu uma cerimônia indígena no local.

O protesto responde diretamente a uma grande contradição em curso. No mesmo dia, o governo brasileiro, por meio da Agência Nacional do Petróleo (ANP), realiza o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessões– um “megaleilão” de petróleo e gás que inclui blocos na Margem Equatorial, uma das regiões mais sensíveis e biodiversas da Amazônia.

À medida que líderes mundiais se preparam para a maior conferência climática do planeta, que acontecerá na Amazônia, o governo federal brasileiro precisa demonstrar verdadeira liderança climática em casa. Isso significa parar de expandir fronteiras de petróleo – especialmente na Amazônia – e apresentar um plano transparente para uma transição energética justa. Isso inclui metas claras, fontes de financiamento que não dependam de combustíveis fósseis e a priorização dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais que protegem esses territórios há milênios. Sem essas ações, qualquer discurso de liderança climática soa vazio.

O caminho à frente exige coragem e vontade política: deixar o petróleo no solo, apoiar aqueles que protegem a floresta e construir um futuro com uma transição energética verdadeiramente justa.

Declarações recentes da presidente da Petrobras, Magda Chambriard – que chegou a repetir a frase “drill, baby, drill”, popularizada pelo presidente dos EUA, Donald Trump – somadas a falas controversas do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e até mesmo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acirraram ainda mais a questão. Esses planos são incompatíveis com os compromissos climáticos públicos do governo e ameaçam a credibilidade do Brasil como anfitrião da COP30.

A resistência à expansão fóssil também cresce no Brasil. Ministério Público Federal (MPF) do Pará entrou com uma ação judicial para tentar barrar o leilão, denunciando riscos socioambientais. Nas últimas semanas, organizações da sociedade civil, indígenas e comunidades tradicionais protestaram contra o leilão, alertando que ele pode gerar, ao longo do tempo, 11,1 bilhões de toneladas de CO₂e: mais do que todas as emissões do agronegócio brasileiro nos últimos seis anos e cerca de 5% do orçamento global de carbono restante para limitar o aquecimento a 1,5°C. Somente os 47 blocos localizados na Foz do Amazonas podem gerar até 4,7 bilhões de toneladas. Pesquisas do Instituto Climainfo também apontam que as receitas do petróleo e gás no Brasil não estão financiando a transição energética: nos últimos sete anos, apenas 0,06% do dinheiro do petróleo foi investido em projetos “relacionados à transição”. Esta transição, por sua vez, ainda não conta com plano claro, metas definidas ou fontes alternativas de financiamento, revelando a falsa promessa por trás da expansão fóssil.

Além disso, mais de 60 Caciques da região do Oiapoque rejeitaram recentemente as atividades de exploração de petróleo em seus territórios, citando a ausência de consulta livre, prévia e informada (CLPI) e os graves riscos às suas vidas, territórios e futuras gerações. Lideranças indígenas pan-amazônicas, representando nove países e todos os biomas brasileiros, também divulgaram uma declaração política para a COP30 exigindo o fim da exploração de combustíveis fósseis, entre outras reivindicações.
 

Luene Karipuna, porta-voz da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e coordenadora-executiva da A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará, afirma: 

“Falar de crise climática é falar da vida dos povos indígenas, que já sentem seus impactos. Acordos internacionais são importantes, mas precisam virar ações concretas nos países. A ciência é clara: os fósseis são os maiores causadores da crise. Precisamos de uma transição energética justa, construída com diálogo e respeito aos povos indígenas, diferente do que foi com a hidrelétrica de Belo Monte, que só trouxe destruição. O presidente Lula precisa declarar a Amazônia livre de combustíveis fósseis e garantir nosso direito à vida, com financiamento direto para organizações indígenas para que possamos enfrentar os impactos nos nossos territórios.”

Cacique Ninawá Huni kui, afirma: 
O Brasil se prepara para sediar a COP30 em Belém, em plena Amazônia, enquanto aprova novos leilões de petróleo e gás. Isso não é transição energética é contradição energética. É incompatível celebrar compromissos climáticos com uma mão, enquanto com a outra se assina a ampliação da fronteira fóssil. É ainda mais grave quando essa expansão ameaça diretamente territórios indígenas. Os povos originários não estão apenas defendendo a floresta: somos parte da floresta. Atacar seus corpos e territórios é atacar o que ainda sustenta o equilíbrio climático do planeta. Não há justiça climática sem justiça histórica. Não há futuro com petróleo novo. E não há coerência em sediar uma COP enquanto se aprofunda o modelo extrativista que nos trouxe até aqui. O Brasil pode ser parte da solução, mas isso exige coragem política para dizer não aos leilões fósseis, e sim à proteção permanente de todos os biomas e de seus povos. Estamos aqui para lembrar: a COP não pode ser palco de marketing climático. Ela precisa ser ponto de virada. E a virada começa agora.”

Ilan Zugman, diretor da 350.org para América Latina e Caribe, afirma:

“Enquanto a presidência brasileira da COP30 fala de um mutirão global pela ação climática – palavra de origem indígena que simboliza esforço coletivo com base na solidariedade, transformação comunitária e colaboração–, esse leilão de petróleo e gás conta outra história. Expandir combustíveis fósseis na Amazônia não só vai contra o espírito do mutirão, como o trai. Não se trata apenas de emissões, mas de injustiça. Ao leiloar a floresta e o litoral amazônico para petroleiras, o governo viola os direitos dos povos indígenas, coloca comunidades tradicionais em risco e acende o pavio da destruição que diz querer evitar. Precisamos ver um plano real para uma transição energética justa – e sem fósseis. O Brasil não será um verdadeiro líder climático enquanto continuar alimentando essa crise.”

Clara Junger, coordenadora de campanhas no Brasil pela Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, afirma:
“Expandir a exploração de petróleo e gás enquanto o Brasil se posiciona como líder climático é uma contradição gritante. O leilão de 172 blocos da ANP, no dia 17 de junho, enfraquece os compromissos climáticos do país, especialmente às vésperas da COP30. Avançar com 47 novos blocos na Bacia Amazônica não só ameaça comunidades indígenas e tradicionais, como também o clima global. Com apenas 0,06% das receitas do petróleo destinadas à transição energética, fica evidente onde estão as prioridades. O mundo precisa urgentemente de um acordo global para eliminar os combustíveis fósseis de forma justa e, no mínimo, devemos parar essa expansão irresponsável.”

Romain Loualalen, líder de Políticas Globais da Oil Change International, afirma:

“Na COP28, os governos se comprometeram com uma transição justa e equitativa para o abandono dos combustíveis fósseis – um acordo que está sendo amplamente ignorado pelos países ricos. Não apenas os países do Norte Global continuam abrindo novos poços e campos de petróleo e gás, como também alguns estão planejando uma expansão massiva da produção de petróleo e gás na próxima década.

Embora os prazos para a eliminação dos combustíveis fósseis em países como o Brasil não precisem ser os mesmos dos países produtores ricos do Norte Global, o país que sediará a COP30 está agindo em flagrante contradição com o limite de 1,5°C, essencial para a sobrevivência.

O Brasil, tanto como anfitrião da COP30 quanto como aspirante a líder climático do Sul Global, não pode se esconder atrás das ações de outros países para justificar seus próprios planos de expansão fóssil. Na condição de sede das negociações climáticas da ONU este ano, o Brasil deveria aproveitar a oportunidade para criar condições que permitam ao Sul Global realizar sua transição dos combustíveis fósseis, garantindo prosperidade e desenvolvimento — e não se aprisionar em uma expansão destrutiva de petróleo e gás pelas próximas décadas.”

Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, afirma:

“O governo brasileiro precisa parar de sabotar a presidência da COP30. Aqui em Bonn a diplomacia brasileira vem se esforçando para trazer todos os países para resolver o maior desafio coletivo da humanidade, mas em Brasília a ordem segue sendo ‘drill, baby. drill’. O presidente Lula tem de entender que seu principal legado não será um monte de poços de petróleo, mas sim a capacidade de usar o peso do Brasil na única agenda global que o país é capaz de liderar de fato, a ambiental.”

Patrícia Suarez, porta-voz da Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC)
“Os territórios indígenas amazônicos têm contribuído há anos para a regulação do clima global e são fundamentais para evitar o colapso climático. A Amazônia não pode continuar à mercê das mudanças de governo. Celebramos a decisão atual do governo colombiano de não expandir concessões de petróleo na Amazônia, mas exigimos que isso se torne uma política irreversível para proteger a vida e nossos territórios.”

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