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COP DAS VERDADES: Se Belém não resolveu, agendou

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Na COP30, coube à sociedade civil pautar nossos tomadores de decisão sobre o que de fato importa–

Agendas quase impossíveis, apadrinhadas por lobbies poderosos, desafiaram a passividade diplomática

CAETANO SCANNAVINO – Coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, com atuação há 40 anos na Amazônia e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais

Verdades sejam ditas. Já sabíamos, mas Belém escancarou ainda mais o descaso das nações mais poderosas, que se dizem líderes da humanidade, com o futuro da própria.
 
Dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, vimos, na COP30, uma Europa enfraquecida, uma Rússia em guerra e a ausência do hoje negacionista Estados Unidos, maior poluidor do planeta junto com a China, que pouco quis avançar.
 
Se há algum consenso entre eles, é a necessidade de mais verbas para armas. Aliás, os gastos militares em 2024 alcançaram US$ 2,7 trilhões, mais do dobro do que se tem buscado (US$ 1,3 trilhão por ano) para apoiar as nações mais pobres no enfrentamento da mudança do clima.
 
Diante da difícil conjuntura, sempre foram baixas as expectativas por acordos ambiciosos na COP30. Por essa métrica, até que Belém conseguiu entregas. Se precisávamos correr, ao menos andamos, no campo da transição justa, da atenção aos povos mais impactados, dos objetivos globais de adaptação, das florestas, dos financiamentos, de novas NDCs, “menos piores”, mas insuficientes, para variar.
 
Tudo ainda por ser aprimorado, e alguns já com prazos e agendas para continuidade. Assim têm sido as últimas COPs, nos moldes daquelas reuniões para se marcar novas reuniões.
 
As Conferências das Partes, por si só, não têm dado conta como resposta ao tamanho do desafio climático planetário. Sim, melhor com COPs do que sem COPs, mas se fazem necessários outros mecanismos, outras instâncias e movimentações políticas para além dos ciclos diplomáticos anuais, por uma governança global mais efetiva.
 
O clima deve ser agenda prioritária tanto em reuniões do bairro quanto em G20s, OPEPs ou Fóruns Mundiais. Para isso, a mobilização social é determinante.
 
Foi onde Belém mostrou a que veio, demonstrando a força de uma COP da sociedade civil, a partir da Amazônia, do Sul Global. Está aí a metade cheia do copo.
 
Foi a COP que teve [cacique] Raoni e [o xamã] Davi Kopenawa juntos contra a queda do céu, com a maior de todas as marchas, carimbós na Feira do Açaí e muita aparelhagem. Uma cidade sede que irradia cultura, um povo receptivo, uma vibe de calor humano necessária para trazer o mundo real (e desigual) para dentro das negociações, algo em falta nas últimas edições.
 
Baku, Dubai e Sharm El Sheikh foram três conferências realizadas em países com restrições à participação social. Havia um clamor represado por mobilizações da sociedade civil, do Brasil e do mundo, algo que as ruas de Belém, mais do que ninguém, sabem o mapa do caminho.
 
Das trinta Conferências até então, foi a com maior participação de indígenas e povos tradicionais, legítimos anfitriões amazônicos que pleiteavam por mais espaços na base das decisões. Tivemos movimentos importantes como a COP das Baixadas e a Cúpula dos Povos, com mais de 30 mil pessoas reunidas em concertações paralelas na UFPA (Universidade Federal do Pará).
 
Dos cocares ao porongaço, das barqueatas à marcha recorde com mais de 70 mil pessoas, a sociedade, sem caneta na mão (nem credenciais), pressionou quem as tem para que saíssem da letargia, pelo bem-viver, pelo futuro ancestral, por modos de vida diferentes deste que está nos levando ao fim.
 
Foi do Sul Global, da mobilização das organizações e movimentos sociais que emergiram pautas de verdade, onde clima não é só carbono. É também justiça social, direitos, reparação aos afrodescendentes, reconhecimento dos povos indígenas e tradicionais como parte da solução. Sem social, não tem ambiental. 
 
Os que menos contribuíram são os que mais sofrem em um planeta cada vez mais quente. Pura verdade.
 
Tanto quanto os mapas do caminho, pelo fim do desmatamento e da queima de combustíveis fósseis. Estes sim caminhos de verdade, afinal, são 30 COPs sem plano ou calendário algum acordado para eliminação gradual de petróleo, gás e carvão, que representam mais de 70% das emissões que estão nos levando ao colapso climático.
 
Florestas e biomas são o melhor, mais barato e mais seguro remédio, até porque, sem eles, o planeta perde o seu próprio sistema de regulação climática.
 
Como bem lembra o cientista Antônio Nobre, “não basta apenas parar de beber se não tratar a cirrose. Mesmo que a gente zere as emissões, a emergência climática persistiria sem uma restauração ecológica em larga escala”.
 
Se os mapas do caminho não entraram no documento final, azar dele. Até porque foi a partir de Belém que essas agendas quase impossíveis, apadrinhadas por lobbies poderosos, desafiaram a passividade diplomática, alavancando um movimento político com tamanho de quem vem para ficar.
 
Mérito também do presidente Lula, apoiado pela ministra Marina, que lançou as pautas na mesa ao escutar a ciência e os movimentos. Com a sociedade na régua alta de Belém, era o que faltava para pegar tração.
 
De forma inédita em COPs, o que começou com um, terminou com mais de 80 países se posicionando pelo fim dos combustíveis fósseis, sob olhares dos lobistas do óleo cada vez mais presentes na Blue Zone.
 
Manter a agenda viva dos mapas do caminho virou compromisso da presidência brasileira ao longo de 2026. Um movimento que seguirá para além das COPs, como o chamado da Colômbia para uma Conferência Mundial sobre o tema.
 
Se quem sabe faz a hora e não espera acontecer, cabe a nós seguir nos convidando. Belém não resolveu, mas agendou.

#Ocupa Bogotá!

Matéria original: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/papo-de-responsa/2025/12/cop-das-verdades-se-belem-nao-resolveu-agendou.shtml

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