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Mudanças climáticas na Amazônia

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Por Arthur Soffiati

​Quando a Amazônia foi visitada por Euclides da Cunha (1905) e Mário de Andrade (1927), ela não era mais íntegra. Talvez nunca tenha sido totalmente depois dos assentamentos humanos nos últimos 10 mil anos. O aquecimento do planeta, na década de 1930, já estava em marcha, mas ainda não incomodava os humanos.

​A partir dos anos de 1970, Paulo Nogueira Neto, Secretário Nacional do Meio Ambiente no regime militar, proclamou que a Amazônia estava em chamas. Havia protestos contra a abertura da Rodovia Transamazônica na sociedade e na imprensa, mas eram tímidos para contornar a censura. As condições ambientais da maior floresta equatorial do mundo começavam a sofrer perigosas mudanças. Conhecíamos apenas o que se passava no Brasil, mesmo assim de forma insuficiente. Ignorávamos a devastação da mata em outros países amazônicos.

​Não podíamos imaginar que os rios da maior baciahídrica do mundo fossem sofrer as oscilações drásticas que registramos hoje. O mundo amazônico parecia incólume a agressões, como anunciava o ex-presidente Jair Bolsonaro: “A Amazônia está inteira como no tempo de Cabral”.

​Passei o mês de maio de 2025 nessa grande floresta, viajando do seu extremo noroeste ao extremo nordeste. A primeira impressão que tive, ainda do avião, foi a de um mundo aquático infinito. Um maravilhoso caos, como disse Euclides da Cunha. Navegando na foz do rio Negro, entrei no rio Solimões. Pensei nas secas que assolaramesses rios no último trimestre de 2023 e 2024. Não pude imaginar o sumiço de toda aquela água a minha frente. O guia da excursão informou que o grande lago que navegávamos fica completamente seco no tempo da estiagem, o que motivou o comentário de um dos passageiros sobre a oportunidade de construir uma barragem para contenção da água.

​Fui a São Gabriel da Cachoeira, no alto rio Negro. O nível hídrico mostrava-se ótimo. Uma moradora da cidade convidou-me a voltar lá no fim do ano para ver um quadro completamente diferente. Enfim, o desmatamento da grande floresta não apenas libera gases do aquecimento global como sofre seus efeitos. Os rios voadores, fundamentais para o Cerrado, o Pantanal e o Cone Sul, estão se reduzindo drasticamente. O climatologista Carlos Nobre aventa o risco de o desmatamento afetar as áreas não desmatadas. Ou seja, o abate de árvores numa área da Amazônia reduz as chuvas necessárias para a floresta ainda de pé.

Durante cinco dias, naveguei de Manaus a Belém. Um passageiro apontou para uma das margens do Amazonas e me disse que aquela terra era apenas uma comprida ilha. Que eu olhasse mais adiante para ver outra ilha. A margem não era visível. Navios cargueiros de grande calado navegam aquele mar. O mesmo passageiro me informou que aquele oceano doce fica reduzido a estreitos cursos d’água na estiagem. 

​Todo rio tem um pulso. No passado, os ribeirinhos distinguiam uma estação de cheia e outra de estiagem. Agora, o pulso se acelera com volumosas chuvas e escassez delas. As cheias desreguladas se transformaram em enchentes. Elas podem se avolumar e provocar transbordamentos. Se invadem lavouras, pastos e cidades, as águas provocam alagamentos. Os níveis dos rios têm subido de forma incomum na Amazônia. Quem imaginaria que núcleos urbanos inteiros ou periféricos sofreriam com as enchentes? Não que as casas na forma de palafitas sejam alagadas pelos rios, mas a locomoção pública fica comprometida. Os governos precisam construir passarelas. Nessas ocasiões, o lixo se acumula de maneira impressionante nos bairros pobres. Os povos nativos nunca poderiam imaginar um quadro como esse.

​Penso, de forma impressionista, se o desmatamento não estaria permitindo que águas antes retidas pela floresta se avolumem mais sem elas. O volume pluvial precipitado sobre o Rio Grande do Sul em 2024 e 2025 ou o que causou catástrofe no Texas em 2025 seria absorvido pela floresta amazônica. As enchentes na grande floresta podem estar aumentando mais por falta de retenção das águas que por precipitação pluvial. Algo a ser confirmado ou não.

​Por outro lado, as secas se tornam cada vez mais severas. Os recordes se sucedem. Desmatamentos e queimadas afetam as chuvas no céu e seus efeitos na terra. Em qualquer lugar, a escassez de água é mais danosa ao ambiente e às pessoas que o excesso dela. As secas na Amazônia se superam ano a ano. Elas causam estresse ao ambiente, como a morte de invertebrados, peixes e mamíferos. Para os humanos, a escassez de água afeta as lavouras, as pastagens e as pessoas diretamente. A água se torna imprópria para consumo. As distâncias, antes percorridas em embarcações, devem ser feitas a pé. Cientistas recomendam que as populações locais perfurempoços para obter água de melhor qualidade. 

​E isso tudo num bioma que foi o paraíso das águas por milênios, séculos e anos.

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