Arthur Soffiati |
|Examinando o clima nos últimos mil anos, notaremos que houve dois pequenos aquecimentos entre 1000 e 1200 anos contados pelo tempo ocidental, ou seja, a partir do nascimento de Cristo. Trata-se do “pequeno aquecimento medieval”, analisado por Brian Fagan em “O aquecimento global” (São Paulo: Larousse do Brasil, 2009). Entre 1200 e 1400 anos, ocorreu apenas uma pequena elevação de temperatura. Daí em diante, o tempo foi bastante frio, com médias sempre abaixo de 0° C. Em meados do século XIX, ocorreu apenas um pico de elevação. Todos esses episódios foram naturais. A partir de 1860, as temperaturas começaram a se elevar de forma constante, considerando as médias. O Sol chegou mais perto da Terra ou o contrário? O âmago do planeta se aqueceu e saiu pelos vulcões em forma de lava? A superfície esquentou sob nossos pés? Nada disso: a camada natural de gases do efeito-estufa adensou-se progressivamente por emissões derivadas da indústria. O desmatamento e a destruição de ecossistemas também contribuíram para essa mudança.
Hoje, existe uma rede mundial de monitoramento dos fenômenos climáticos e oceânicos: temperaturas, ventos, chuvas, estiagens, derretimento de geleiras, acidificação dos oceanos, ressacas, elevação do nível do mar etc. Essa rede começou a ser montada em 1850. Não se pensou, evidentemente, em acompanhar a elevação das temperaturas em correlação com as emissões de gases das indústrias. Ninguém poderia imaginar que desmatamento e queima de combustíveis fósseis fossem capazes de provocar elevação de temperaturas e mudanças climáticas. Daí o otimismo reinante entre 1815 (fim das guerras napoleônicas) e 1914 (início da Primeira Guerra Mundial). Cem anos de alegria dos países ricos. Daí a chamada Belle Époque, entre 1870 e 1914. Quarenta anos de aposta na civilização. Mesmo depois da Primeira Guerra, o otimismo quanto à exploração da natureza continuou reinando. Pôde-se apostar num crescimento infinito; na crença de que os recursos naturais nunca iriam acabar e a natureza teria sempre a capacidade de absorver dejetos da economia de mercado.
Não havia por que se preocupar com mudanças climáticas. O clima estaria imune às ações humanas. De fato, os registros meteorológicos e climatológicos mundiais mostram que as médias de temperatura revelavam-se amenas. No geral, elas estavam abaixo da linha que assinala o 0° C. Mas essa constatação só foi feita depois de 1970. Até mais. Até 1990, quando o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, integrante da Organização das Nações Unidas, advertiu quanto ao perigo do aquecimento global pela atividade econômica de mercado, já então globalizada naquele ano. Antes, nem mesmo os ecologistas mais radicais, poderiam supor que a humanidade fosse capaz de tal façanha. O que então se revelou é que o clima começou a apresentar comportamento imprevisível. As estações do ano deixaram de ser bem marcadas. As chuvas e as secas foram se tornando imprevisíveis. Antes, os especialistas trabalhavam com eventos climáticos cíclicos regulares e anômalos, como chuvas e estiagens seculares e decenais. O gráfico abaixo confirma essa elevação progressiva de temperatura. Notar que, a partir de 1970, para tomar uma data redonda, as temperaturas da Terra começam a revelar ascensão progressiva. E não de forma branda. Ao contrário, as temperaturas se elevaram muito rapidamente.
Em termos de alterações na superfície do planeta, o aquecimento global se traduz em chuvas intensas, com transbordamentos e inundações, como aconteceu em 2022 no Paquistão e no Brasil; secas prolongadas e ingentes, como a que vem assolando o chifre da África, a maior desde que os registros começaram a ser feitos há 40 anos; derretimento das geleiras polares e dos picos elevados, como nos Alpes, por exemplo; acidificação das águas oceânicas, que contribui para o empobrecimento da vida aquática; elevação do nível dos mares, que ameaça núcleos urbanos costeiros e insulares; devastadores incêndios, que varrem a Califórnia, o sul da Europa e a China; furações e ciclones, que assolam o Caribe, o sul dos Estados Unidos, a Indonésia, as Filipinas, o Japão e o Sudeste Asiático de modo geral. Em 27 conferências de cúpula sobre mudanças climáticas promovidas pela ONU, admitiu-se que tais mudanças estão ocorrendo como resultado de ações econômicas. Seria contraditório se não se admitisse: o mundo reunido para discutir o aquecimento antrópico do planeta chegando à conclusão de que ele não existe… Reconheceu-se também a necessidade de promover mudanças. Não substituir a economia de mercado por outra, mas de introduzir nesta mudanças que permitam a ela continuar existindo. Em palavras mais simples, conclui-se como imperativa a limitação da temperatura global a 1,5° C acima das temperaturas pré-industriais. Na COP-27, que se realizou no Egito em 2022, finalmente se admitiu a criação de um fundo para ajudar os países pobres e vítimas das mudanças climáticas. Esse fundo ainda não tem verba.
Na mesma COP-27, a Organização Meteorológica Mundial, órgão da ONU, anunciou que os oito anos mais quentes desde as primeiras medições ocorreram entre 2013 e 2022. A temperatura média subiu 1,14° C desde 1850. Estamos nos aproximando dos temidos 1,5° C. A economia está perdendo a luta e contabilizando enormes prejuízos. A humanidade mais pobre é a mais penalizada. Nem sequer estamos conseguindo organizar a vida na Terra para enfrentarmos o agravamento das mudanças climáticas globais.Campo e cidades foram construídos em tempos de bonança. Ambos não estão preparados para a fúria do clima. No entanto, continuam insistindo em padrões antigos.