Arthur Soffiati
Na origem da vida, as bactérias aeróbicas, escondendo-se dos raios ultravioletas nas profundezas dos oceanos, produziram oxigênio em enorme volume e construíram uma atmosfera adequada para a multiplicação e a diversificação dos seres vivos vegetais e animais. Foi uma mudança climática fundamental, que favoreceu o desenvolvimento dos organismos aeróbicos e provocou a retração dos organismos anaeróbicos. Estes se refugiaram em lugares escuros e ainda são encontrados nos dias atuais.
Milhões de anos depois, uma nova espécie animal revelou grande capacidade para produzir adaptações extracorporais (a cultura no seu conjunto) e alcançar um alto nível de consciência. Essa espécie, autodenominada “Homo sapiens”, ganhou grande domínio sobre a Terra no Holoceno (últimos dez mil anos), domesticando plantas e animais e criando a agricultura e o pastoreio. Desenvolveu a arte do tecido e da metalurgia, dividiu as sociedades em governantes e governados, inventou os sistemas de escrita e a cidade, explorando a natureza além dos seus limites.
Essa exploração, em algumas civilizações, provocou crises ambientais. Os casos mais notórios são o vale do rio Indo, a ilha de Páscoa (Rapa-nui) e a civilização maia. Em geral, tais crises eram locais e quase sempre reversíveis. A partir do século XI, uma dessas civilizações, a ocidental, criou a economia de mercado, que, a partir do século XV, começou a dominar o mundo com sua expansão. O planeta foi ocidentalizado, dando lugar ao que se chama globalização. O Ocidente não só se chocou com outras sociedades, mas também com a natureza de forma intensa.
Vivemos hoje uma crise ambiental sem precedentes no Holoceno e na história da vida. Crise de proporções globais e talvez irreversível. Esta crise manifesta-se pelas mudanças climáticas derivadas das atividades econômicas; pelo empobrecimento da biodiversidade; pela aceleração dos ciclos de fósforo e nitrogênio; pelo uso excessivo e pela contaminação da água doce; pela acidificação e contaminação dos oceanos; pela contaminação do ar e do solo; pela destruição dos ecossistemas florestais; pela grande produção de objetos de plástico descartáveis; pela impermeabilização dos solos e pela construção de grandes cidades que invadem zonas de risco em encostas, em margens de rios e nas zonas costeiras.
Mantendo a economia de mercado seu ritmo acelerado atual, a crise manifestar-se-á cada vez com mais intensidade, como se viu em 2022 no norte e centro-sul da América do Sul, nos Estados Unidos e Canadá, no chifre da África, centro-sul da Europa, China e Paquistão e Austrália.
Um relatório produzido pelo Serviço de Mudança Climática Copernicus da União Europeia, divulgado em janeiro deste ano, demonstra que o planeta vem se aquecendo de forma ascendente desde 1970. Os últimos oito anos foram os mais quentes desde que os registros globais começaram a ser efetuados, em 1850. Hoje, é incontestável que essa elevação progressiva de temperatura se deve às emissões de gases derivados da queima de combustíveis fósseis e de vegetação. Não se trata de um aquecimento natural do planeta, como aconteceu no passado da Terra, mas resultante de atividades econômicas coletivas.
A economia de mercado, produtora desses gases, tem algumas alternativas, como um automóvel que se dirige a uma ponte caída: avançar e precipitar-se no abismo. O motorista não pode manter ou aumentar a aceleração nem afundar o pé no freio, provocando capotagem. A prudência ensina que o veículo deve ser freado progressivamente e que o rumo deve ser mudado. A cúpula de empresários e de dirigentes políticos já está consciente de que a crise climática – geradora de rendas decrescentes – é uma realidade incontestável. Mesmo assim, ela continua a se agravar. O pé continua no acelerador.