* Por Arthur Soffiati
Para me localizar no tempo, preciso empreender uma retrospectiva histórica.
1- Entre 900 e 1300 d. C, houve um aquecimento global natural. Na Europa,
temperaturas mais quentes permitiram a conquista de terras antes geladas, alagadas
e cobertas de florestas. A produtividade e a produção aumentaram. A população
cresceu. A economia não pôde incorporar todas as pessoas. Os marginalizados
tornaram-se assaltantes de estrada ou comerciantes. Já existia um sistema de troca,
mas a produção era voltada para bens de uso. Os comerciantes começaram a criar
um sistema que transformava bens de uso em bens de troca.
2- Esse sistema se expandiu e passou a exigir mais fontes fornecedoras de matéria
prima e de produtos. Essa necessidade impulsionou a Europa para o oceano Atlântico,
já que ela estava cercada pelos muçulmanos, mongóis, eslavos e pelo gelo do Ártico.
Restava apenas o mar oceano. Daí a expansão marítima.
3- Portugal e Espanha se lançaram ao mar no século XV, não atrás de aventura nem de povos para catequisar, embora essas duas motivações não devam ser descartadas. Eles procuravam contornar o monopólio dos produtos orientais pelos muçulmanos e venezianos. Conseguiram mais. Conseguiram o ouro e a prata da América andina e mexicana. No século XVIII, o ouro das Minas Gerais.
4- A expansão dos mercados gerou capitais e a necessidade de modernização. Promoveu-se, então, uma revolução tecnológica iniciada na Inglaterra. Foi a Revolução Industrial. Rapidamente, ela se espalhou para outros países da Europa Ocidental e Japão, mas a maioria do mundo continuou fornecendo matérias primas e força de trabalho explorada de forma excessiva.
5- Progressivamente, o mundo se ocidentalizou. Portugal, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Alemanha e até a Bélgica fundaram colônias na América, África e Ásia. Esses continentes continuaram a fornecer matéria-prima e mão de obra, ao mesmo tempo em que se tornaram consumidores de bens e serviços europeus. O mundo se ocidentalizou. O processo de descolonização, começado no início do século XIX, conclui-se depois de 1945, o que não significa fim da dependência. O pensamento socialista propunha revoluções sociais e políticas que desbancassem o capitalismo. As mais famosas revoluções ocorreram na Rússia e na China. Mas elas não implantaram modos de produção completamente novos. A experiência russa fracassou em 1991. O socialismo chinês transformou-se num capitalismo de Estado sob um regime de partido único, permitindo-se a iniciativa privada em escala controlada.
6- Terminada a Segunda Guerra Mundial, a economia de mercado (capitalista e socialista) ganhou grande aceleração. O consumismo foi estimulado pela propaganda e pela oferta. Os combustíveis fósseis foram explorados e queimados de forma exponencial. Recursos naturais foram excessivamente explorados. A produção de resíduos sólidos, aquáticos e gasosos cresceu de forma descomunal. Ao lado, ou junto, da crise social, ganhou corpo uma crise ambiental de abrangência planetária, manifesta em mudanças climáticas, destruição de ecossistemas naturais, poluição hídrica, do solo e atmosférica; empobrecimento da biodiversidade; eclosão de pandemias; poluição sonora; concentração de população em áreas periféricas das cidades.
A população mundial atingiu 8 bilhões de habitantes. Quase 1/8 desse montante vive abaixo da linha de pobreza, enquanto 1% dele concentra 2/3 da renda mundial. O mundo natural nunca foi passivo diante das sociedades humanas, embora vista como inerte nos últimos 500 anos. Mais que nunca, ela mostra ser sujeito de história. A economia de mercado cresceu às custas dela. Agora, começa a decrescer por avançar sobre os limites naturais.
O futuro da humanidade depende do controle da economia em limites toleráveis. Immanuel Wallerstein dizia que a economia de mercado estava com seus dias contados. Ela se extinguiria espontaneamente em 50 anos, dando lugar a uma economia sustentável socioambientalmente. O filósofo marxista Slavoj Zizek não vislumbra condições objetivas para uma revolução comunista. Segundo ele, a classe revolucionária está espalhada em favelas pelo mundo e tende a ir para o crime ou para as igrejas evangélicas. Resta, assim, uma reforma do capitalismo. O regime econômico estabeleceria limites para seu crescimento e promoveria a substituição de sistemas agressivos à natureza por uma economia “verde”. No discurso de empresários e políticos, o tom já mudou. Aparece com frequência a ideia de sustentabilidade. Na prática, contudo, o crescimento antiecológico continua ao lado de injustiças sociais crescentes.
As críticas ao sistema se concentram mais no plano social. O ambiental merece menos atenção. Mas essas críticas parecem inócuas.
* Arthur Soffiati é professor associado da Universidade Federal Fluminense aposentado.