* Por Samyra Crespo
Claramente, se diz e parece óbvio, estamos vivendo uma crise entre os três poderes da nossa República Federativa do Brasil.
Em tese, eles – os três – deveriam harmonizar-se pelo bem da gestão das coisas públicas, da segurança e da prosperidade da nação.
As bases desta possível e desejada harmonização estão na Constituição.
Contudo, o que se observa é um desequilíbrio: um Congresso medíocre e voraz, um judiciário que se torna uma casta legisferante e um executivo cada vez mais anêmico, refém dos dois anteriores.
A palavra ‘inconstitucional’ tornou-se inclusive relativa: não só está ao sabor dos poderes monocráticos de indivíduos nem sempre bem dotados de sabedoria ou ética, como também a nossa Constituição vem sofrendo tantas emendas que parece mais um Frankstein.
Estamos em plena pandemia de PECs.
No que respeita ao meio ambiente, tanto em termos das salvaguardas constitucionais, quanto à conservação do patrimônio público, o que se vê está muito aquém do que a realidade exige.
O Executivo tenta remontar e fortalecer o Ministério do Meio Ambiente e suas inúmeras atribuições (o desmonte durou 6 anos vom a gestãoTemer-Bolsonaro).
Tem na sua base ‘aliada ‘, formada a partir do nosso cada vez mais manco ‘presidencialismo de coalizão’, uma mão a favor e outra contra, uma fazendo e a outra desfazendo.
Sua vitrine é a Amazônia, o combate ao desmatamento e às queimadas. Vai mal na entrega de resultados. Faz esforços, mas vai mal.
O machado é a serra foram por agora substituídos pelo fogo criminoso. Fogo que queimará a ministra como uma mártir.
O Supremo, que atua só quando provocado, tem agido como freio de mão, puxado às pressas quando decisões estapafúrdias e dolosas são tomadas no Congresso. Querelas como as do Marco Temporal se arrastam e criam tensões desnecessárias.
Já o Congresso é hoje o principal adversário dos avanços ambientais e mesmo da manutenção da legislação protetiva. Cada vez mais surgem projetos de lei que buscam diminuir as medidas que foram tomadas em gestões passadas para proteger nossa fauna, nossa flora e nossa saúde (no caso gritante da liberação de agrotóxicos que estão proibidos de serem usados no exterior).
O pior dessa atroz regressão reside na Câmara dos Deputados, cada vez mais simpática aos lobbies das corporações e cada vez mais ciosa de seu poder exagerado.
O Senado ainda é mais discreto e menos descarado na aprovação de medidas que visam o lucro de setores abancados nas duas Casas (Câmara e Senado), merecendo destaque como rolo compressor o que representa o agronegócio.
Enquanto o mundo reconhece a emergência climática, o Congresso faz discurso contra a ‘histeria climática’; enquanto se verifica uma extinção de fauna e de flora nunca vistas, há projetos de lei para diminuir áreas de proteção e liberação de caça.
Em vez de subsídios para as energias limpas, as damos para o setor de petróleo e ainda enfrentamos o possível aumento do esforço de extração na foz do Amazonas ou na proximidade de Abrolhos.
Minimizando, mas não resolvendo, esse sentimento de infortúnio que nos afeta, o Governo Lula colocou em marcha uma série de processos participativos ao alcance da sociedade civil.
É o que ocorre, por exemplo, nas recentes consultas sobre o Plano Nscional de Mudanças Climáticas e o Plano Nacional de Educação Ambiental.
Mas o que adianta consulta, retórica e boas intenções quando o Congresso não escuta, quando o Supremo fica cada vez mais acuado e o Governo Federal está condenado aos vôos de galinha?
Voa baixo, frustrando expectativas, acumulando insatisfações que serão bem usadas por essa oposição pusilânime, retrógrada e antidemocrática no seu gene.
Nesse carrossel que mais parece um ‘trem fantasma’ com esqueletos e sustos orquestrados,
acrescentamos as eleições municipais: barganhas desavergonhadas irão repetir nos municípios essa toada macabra.
O que faremos nós, que ao fim e ao cabo sofreremos as consequências brutas, senão fatais, das queimadas, secas e enchentes?
Só o voto não vai adiantar.
Pensem nisso!
* Samyra Crespo é ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.