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A Medida da Eficácia: ODS 14, Direito Internacional e os desafios da Governança Oceânica

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Especialistas debatem, na Faculdade de Direito da Côte d’Azur, os limites e potencialidades dos indicadores do ODS 14 à luz do direito comparado e dos desafios da conservação marinha

* Por EBVB | NICE, FRANÇA

Como medir a saúde do Oceano? Como transformar tratados internacionais em ações efetivas? E quem deve ser responsabilizado quando as promessas não se cumprem? Essas foram algumas das perguntas que nortearam o seminário “A Medida da Eficácia do ODS 14”, realizado na Faculdade de Direito da Universidade Côte d’Azur, com especialistas do direito internacional, ambientalistas e representantes institucionais de Mônaco, França, Brasil, China, Portugal e Tunísia.

O evento analisou os indicadores de eficácia do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (Vida na Água), cuja meta é “conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos”. Veja quadro abaixo:

Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável

  1. Até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos, especialmente a advinda de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes
  1. Até 2020, gerir de forma sustentável e proteger os ecossistemas marinhos e costeiros para evitar impactos adversos significativos, inclusive por meio do reforço da sua capacidade de resiliência, e tomar medidas para a sua restauração, a fim de assegurar oceanos saudáveis e produtivos
  2. Minimizar e enfrentar os impactos da acidificação dos oceanos, inclusive por meio do reforço da cooperação científica em todos os níveis
  1. Até 2020, efetivamente regular a coleta, e acabar com a sobrepesca, ilegal, não reportada e não regulamentada e as práticas de pesca destrutivas, e implementar planos de gestão com base científica, para restaurar populações de peixes no menor tempo possível, pelo menos a níveis que possam produzir rendimento máximo sustentável, como determinado por suas características biológicas
  1. Até 2020, conservar pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas, de acordo com a legislação nacional e internacional, e com base na melhor informação científica disponível
  1. Até 2020, proibir certas formas de subsídios à pesca, que contribuem para a sobrecapacidade e a sobrepesca, e eliminar os subsídios que contribuam para a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada, e abster-se de introduzir novos subsídios como estes, reconhecendo que o tratamento especial e diferenciado adequado e eficaz para os países em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos deve ser parte integrante da negociação sobre subsídios à pesca da Organização Mundial do Comércio
  1. Até 2030, aumentar os benefícios econômicos para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos, a partir do uso sustentável dos recursos marinhos, inclusive por meio de uma gestão sustentável da pesca, aquicultura e turismo
  • 14.a, sobre a transferência de tecnologia marinha para países em desenvolvimento;
  • 14.b, que assegura o acesso de pescadores artesanais aos recursos e mercados;
  • 14.c, que invoca a UNCLOS (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar) como estrutura legal para a governança oceânica.

O Direito (Ainda) Não Basta

O Mar como Espaço Geopolítico é uma das visões mais importantes em questão de soberania, mas aparentemente foi deixado de fora do ODS 14..

O que temos visto, ultimamente, são regras que deveriam guiaro cenário do jogo, mas que, no mundo real, pouco (ou quase nada) são seguidas. Deixar que um documento tão importante para o Planeta se torne mais um mecanismo para preencher o papel de resoluções que, certamente, se tornarão gigantes lacunas para sua total ineficácia, seria um mau início. O jurista francês Michel Prieur, Presidente do Centro Internacional de Direito Comparado sobre Meio Ambiente (CIDCE, por suas siglas em francês) e um dos principais nomes do direito ambiental internacional, destacou a ausência de eficácia nas resoluções já existentes.

Segundo ele, mesmo iniciativas como a resolução penal francesa de 2018 — voltada à Agenda 2030 — não são aplicadas de forma coerente com as demandas sociais e ecológicas. “Temos normas. Temos resoluções. Mas não temos eficácia”, afirmou. Para Prieur, os chamados indicadores logísticos não refletem a urgência real da crise marinha.

“Os indicadores do ODS 14 falham em transformar resoluções em ação. Eles foram escritos para o papel, não para a prática”, criticou.

Já os professores Olivier Fuchs e Alfredo Pena Vega alertaram para a visão unidimensional dos indicadores atuais do ODS 14, com características excessivamente ambientalistas e capazes de suprimir a dimensão geopolítica do Oceano. Segundo eles, “pensar o Oceano apenas como um objeto ambiental ignora sua perspectiva de poder global”.

Citando o Mediterrâneo como exemplo, Lucie Brower defendeu que o oceano deve ser pensado como um espaço de disputa, cooperação e soberania. “Reduzir a questão oceânica à proteção ambiental é um erro estratégico”, argumentou.

A ausência de uma COP específica para o Oceano abre uma lacuna que a UNOC tenta preencher, mas que ainda carece de instrumentos vinculantes. Fuchs e Vega criticaram a ausência de uma COP exclusiva para o Oceano — uma lacuna que, segundo eles, nem a UNOC (Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano) consegue suprir plenamente, pois mesmo a Conferência ainda precisa ir além da retórica e garantir responsabilização internacional real.

Mônaco: Tradição, Direito e Conservação

Representando o Principado de Mônaco, Laurent Anselmi – Assessor Governamental para Relações Exteriores e Cooperação – relembrou que muitas das bases legais hoje presentes

no Acordo de Paris já haviam sido previstas pelo Príncipe Albert I, no século XIX. Em 2008 e 2010, Mônaco assinou tratados que limitam a captura e criação de espécies ameaçadas, como o Thunnus thynnus (atum-vermelho), estabelecendo zonas interditadas e protocolos de regeneração. Anselmi defendeu que pequenas nações costeiras — com tradição em governança marinha — podem servir de modelo para ações mais amplas.

Mônaco também foi citada como exemplo de pequena nação que inspira políticas de preservação, por meio de seu serviço de proteção marinha e da Associação Monegasca de Proteção da Natureza. Além da legislação, Anselmi destacou o papel das pequenas nações costeiras como laboratórios de inovação para a diplomacia ambiental. “Mesmo com recursos limitados, temos mostrado que é possível implementar políticas eficazes e inspirar a comunidade internacional”, afirmou.

O Brasil: Falta de Dados ou Vontade?

As pesquisadoras Carina Costa de Oliveira, Professora Adjunta III/IV do Departamento de Direito Internacional e Ambiental, Faculdade de Direito, Universidade de Brasília (UnB), e Gabriela Lima Morales, Professora de Direito na UnB, apresentaram um diagnóstico preocupante acerca da medição dos indicadores do ODS 14: grande parte deles não pode ser aplicada de forma satisfatória em nosso país, uma vez que, segundo ela, os formulários internacionais não dialogam com a nossa realidade federativa.

Durante a pesquisa, a professora Carina concluiu que a maioria das respostas dos Municípios e Estados brasileiros foi “não sei”. Seria desconhecimento real ou desinteresse político? Seria preciso qualificar esse silêncio institucional, que também pode ser considerado como uma falha técnica, em relação à elaboração dos mesmos. É preciso ler e reler os indicadores para traduzí-los para nossa realidade, sem que, contudo, os mesmos sejam legalmente alterados.

Urge também uma mudança na linguagem e no compromisso. Vários participantes destacaram que a linguagem jurídica precisa ser repensada para comunicar melhor as urgências climáticas. O direito internacional atual ainda é voltado para a lentidão dos tratados e não para a velocidade do colapso ambiental,o que sugere uma aproximação entre ciência, sociedade civil e direito.

Os Desafios dos Indicadores – Três metas específicas do ODS 14 receberam atenção especial:

  • 14.a – Transferência de tecnologia marinha e capacitação científica para países em desenvolvimento.
  • 14.b – Garantia de acesso de pescadores artesanais aos recursos e mercados.
  • 14.c – Implementação da UNCLOS como base legal da governança oceânica.

Os debatedores concordaram que, embora essas metas sejam louváveis, sua mensuração ainda é imprecisa e seus instrumentos de aplicação carecem de força jurídica vinculante.

Seria fundamental um olhar para quem mede? Quem aplica? Quem cumpre? As perguntas, lançadas pelo professor Fuchs, continuam ecoando. Em tempos de aquecimento dos mares, acidificação do Oceano e perda acelerada da biodiversidade marinha, medir sem agir é o mesmo que silenciar. Enquanto a resposta não for dada, e aplicada, os oceanos continuarão navegando sem bússola — à deriva entre boas intenções e ausência de ação concreta.

🧭 Caminhos para a Efetividade

Em meio à profusão de transcrições multilíngues captadas durante o evento, um ponto foi unanimidade: a efetividade da governança oceânica depende de um novo pacto ético, que vá além dos indicadores – e que responsabilize quem se omite.

A conclusão do seminário foi inequívoca: sem revisão dos indicadores, democratização da ciência e responsabilização clara dos Estados, o ODS 14 corre o risco de ser mais uma promessa não cumprida no contexto da crise climática global. 📣

Sobre a autora:

EBVB – Traduzindo Ideias. Levando Informação.

Especializada em conteúdo jornalístico sobre sustentabilidade.

https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/14 https://fr.wikipedia.org/wiki/Michel_Prieur_(juriste) https://fr.wikipedia.org/wiki/Laurent_Anselmi

CAROLINA COSTA DE OLIVEIRA

Formação Acadêmica

  • Doutorado em Direito Internacional – Université Paris II‑Panthéon Assas, França (2012)
  • Mestrado em Direito das Relações Internacionais – Centro Universitário de Brasília (Uniceub), 2007
  • Graduação em Direito – Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 2005
  • Pós‐doutorado:
  • Cambridge Centre for Environment, Energy and Natural Resource Governance – University of Cambridge, Reino Unido
  • Law School – University of Adelaide, Austrália Atuação Profissional
  • Professora Adjunta III/IV, Departamento de Direito Internacional e Ambiental, Faculdade de Direito, Universidade de Brasília (UnB)
  • Coordenadora do Grupo de Pesquisa “GERN‑UnB” (Direito, Recursos Naturais e Sustentabilidade) – CNPq
  • Membro do Conselho Executivo do Brazilian Institute for the Law of the Sea (BILOS)

Áreas de Pesquisa e Especialização

  • Direito Ambiental (nacional e internacional)
  • Direito Internacional Público e Privado
  • Direito do Mar e governança de recursos marinhos
  • Gestão sustentável dos recursos naturais
  • Justiça ambiental e litígios socioambientais

Publicações e Produções Relevantes

  • Autora de mais de 40 publicações, entre artigos, capítulos de livros e relatórios ()

Destaques

  • “O uso de indicadores … no contexto do ODS 14.c” (Meridiano 47, 2023)
  • Vários capítulos e relatórios sobre gestão integrada, due diligence, licenciamento ambiental marinho e justiça azul
  • Forte atuação em governança marinha, incluindo temas como mineração de recursos minerais, pesca artesanal, e negociação do tratado BBNJ ()

Experiência Internacional

  • Visiting Scholar em Cambridge (CEENRG) e Adelaide (FAP‑DF)
  • Participou como professora/pesquisadora em Aix‑Marseille e Brest (França) ()
  • Atuou como docente visitante na FGV‑Rio (2010‑2012) ()
  • Envolvida com a missão brasileira na OMC, Genebra (2009)

Reconhecimentos

  • Bolsa de Produtividade do CNPq (nível PQ)
  • Financiamentos CAPES e FAP‑DF para pesquisas de pós-doutorado

Para saber mais

  • Currículo Lattes: CNPq 9225038806582901
  • ResearchGate e Google Scholar com lista completa de publicações ()

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