* Por Arthur Soffiati
A civilização ocidental invadiu o âmago das outras civilizações. Ela entrou nos mais recônditos lugares do mundo. Visitando recentemente São Gabriel da Cachoeira, o terceiro maior município do Brasil em território, no extremo noroeste do país, fronteira com Colômbia e Venezuela, encontrei uma cidade de tipo ocidental pobre. Igrejas católica e evangélicas, todas com origem no ocidente ou na concepção ocidental, vestígios de um forte de tipo ocidental, a língua portuguesa ao lado de três línguas indígenas e tantas outras marcas do Ocidente.
Mas, no âmago da floresta, em que se situa a cidade, encontrei marcas orientais que passam despercebidas a mentes e olhos desconhecedores. Não são pessoas, línguas ou edificações, mas espécies vegetais. Encontrei cinco espécies, pelo menos. Ainda busquei por uma sexta, que facilmente se adaptou ao Ocidente. Elas entraram deliberadamente pela mão humana ou pegaram carona em intestinos, solas de sapato e roupas através de suas sementes. É quase certo que outras espécies já tenham se assentado no meio daquela densa e úmida floresta, sobretudo espontaneamente em áreas degradadas ou deliberadamente por mão humana. Minha viagem não tinha caráter de expedição botânica. Muito menos sou botânico.
Encontrei o capim-cidade, também conhecido como pé-de-galinha, pé-de-papagaio, quarador e outros nomes locais. Trata-se do “Eleusina indica”, tão bem descrito por Manuel Pio Corrêa em seu enciclopédico “Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas”, volume III (Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura/Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, 1984). Esse capim foi deliberadamente introduzido no Brasil e se disseminou por vários meios. Provavelmente de origem indiana, hoje, passa como nativo. Para a grande maioria das pessoas é despercebido.

As outras quatro espécies orientais que encontrei nas franjas da floresta ou no meio da cidade que se ergueu em seu seio têm porte arbóreo e também passam por nativas. A mais conhecida é a bananeira, cujo nome científico é “Musa paradisiaca”. Há quem afirme que seu nome científico se deve ao fato de ter sido a fruta que Eva comeu e levou Adão a comer, instaurando, assim, o pecado original. Em “A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses” (Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical/Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses/Fundação José Berardo, 1992), José E. Mendes Ferrão afirma que “Está hoje assente que as bananeiras, tanto umas como outras, são originárias do Sudeste Asiático e que as hibridações (…) foram realizadas naturalmente em tempos muito remotos”.
Desconheço se algum morador de São Gabriel da Cachoeira sabe disso, mas, na cidade, a banana é um fruto muito apreciado e barato. Lá, voltei a me deliciar com a banana-maçã, quase desaparecida da região Sudeste do Brasil.
A manga (Mangifera indica) é outro fruto de origem indiana muito difundido no Brasil. Trata-se da fruta mais popular da antiga Índia portuguesa, sobretudo em Goa. Garcia de Orta dedica-lhe várias páginas em seus famosos “Colóquios dos simples de drogas da Índia”, sobretudo no segundo volume (Lisboa: Imprensa Nacional, 1895). Os contatos entre Índia e Brasil introduziram a manga neste. Ela se aclimatou muito bem às novas terras. Em seu precioso livro “História dos animais e árvores do Maranhão” (Lisboa: Arquivo Ultramarino e Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1967), Frei Cristóvão do Maranhão escreve que “Mangueira é uma árvore não muito grande nem grossa. Dá uma fruta muito gostosa”. Cristóvão de Lisboa veio para o Brasil em 1624 e se insere entre os poucos naturalistas europeus nas terras americanas no período colonial. Ele tem um traço distintivo dos outros cronistas portugueses: além de descrever com palavras plantas e animais, ele as desenhava.
Em Belém, a mangueira é usada na arborização urbana. Acha-se muito difundida no norte do Brasil. Não seria estranho encontrá-la no extremo noroeste do país, confinando com a pujante floresta equatorial. José E. Mendes Ferrão, já mencionado nesta nota, situa a origem da mangueira entre a Índia e a Birmânia. Ele escreve: “Tudo faz supor que a mangueira já era uma espécie muito importante quando os portugueses chegaram à Índia. Existem informações de que esta fruteira teria sido introduzida na costa ocidental africana, pelos persas, no século X. Outros (…) admitem terem sido os portugueses que trouxeram a mangueira da Índia para a costa oriental africana e depois a levaram para a costa ocidental e para o Brasil.” Tendo percorrido tão longo caminho, levada por mãos humanas, não seria estranho que chegasse ao estremo noroeste do Brasil, e até a outros países da América do Sul, por antropocoria (ação humana).
O jambo (Syzygium jambolanum) aparece em Garcia de Orta, na sua monumental obra do século XVI: “Veio de Malaca a esta terra (Índia) há pouco tempo (…) é do tamanho de um ovo de pata, e algum tanto maior (…) a cor dele é feita de branco e vermelho e cheira a água rosada, de maneira que aos dois sentidos é aprazível. Jan Huygen van Linschoten, holandês que ocupou o cargo de guarda-livros do arcebispo de Goa na década de 1580, acompanha Garcia de Orta e registra que o jambo “É uma fruta excelente e muito agradável de contemplar, do tamanho de uma maçã. Tem uma cor vermelha e esbranquiçada, tão clara e bonita que parece pintada ou feita de cera” (“Itinerário, viagem ou navegação de Jan Huygen van Linschoten para as Índias Orientais ou portuguesas”.Lisboa: Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997). Seguindo a tradição holandesa, van Linschoten retratou a Índia Portuguesa em belas gravuras, incluindo as plantas que descreveu.

Frei Cristóvão do Maranhão não registrou o jambo em sua obra. No século XVII, a planta já devia ter chegado ao Brasil junto com outras na biota portátil a que se refere o historiador norte-americano Alfred W. Crosby (“Imperialismo ecológico: aexpansão da Europa (900-1900”. São Paulo: Companhia das Letras, 1993). José E. Mendes Ferrão também não a registra. O que maravilha um historiador ambiental é encontrar o registro do jambo no livro “Flora sinensis”, sobre plantas que o jesuíta missionário e botânico Michael Boym encontrou na China no século XVII.

A globalização promovida pelo Ocidente chegou a lugares remotos em relação à Europa, como na China (que fica próxima à área de origem do jambo) e São Gabriel, no distante extremo noroeste do Brasil, em plena selva amazônica, que poderia muito bem dispensar ou rejeitar uma espécie de origem tão distante.
Ao andar por São Gabriel da Cachoeira, não tive o objetivo de localizar espécies vegetais originárias de outros continentes que não a América. Apenas registrei as que encontrei com facilidade. Esperava deparar-me com a jaca, mas topei com a fruta-pão (“Artocarpus altilis”), também de origem asiática. José E. Mendes Ferrão informa que é originária da Malásia e que sua migração para a América é controversa. Ela teria passado para o Pacífico sul pelas migrações polinésias e introduzida na América a partir do Taiti para alimentar escravos. Em 1793, ela teria sido plantada na Jamaica pelo comandante W. Bligh. Francisco de Sousa Coutinho, governador do Pará, mandou buscar plantas em Caiena, em 1801, entre elas a fruta-pão. Por interesse de D. João, príncipe regente, a espécie teria chegado ao Rio de Janeiro em 1809. Supõe-se que a planta foi introduzida em território brasileiro muito tempo antes e acrescenta: “(…) tudo faz admitir que os portugueses tenham trazido a fruta-pão diretamente do Oriente”. Ele estranha que a espécie não tenha sido mencionada por Garcia de Orta e outros autores.

Estranhei bastante não topar com a mamona, conhecida como rícino (“Ricinus communis”). Sua origem é africana, possivelmente da Etiópia. Ela é conhecida há muito tempo nos continentes africano e asiático. Nasce e cresce espontaneamente em terrenos baldios. Tem propriedades medicinais e dela se estrai o óleo de rícino. Encontrei-a em Portugal em terrenos baldios, assim como a encontro em terrenos abandonados da região Sudeste do Brasil. Em São Gabriel da Cachoeira, procurei-a em terrenos baldios, mas encontrei o mamão em seu lugar. As folhas se parecem, mas a mamona integra a família euforbiácea, enquanto o mamão (“Carica papaya”), originário da América Tropical, integra a família Caricaceae.