Samyra Crespo*| Ambientalista e colunista da Eco21
A população de pássaros rareia no mundo – e isso é um problema.
Não bastasse a diminuição dos habitats agrestes, o uso intensivo de agrotóxicos e inseticidas, ainda vamos aos ambientes naturais onde resistem e os caçamos sem dó.
Quando atuei no Ministério do Meio Ambiente, entre 2008 e 2013, havia campanhas anuais de combate ao tráfico, e ações conjuntas do IBAMA (fiscalização) e ICMBIO (conservação).
Os chamados “passarinheiros” são cruéis. Tive a oportunidade de ver, com meus próprios olhos como praticam o ilícito – e com crueldade: identificam uma área abundante em pássaros, especialmente espécies com valor comercial e passam fios com visgo entre as árvores, uma espécie de cola. O animal pousa e fica preso.
Depois de algumas horas, eles vão “colhendo” os bichinhos presos. Fora os alçapões e outras armadilhas. Vi isso na serra da Bocaina, entre Paraty e Cunha (entre Rio e SP).
Na época, o guarda florestal da área me disse que cada indivíduo – no caso de um pássaro mais raro – poderia valer entre 80 e 400 reais.
Coisa de pobre? Não. Quadrilhas bem organizadas atuam nisto e, em alguns casos, gente importante destas localidades está envolvida.
A diminuição da população de pássaros e insetos é uma realidade preocupante. Eles são importantes dispersores de sementes e contribuem significativamente para a polinização.
A ausência deles significa empobrecimento da biodiversidade. Empobrecimento da biodiversidade implica em deterioração do ambiente e da sua capacidade de sustentar a cadeia alimentar ali presente: microfauna (microrganismos como os fungos), insetos e aves, os répteis e demais animais da pirâmide.
Muitos pássaros vão se adaptando à realidade urbana e a das mudanças climáticas.
Sensíveis à presença deles e à escassez de alimentos, sobretudo no inverno, muita gente improvisa comedouros domésticos com frutas, por exemplo.
Algumas prefeituras já plantam árvores frutíferas e colocam ninhos artificiais para facilitar a vida das aves.
Estudos de cientistas especialistas em aves, já observam mudanças consideráveis na estrutura e na ecologia de alguns deles: tais como atividade noturna, em vez de diurna, quando são mais vulneráveis; e a mudança de peso e tamanho de algumas espécies.
Tudo para sobreviver e se adaptar a um meio cada vez mais hostil.
Com as aves de arribação a situação é cada vez mais dramática. A migração fica cada vez mais difícil em função da destruição dos pontos de descanso e de alimentação, quando não dos locais de reprodução.
No Brasil, além do tráfico e da crescente urbanização, temos assistido às queimadas, quando áreas inteiras têm sido destruídas, dificultando a sobrevivência de espécies endêmicas (que só vivem naquele lugar).
Os pássaros habitam os poemas brasileiros, de Casimiro de Abreu a Manoel de Barros, enfeitam nossa vida com seus cantos maviosos e cumprem uma vital função ecológica que os ligam à nossa própria existência. Essa função ou “utilidade” não é pequena, embora menosprezada por ignorância.
Defendê-los, conservá-los e amá-los é um imperativo ético, além de necessário.
Pense nisto.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.
MANOEL DE BARROS
* Samyra Crespo | Ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro