Leandro Sequeiros || Doutor em Geologia e Catedrático de Paleontologia. Colaborador da Cátedra Francisco J. Ayala de Ciência, Tecnologia e Religião.
Neste ano de 2019, celebra-se o centenário do nascimento de James Lovelock e sua Hipótese ou Teoria de Gaia cumpre meio século, pois foi descrita pela primeira vez em 1969 e publicada 10 anos depois, em 1979.
James Ephraim Lovelock nasceu há cem anos, no dia 26 de Julho de 1919, em Letchworth Garden City, no Reino Unido.
A Hipótese Gaia
James Lovelock ficou famoso por ser o primeiro em formular uma teoria científica na qual se aborda uma intuição profunda no pensamento humano: que o Planeta está vivo e que é um organismo complexo em si mesmo. Lovelock formulou esta hipótese, que na atualidade é uma teoria, enquanto trabalhava como consultor da Agência Espacial dos Estados Unidos, a NASA, na década de 60.
Nessa mesma época, a petroleira Shell Oil o convidou como consultor para um programa cuja finalidade era imaginar como seria o mundo no ano 2000; enquanto a maioria dos expertos falava de veículos alimentados por energia obtida através da fusão e outras tecnologias futuristas, Lovelock previu que para o ano 2000 o grande problema seria ambiental e “estaria afetando o seu negócio”.
Ao esboçar sua hipótese, Lovelock definiu Gaia como “uma entidade complexa que inclui a biosfera, atmosfera, oceanos e terra, constituindo na sua totalidade um sistema retroalimentado que busca um entorno físico e químico propício para a vida no Planeta”.
Naquele momento, a Hipótese de Gaia gerou intensos debates na comunidade científica e filosófica pelas suas implicações sociais e inclusive metafísicas. Era uma nova “fronteira”. O nome de Gaia foi sugerido pelo seu amigo, o escritor e Prêmio Nobel de Literatura de 1983, William Golding, autor de “O senhor das moscas”. O que ficou de Gaia meio século depois?
Num artigo publicado por The Guardian, Lovelock, diz que “43 anos depois, isso foi o que aconteceu”, destacando a sua autoria por se antecipar ao que está acontecendo no nosso Planeta. Segundo Decca Altkenhean, jornalista do The Guardian, suas predições, emitidas desde um “laboratório de um só homem”, lhe garantiram um lugar como um dos cientistas britânicos independentes mais respeitados.
Trabalhando sozinho desde que tinha 40 anos, Lovelock inventou o detector de captura de elétrons, que permitiu detectar componentes tóxicos em regiões tão remotas como a Antártida e o crescente buraco na Camada de Ozônio (o trabalho do químico mexicano Mario Molina, que o levou a conquistar o Prêmio Nobel de Química em 1995, está inspirado em Lovelock).
No seu último livro, “The Revenge of Gaia” (A Vingança de Gaia), James Lovelock previu que o clima extremo seria a norma causando grande devastação. Também afirmou que no ano 2040 Europa se pareceria com o Saara e boa parte de Londres estaria sob a água. Estes cálculos são mais radicais do que os do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), mas não completamente distantes das suas estimativas.
Na opinião de Lovelock, houve sete desastres similares ao que está por acontecer desde que os humanos evoluíram. “Acredito que estes eventos continuam, separando o joio do trigo e, eventualmente, sim teremos um ser humano no Planeta que entenderá isso e viverá de forma apropriada. Essa é a fonte do meu otimismo”, disse.
Segundo ele, a evolução do nosso Planeta, não se comporta de uma maneira linear, mas sofre descontinuidades e grandes saltos no seu trajeto. A história da Terra e a dos modelos climáticos simples baseados na noção de um Planeta vivo e responsivo sugere que a mudança repentina e supressiva é mais possível do que a suave curva ascendente da temperatura que predizem a maioria dos modelos para os próximos 90 anos.
Na Teoria de Gaia, estabelece que a Terra é um superorganismo, composto por uma rede vivente que, através de sua interação configura o delicado equilíbrio da biosfera. O Planeta é um ser vivo possivelmente inteligente (sua inteligência é a evolução mesma); uma unidade da qual todas as formas de vida são parte, que se reproduz autorreferencialmente através da autopoiesis e se autorregula para se manter homeostática.
Ainda que a sua teoria fosse usada para firmar as crenças do New Age e as do “movimento verde”, Lovelock não acredita nas ações estilo “salvar o planeta deixando de usar sacolas de plástico”, ou coisas pelo estilo. Lovelock acredita que este tipo de coisas são uma fantasia e uma ilusão que nos fizeram acreditar para nos sentirmos melhor, mas não fazem diferença.
“É tarde demais. Talvez se tivéssemos tomado uma rota diferente em 1967, teria ajudado. Mas, não temos tempo. Estas coisas verdes, como o desenvolvimento sustentável, eu acredito que são apenas palavras que não significam nada. Muitas pessoas vêm até mim e me dizem que não posso dizer isso, porque faz que não tenham nada a fazer. Eu digo que, pelo contrário, nos dá uma imensa quantidade de coisas a fazer. Só que não do tipo de coisas que querem fazer”, disse respondendo a perguntas numa entrevista do The Guardian.
Há que dizer que James Lovelock é sumamente controvertido e que suas predições foram apoiadas pelo IPCC. Parece amar a polêmica. Não acredita que a energia renovável permita alimentar uma sociedade como a nossa. Em troca, prefere a energia nuclear.
Ele considera que, ao ter ultrapassado um ponto crítico, o aquecimento global fará com que boa parte do mundo seja inabitável e que desaparecerão até 80% dos seres humanos. O que fazer perante isso tudo? Lovelock diz sorridente: “Desfrutar da vida enquanto se pode. Porque se se tem sorte ainda ficam 20 anos antes que tudo se desmorone”.
A Teoria de Gaia se baseia na ideia de que a biosfera autorregula as condições do Planeta para fazer seu entorno físico (especialmente temperatura e química atmosférica) mais hospitaleiro para as espécies que conformam a “vida”. A Teoria de Gaia define esta “hospitalidade” como uma completa homeostase. Um modelo simples que se usa para ilustrar a Hipótese de Gaia é a simulação do mundo das margaridas.
De acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, um sistema fechado tende à máxima entropia. No caso do Planeta Terra, sua atmosfera deveria estar em equilíbrio químico, composta majoritariamente de CO2 (estimou-se que a atmosfera deveria se compor de, aproximadamente, 99% de CO2) apenas com vestígios de oxigênio e nitrogênio. Segundo a Teoria de Gaia, o fato de que hoje em dia a atmosfera se configure com 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e apenas 0,3% de dióxido de carbono se deve a que a vida, com sua atividade e sua reprodução, mantém estas condições que a fazem habitável para muitas formas de vida.
Antes da formulação da Hipótese Gaia se supunha que a Terra possuía as condições apropriadas para que a vida acontecesse nela; e que esta vida tinha se limitado a se adaptar às condições existentes, assim como as mudanças que se produziam nessas condições.
A Hipótese de Gaia propõe que dadas as condições iniciais que fizeram possível o início da vida no Planeta, teria sido a própria vida que foi se modificando e, portanto, as condições resultantes são consequência e responsabilidade da vida que a habita. Para explicar como a vida pode manter as condições químicas de Gaia, a bióloga Lynn Margulis co-criadora da Teoria de Gaia desde 1971 e autora de “The Symbiotic Planet”, destacou a grande capacidade dos microrganismos para transformar gases que contêm nitrogênio, enxofre e carbono.
A cosmovisão da Terra viva
Ainda que o conceito de uma Terra viva seja antigo, devemos a Newton a comparação do Planeta com um animal ou um vegetal. James Hutton, (1726-1797), considerado um dos precursores da Hipótesie de Gaia, Aldous Huxley, Vladimir Vernadsky e Pierre Teilhard de Chardin expressaram pontos de vista similares, mas, ao carecer de dados quantitativos, essas ideias pioneiras ficaram na anedota ou em meras declarações.
Lovelock iria depurando a sua proposta. Em 1981 criou um modelo de plantas de cores escuras e claras que competiam num planeta com crescente irradiação de luz solar. Tratava de mostrar que a Hipótese de Gaia era coerente com a seleção natural.
Em 1986, o climatologista Robert Charlson, Lovelock, Meinrat Andreae e Steven Warren descobriram o nexo existente entre o gás biogênico dimetilsulfureto (produzido por algas oceânicas), sua oxidação na atmosfera para formar núcleos de condensação nebulosa e o efeito subsequente de criação das nuvens. Margulis, aportou ao modelo a função desempenhada pelos microrganismos que constituem a infraestrutura biológica da Terra. Se durante boa parte da história do Planeta ocuparam todos os espaços da biosfera, em nosso tempo resultam também vitais para uma regulação eficaz da mesma.
Com efeito, os microrganismos do solo são os responsáveis pela produção de gases que encontramos na atmosfera; o vapor de água, o dióxido de carbono e o amônio reduzem a perda de radiação da Terra ao espaço, graças a sua absorção infravermelha.
Estamos falando do Efeito Estufa, graças ao qual a atmosfera mantém o Planeta bastante mais quente do que estaria por si mesmo. Tudo indica que nos primeiros estágios da Terra o Efeito Estufa desempenhou uma missão principalíssima, que foi diminuindo conforme o Sol ia enviando mais calor. Mas, não percamos de vista que os gases decisivos do Efeito Estufa são produzidos pelos organismos.
Geofisiologia
Como o próprio Lovelock declarou em 1969 a Terra é um sistema auto-regulável capaz de manter o clima e a composição química confortável para os organismos. Essa hipótese – a Hipótese de Gaia, agora Teoria de Gaia – ainda deve ser provada. Uma crítica a essa teoria é a que se relaciona com a Teologia. “Esta acusação é injusta, pois nunca me propus atribuir-lhe um propósito ou uma visão do futuro. Seja correta ou não, é uma teoria comprovável e capaz de realizar predições “arriscadas”. Uma delas foi que deveria haver uma emissão de sulfato de dimetilo suficientemente grande desde os oceanos para equilibrar o pressuposto de sulfuro natural”.
“Uma confirmação preliminar veio de minhas próprias medições em 1972, e foi completamente confirmada por M. O. Andreae de forma independente. Mais tarde, considerando a predição por parte de Gaia da regulação do clima, Robert Charlson, Lovelock, Meinrat Andreae e Steven Warren postularam que a densidade das nuvens estava modulada pela abundância de sulfato de dimetilo na atmosfera, e que isso por sua vez mudava o albedo da Terra e a temperatura média da superfície”. “Esta proposta foi publicada como artigo na revista científica Nature em 1987 e ainda está a ser provada. A Teoria de Gaia também ofereceu uma interpretação da regulação em longo prazo do dióxido de carbono e o clima através da erosão biótica das rocas. Esta proposta foi confirmada por Schwartzman e Volk em 1989”.
A obra científica de James Lovelock
Lovelock é autor de quase 200 artigos científicos, distribuídos equitativamente entre temas de medicina, biologia, ciência instrumental e geofisiologia. Possui mais de 50 patentes, na sua maioria de detectores para uso em análises químicas. Um deles, o detector de captura de elétrons, foi importante para o desenvolvimento da consciência ambiental. Revelou pela primeira vez a distribuição ubíqua dos resíduos dos pesticidas e outros compostos químicos que contêm halogêneos.
Esta informação permitiu a Rachel Carson escrever seu livro “Primavera silenciosa” (considerado o iniciador da tomada de consciência ambiental. Mais tarde permitiu a descoberta da presença de PCB (Bifenilos policlorados no meio ambiente. Mais recentemente, o detector de captura de elétrons permitiu descobrir a distribuição global de óxido nitroso e de clorofluorcarbonos, ambos importantes na química do ozônio estratosférico. Algumas dessas descobertas foram adotadas pela NASA nos seus programas de exploração interplanetária. A NASA lhe outorgou 3 certificados de reconhecimento .
James Lovelock fora de ser o criador da Hipótese de Gaia (agora chamada Teoria de Gaia) e escreveu outros quatro livros sobre esse tema: “Gaia: A New Look at Life on Earth – Gaia: Um Novo Olhar sobre a Vida na Terra” (1979); o segundo é “Ages of Gaia – As Eras de Gaia” (1988).
O terceiro é “Gaia: The Practical Science of Planetary Medicine – Gaia: una ciência para curar o planeta” (1991) e o quarto, “Homage to Gaia: The Life of an Independent Scientist – Homenagem a Gaia. A vida de um cientista independente” (2000). O principal interesse de Lovelock se focaliza nas Ciências da Vida. No início. através da pesquisa médica e, depois, em relação com a Geofisiologia, a ciência dos sistemas da Terra. Seu segundo âmbito de interesse, o do projeto e desenvolvimento de instrumentos, interagiu com o primeiro gerando benefício mútuo.
As conferências sobre a Hipótese de Gaia
As comunidades científicas de Ciências da Terra, Ciências da Vida e de Filosofia da Biologia debateram nestes 50 anos os diversos aspectos da Hipótese de Gaia. São muitos os aspectos problemáticos de uma cosmovisão tão interdisciplinar como esta. No ano 1985 celebrou-se na Universidade de Massachusetts a Primeira Conferência sobre a Hipótese de Gaia, sob o título: “A Terra é um organismo vivo?” Três anos mais tarde, em 1988 o climatólogo estadunidense Stephen Schneider organizou a Segunda Conferência de Gaia, onde James Kirchner criticou a Hipótese de Gaia pela sua imprecisão e afirmou que Lovelock e Margulis não tinham apresentado uma Hipótese de Gaia, mas quatro:
– Gaia Co-evolucionária: a hipótese afirma que a vida e o ambiente evoluíram de forma vinculada. Kirchner afirmou que esta ideia já era aceita cientificamente e não era novidade.
– Gaia Homeostática: afirma que a vida mantém a estabilidade do entorno natural, o que permite que a vida possa continuar existindo. Esta hipótese pode-se dividir em Gaia Débil e Gaia Forte, como se indica a seguir.
– Gaia Geofísica: a Hipótese de Gaia gerou interesse pelos ciclos geofísicos, dando lugar a uma nova pesquisa interessante na dinâmica geofísica terrestre.
– Gaia Optimizada: Gaia deu forma ao Planeta de uma forma que fez um ambiente propício para a vida no seu conjunto. Kirchner afirmou que isto não era comprovável e, portanto, não era científico.
Segundo Kirchner, pode-se dividir a Hipótese original (Gaia Homeostática) numa série de hipóteses, desde a inegável Gaia Débil, até a radical e, em sua opinião, não comprovável, Gaia Forte.
Desta forma, numa Gaia Débil, a própria biosfera atuaria como um sistema auto-organizado que mantém um meta-equilíbrio permitindo a vida. Porém uma Gaia Forte incluiria a biosfera, a atmosfera, os oceanos e a terra, dentro de um sistema retroalimentado para conseguir um entorno físico e químico adequado à vida em seu conjunto no Planeta onde os organismos se reproduzem, controlam e adaptam baseando-se nas mudanças ecológicas que o sistema vai sofrendo de acordo com sua evolução.
Outras Conferências
A Terceira Conferência de Gaia (que é a Segunda Conferência Chapman sobre a Hipótese de Gaia) teve lugar em Valência, Espanha, em Junho de 2000, e foi organizada pela Universidade de Valência e a American Geophysical Union. Nessa ocasião a atenção se centralizou nos mecanismos específicos pelos quais a homeostase básica de curto prazo da Terra pode-se manter no âmbito das mudanças estruturais.
Em Outubro de 2006 celebrou-se no campus da Universidade George Mason em Arlington, Virgínia (EUA), una Quarta Conferência Internacional sobre a Hipótese de Gaia. Nessa conferência se abordou a Hipótese de Gaia como ciência e como metáfora, buscando um elemento para entender de que forma poderíamos começar a solucionar os problemas do Século 21, tais como o aquecimento global e a destruição do meio ambiente.
Num artigo na Investigación y Ciencia (versão espanhola da revista Scientific American), [“Gaia, Asentamiento de una teoría controvertida”, 2015], seu autor, Luis Alonso, comentou um ensaio de Michael Ruse [The Gaia hipothesis: Science on a pagan planet – The University of Chicago Press, Chicago, 2013]. Meses depois da publicação do livro de Michael Ruse, James Lovelock publicava o que se considera como o último capítulo de uma série de trabalhos em torno à mesma: A rough ride to the future: The next evolution of Gaia.
Os fundamentos científicos e epistemológicos da ideia de Gaia, lançada em 1969, se mantêm. Estabelecem que a Terra é um sistema autorregulado: organismos e entorno físico evolucionam de forma conjunta e mutuamente retroalimentados. Os organismos regulam a atmosfera no seu próprio interesse. Há um acordo de que se trata de uma metáfora, pois a Terra não é nenhum sistema vivo, mas se comporta como se fosse, no sentido de que mantém constantes a temperatura e a composição química face às perturbações, esclarece Lovelock.
As críticas à Hipótese de Gaia
James Lovelock nunca disse que Gaia, a Terra, era um ser pensante, nem que tinha consciência, mas, apesar disso, suas ideias foram perseguidas e ridiculizadas ferozmente pelos cientistas durante muito tempo, até que, a partir dos anos noventa, começaram a ser aceitas de forma mais ampla.
As críticas mais duras procedem do campo do darwinismo radical. Assim, Richard Dawkins [Dawkins, Richard (1982). “The Extended Phenotype: the Long Reach of the Gene”. Oxford University Press], Stephen Jay Gould [Gould S. J. June 1997. “Kropotkin was no crackpot”. Natural History. 106: 12–21].e Ford Doolittle [Doolittle, W. F. (1981). “Is Nature Really Motherly”. The Coevolution Quarterly. Spring: 58–63] nos anos oitenta e noventa, criticaram duramente a hipótese de Lovelock.
Num tom mais moderado se manifestou a bióloga Lynn Margulis considerada como a mãe de Gaia. Sua principal contribuição científica radica na chamada Teoria da Endossimbiose Sequencial a qual explica, entre outros dados, a presença de mitocôndrias ou cloroplastos nas células eucariotas (de animais e plantas) como resultado da fusão de duas bactérias que teriam obtido um benefício mútuo; a existência de organelas ou organoides, que compõem as células eucariontes tenha surgido como consequência duma associação simbiótica estável entre organismos em determinadas formas celulares; ou a presença de motilidade (movimentos intracelulares) em células evolucionadas. Isto é, que os caracteres dos organismos pluricelulares são produto da incorporação simbiótica e em muitas ocasiões de bactérias que antes tinham uma vida livre.
Margulis também colaborou com James Lovelock no desenvolvimento da Teoria de Gaia. Diferentemente de Lovelock, Lynn Margulis não acreditava que a Terra fosse um único e gigantesco “superorganismo”.
Segundo ela, Lovelock dizia isso “porque acreditava que se as pessoas pensassem no Planeta como se fosse um ser vivo, o cuidariam mais. Eu não acredito nisso. Pode-se dizer que Gaia é um ecossistema muito complexo, mas não um organismo”.
Lovelock é polêmico por suas controvertidas declarações em favor da energia nuclear, mesmo sendo considerado um dos pais da ecologia moderna, e suas críticas em relação à maioria dos ecologistas, considerando que eles “não só desconhecem a ciência, mas que, além disso, a odeiam”. Seu apoio à energia nuclear o converteu no alvo das críticas de muitos dos seus colegas. Numa entrevista virtual realizada pelo jornal espanhol El País foi preguntado ao cientista se levava em consideração as emissões de dióxido de carbono (CO2 ))produzidas pela mineração e processamento do urânio, e na construção/demolição das centrais nucleares e seus cemitérios.
Lovelock respondeu radicalmente: “A energia produzida por um quilo de material nuclear equivale à energia produzida por um milhão de quilos de carvão. Portanto, as emissões de CO2 produzidas na extração do urânio é um milhão de vezes menor do que aquela necessária para extrair carvão”.
James Lovelock defende que a energia nuclear é uma das formas com as quais pode se ajudar a frear o aquecimento global, posto que possa aliviar o enorme consumo de energia da atualidade sem prejudicar a atmosfera e, além disso, é muito rentável.
Implicações filosóficas e teológicas da Hipótese de Gaia
Do ponto de vista filosófico e teológico, a Hipótese Gaia foi etiquetada como uma religião neo-pagã. Qualquer um que tenha estudado o movimento verde global, sem nenhuma dúvida ouviu falar de Gaia. Os crentes de Gaia, ou “gaianos“, como se referem frequentemente a si mesmos, afirmam que a Terra é um ser vivente, um antigo espírito da deusa, merecedor de adoração e reverência.
Na opinião destes autores, James Lovelock, no seu libro “Gaia: A New Look at Life on Earth – Gaia: um novo olhar sobre a vida na Terra”, afirma que “todas as formas de vida neste Planeta são parte de Gaia – parte de uma deusa do espírito que sustenta a vida na Terra. A partir desta transformação num sistema vivo, as intervenções de Gaia trouxeram com ela a diversidade na evolução das criaturas viventes no Planeta Terra”. Os gaianos ensinam que a “Deusa da Terra”, ou a Mãe Terra, deve ser protegida da atividade humana destrutiva. É essa crença que alimenta o movimento ambientalista, o desenvolvimento sustentável e um impulso global pela mudança nas nações industrializadas por uma forma de vida mais primitiva.
Os gaianos afirmam que “somos parte da natureza e a natureza é parte de nós, portanto, Deus é parte de nós e está em todas as partes, tudo é Deus”. Na realidade Gaia é um renascimento da “deusa da Terra” que se encontra em muitas religiões pagãs antigas. O atual culto a Gaia é uma astuta mistura de ciência, paganismo, misticismo oriental e wicca.
A Teoria de Gaia encontrou sua maior ressonância no movimento New Age que ficou fascinado pelo lado místico de Gaia. Eles acharam fácil conceber que os seres humanos podem ter uma relação espiritual com Gaia. Uma conexão com a natureza e a crença de que os seres humanos são uma parte dessa consciência coletiva chamada Gaia apela fortemente à sua cosmovisão.
Uma simples busca no Google sobre a Gaia pagã revelará milhares de organizações orgulhosamente se proclamando a si mesmas, literalmente, sacerdotes pagãos e discípulos da grande Deusa Gaia. Há dezenas de grupos de Gaia na maioria das cidades importantes. A Wicca, que se diz que é a religião de mais rápido crescimento nos Estados Unidos, está intimamente relacionada com a adoração a Gaia. Com efeito, muitos gaianos se chamam de bruxas e bruxos.
O movimento feminista também acolheu calorosamente o conceito de uma Deusa Gaia. Para muitos desses defensores, uma parte integral da adoração da Deusa é seu tema predominante em declarações anti-masculinas. Nessa visão filosófica do mundo, posto que o culto à Deusa é bom então, por necessidade, qualquer uso da terminologia masculina em referência a Deus ou qualquer prominência dos homens na cultura ou na sociedade é geralmente desalentado.
De um ponto de vista filosófico, aquele de que a Terra era um planeta vivo, uma ideia de muito longa história no pensamento ocidental, na realidade desde a origem da reflexão científica na Jônia mediterrânea se relaciona com a teleologia ou finalidade do cosmos e seu conteúdo. Platão percebeu uma forma de desenho num mundo que distava muito de um caos que se movimentasse sem nenhuma razão, cego.
A complexidade manifesta não podia ser fruto do acaso, senão que devia subjazer em todo um sentido e uma finalidade. As coisas têm uma explicação finalista, imposta desde o exterior, pelo demiurgo que a planejou. A finalidade convergia com o bem do objeto ou do processo, expõe Platão no “Timeu” onde especula sobre a natureza do mundo físico e os seres humanos. Já Aristóteles, seu discípulo, da um passo adiante e implanta a finalidade no próprio objeto ou organismo. Os animais, por exemplo, carentes de razão, atuam por um fim, que é o que lhes foi conferido pela sua própria natureza.
Lovelock diferenciou entre causas próximas (o escultor que cinzela a figura e vai eliminando partes do mármore) e o propósito ou finalidade que guia o escultor na talha: a criação da figura. Por um imperativo da natureza e com um propósito, a andorinha constrói o ninho e a aranha tece sua rede, as plantas dão frutos e afundam suas raízes no solo em busca de nutrientes. Com a revolução científica, começou-se a separar com nitidez o trabalho do cientista focado no mecanismo, e não na tarefa do filósofo ocupado no por quê.
Sobre James Lovelock
Lovelock graduou-se como químico na Universidade de Manchester em 1941 e em 1948 obteve o doutorado em Medicina na Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Em 1959 recebeu o título de Doctor of Science em Biofísica na Universidade de Londres. Depois trabalhou no Conselho de Pesquisa Médica do Instituto Nacional de Pesquisa Médica de Londres por cinco anos, de 1946 a 1951, na Unidade de Pesquisa do Resfriado Comum do Hospital Harvard de Salisbury (Wiltshire, Reino Unido).
No ano 1974, James Lovelock foi eleito membro da Royal Society, a Academia das Ciências do Reino Unido e em 1975 recebeu a medalha Tswett de Cromatografia. Anteriormente recebeu um prêmio da Fundação CIBA por sua pesquisa sobre o envelhecimento. Em 1980 recebeu o Prêmio em Cromatografia da Sociedade Americana de Química e em 1986 obteve a Medalha de Prata e o Prêmio do Laboratório Marinho de Plymouth.
Em 1988 foi um dos destinatários do Prêmio Norbert Gerbierde da Organização Meteorológica Mundial e em 1990 foi lhe concedido o primeiro Prêmio Amsterdam pelo Meio Ambiente da Real Academia de Artes e Ciências dos Países Baixos. A relevante contribuição à ciência dada através da sua hipótese lhe valeu a prestigiada Medalha Wollaston da Sociedade Geológica de Londres.
Em 1996 recebeu tanto o Prêmio Nonino quanto o Prêmio Volvo Environment. Em 1997 recebeu o Prêmio Blue Planet do Japão. Foi nomeado Doutor Honoris Causa pelas Universidades East Anglia (1982), Exeter (1988), Politécnica de Plymouth – atualmente Universidade de Plymouth – (1988), a Universidade de Estocolmo (1991), Edimburgo (1993), Kent, East London (1996) e a Universidade de Colorado (1997). A Rainha Elizabeth II o sagrou Comandante da Excelentíssima Ordem do Império Britânico em 1990.
Em 1954 James Lovelock recebeu uma bolsa para medicina da Fundação Rockefeller, na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, em Boston. Em 1958 foi professor visitante na Universidade de Yale durante um período similar. Em 1961 renunciou ao seu cargo no Instituto Nacional de Pesquisa Médica de Londres para trabalhar em tempo integral como professor de química na Faculdade de Medicina da Universidade de Baylor em Houston (Texas) onde permaneceu até 1964.
Durante sua permanência nos EUA colaborou junto com outros colegas no Jet Propulsion Laboratory da NASA em Pasadena, Califórnia, em pesquisa lunar e planetária. Desde 1964 é cientista independente, mas manteve associações acadêmicas honorárias como professor visitante, primeiro na Universidade de Houston e depois na Universidade de Reading. Desde 1982 colaborou na Associação de Biologia Marina de Plymouth, primeiro como membro do Conselho, e entre 1986 e 1990, como presidente.