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OS TÉCNICOS VERDES

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Nossa missão é semear informação ambiental de qualidade.

Samyra Crespo 

Vou completar hoje o meu raciocínio sobre a evolução do setor governamental nas últimas 4 décadas, na conservação e proteção do meio ambiente.

Como afirmei no texto anterior, o marco fundador das agências ambientais de controle foi Estocolmo nos anos 70′. O engajamento dos demais setores, o da sociedade civil e o do empresariado, aqui no Brasil, ocorreu no leito fértil da Rio-92.

Em Estocolmo o slogan chave era ‘controle da poluição’, em 92 ‘desenvolvimento sustentável’. Os ganhos conceituais e de instrumentos para operar na realidade foram imensos.

Também destaquei a estruturação do SISNAMA, os avanços na legislação e a pergunta que ficou suspensa foi a se realmente podemos falar em um ‘ambientalismo’ técnico-governamental.

Afinal, ele existe?

Viola e Leis, dois professores da Universidade Federal em Florianópolis, ambos argentinos e ativistas do movimento ambiental local, chamaram atenção em artigos escritos pelos dois, para uma hipótese que construíram ao sabor dos acontecimentos dos anos 80/90′: para eles o ambientalismo não tinha mais como porta vozes exclusivos os militantes mas também cientistas e técnicos: a este fenômeno sociológico chamaram de ‘multissetorialismo complexo’.

Nos 20 anos que separam Estocolmo da Rio-92 verificou-se uma estreita aliança entre técnicos, cientistas e militantes.

Era bem comum os técnicos ‘vazarem’ informações obtidas nas agências para o movimento e vice-versa, lembrando que naqueles anos a principal estratégia era a da denúncia e da possível punição com multas.

A despeito dessa aliança informal e perigosa, eram dois mundos separados, técnicos e militantes, com algum diálogo.

Nos anos seguintes, isso muda e muito.

Vamos relatar aqui alguns fatos para dar calor à conversa.

Em primeiro lugar, o contexto: a redemocratização do País e a doutrina da ‘responsabilidade compartilhada’ favoreceram a criação de comitês e conselhos municipais, estaduais e federais com as múltiplas representações da sociedade organizada.

Ou seja, estruturou-se o diálogo entre os principais interessados, fosse na construção de uma hidroelétrica, na limpeza de uma baía, na edificação de um aterro sanitário ou num empreendimento florestal com vistas à exploração de madeira ou celulose.

Quando cheguei ao Ministério do Meio Ambiente em 2008, sob o comando do então ministro Carlos Minc , o apelido do MMA era ‘o Ministério Não-Governamental’ da Esplanada.

Havia um chiste (um estigma negativo) e uma verdade positiva nisto. Exploro o lado positivo.

Realmente, os dois ministros, tanto Marina que ali ficou por cinco anos e depois Carlos Minc eram líderes ativistas históricos do movimento ambiental. No caso, Marina trouxe ademais a marca de um novo modo de defender a natureza, com as idéias promissoras do ‘socioambientalismo’, a legitimidade política dos ‘povos da florestal das ‘populações tradicionais’.

Com eles, chegaram a Brasília outros tantos ambientalistas de carteirinha, ocupando cargos de confiança e ocupando a máquina governamental.

Então, um ativismo governamental sim se fez presente e seria quase impossível que isso não fosse contaminar o estamente técnico.

Contudo, ouvi de vários técnicos, ao vivo e a cores, que não se consideravam ambientalistas. Lembro especialmente de Marília Marreco (entre outros cargos foi presidente do IBAMA), Reginaldo Gualda (que por anos conduziu o PMNA – Plano Nacional do Meio Ambiente) e até mesmo de Izabella Teixeira que veio a ser ministra.

Elas não se consideravam ambientalistas, mas técnicas e mais de uma vez as vi defenderem um ‘ministério técnico ‘.

Cito as três por terem sido funcionárias de carreira, respeitadíssimas pelo rigor técnico e pelo desempenho de suas competências.

Tiro o meu chapéu para as três. Prestaram inegáveis serviços ao País.

Na prática, no entanto, mesmo negando a identidade da militância, atuaram como militantes técnicas em mais de um embate, seja com o parlamento, seja com as associações empresariais organizadas como lobbies em Brasília. Ou com outras pastas ministeriais onde os interesses contrários se abancavam (notadamente no Ministério da Agricultura).

Além desse fato, outro me vem à mente para comprovar a tese de que sim, há uma militância técnico-governamental.

No encerramento do Projeto Pnud da Agenda 21, em 2012 (vinte anos em vigência) contratamos uma avaliação independente, que foi realizada pela Vitae Civilis, ONG paulista.

Teria sido o programa exitoso?

Um dos resultados mais interessantes, verificados na avaliação foi justamente o fato de que não só os processos de Agenda 21 locais se tornaram celeiros de vocações políticas, simpáticas ao meio ambiente, como se tornaram motivadores da criação de órgãos municipais, secretarias e departamentos especificamente voltados para a proteção e defesa do meio ambiente.

Ficou bastante evidenciado um forte trânsito de ambientalistas para os aparelhos governamentais municipais e estaduais, sendo que este intercâmbio ocorreu nas duas mãos – muitos técnicos foram para as ONGs existentes ou criaram novas para atuar.

A mesma dinâmica ocorreu com órgãos coletivos interestadual e intermunicipal como a ABEMA e ANNAMA. Mário Mantovani, conhecido ativista da S.O.S. Mata Atlântica foi fundador e presidente por anos da ANNAMA. Hoje em dia Hélio Wanderley da Onda Verde ocupa este lugar.

Em resumo: esse trânsito entre lideranças de ONGs e os aparatos do estado, no que se refere ao meio ambiente é comum, intenso e nos permite afirmar que há sim um ‘ambientalismo’ governamental.

Em diálogo constante e muitas vezes conflituoso com os demais atores, ele se expressa rotineiramente por meio de pareceres técnicos.

Em nosso mundo verde, e não cor-de-rosa, o técnico é político.

Política com lastro.

Samyra Crespo com René Capriles – Foto: Acervo Eco21

Samyra Crespo | Ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

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