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Mineradoras devoram a Amazônia enquanto a COP30 promete salvar

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Multinacionais são acusadas de contaminação em Barcarena, no Pará. Governador assina termo de cooperação com poluidora durante a Conferência da ONU para o Clima

Autor: Ahmad Jarrah

Barcarena, no Pará, tornou-se um palco de contrastes durante a COP30. Enquanto o mundo discute o futuro da Amazônia em Belém, as comunidades tradicionais que vivem no município, com pouco mais de 140 mil habitantes, expuseram o rastro de destruição deixado por mineradoras multinacionais, muitas delas com sede em países que se apresentam como defensores do clima, como Noruega e França.
 

Para chegar ao município paraense no último dia 8, A Lente percorreu pouco mais de uma hora de balsa a partir de Belém pelos rios Guamá e Acará, em companhia da ONG FASE, para ouvir relatos das comunidades Tauá e Curuperé que acumulam impactos e perdas ao longo dos anos. A contaminação por rejeitos de mineração, como o caulim da Imerys (agora Artemyn), transformou igarapés como o Curuperé em “rios mortos”, com o rejeito sedimentado no fundo, diminuindo a pesca e a qualidade da água, levando moradores a ter que comprar
água até para beber. Soma-se críticas ao crédito de carbono como um modelo de negócios destrutivo em funcionamento enquanto se cria uma fachada de sustentabilidade com o greenwashing.

Dona Maria de Nazaré, 80 anos, nascida e criada em Curuperé, que vive da agricultura familiar e do extrativismo de especies amazônicas como o cupuaçu, açaí e a pupunha, foi vítima direta da contaminação por rejeitos de caulim da Imerys/Artemyn. “Eu fui tirar a mandioca e pisei no meio daquela mistura de caulim”. O contato direto com o rejeito mineral, que sedimentou no solo, causou uma alergia severa. “Minha perna era limpinha. Mas por causa disso ficou assim”, desabafa Nazaré, apontando para a ferida que incomoda até hoje e “nunca mais voltou ao normal”.
 

O medo agora é pelo ar que você respira. A poluição do ar com um “pó brilhoso”, às vezes branco, prateado ou preto, junto com a fumaça escura, proveniente da atividade das empresas, está associada a problemas de pele e respiratórios. Ela questiona o futuro da comunidade, e reclama que a poluição já causa alergias e gripes constantes no seu filho. Mesmo diante de tudo, ela resiste a ser expulsa: “Olha, o que a gente quer era ficar aqui”, comenta, ao revelar o medo de não ter para onde ir.
 

Já a dor de outra mulher afetada na comunidade, Maria da Conceição, 50, é marcada pelo luto e pela violência. Sua família, liderada pelo pai e pelo irmão, recusou-se a vender o território para as multinacionais. Ela relata que, após as recusas, a empresa fez uma ameaça direta: “Se meu pai não vendesse, nós iríamos chorar lágrimas de sangue”. A previsão, segundo Conceição, se cumpriu: “Eles mandaram matar o meu irmão”, que foi assassinado há 25 anos “pelo desejo de viver na terra em que ele nasceu”, relata emocionada.

A promessa de progresso dos empresários de que sua família “moraria em um palácio e teria empregos” se tornou uma maldição. Ela afirma ter “ódio dessas empresas”, mas não é só isso, “eu tenho mais ódio ainda do poder público, municipal, estadual e federal, que deveriam cuidar de nós”, desabafa. Ela ainda critica o fato de países cujas multinacionais causam “destruição” e “contaminação” na Amazônia, como a Noruega e a França, prometerem “valor em dinheiro” para o Fundo das Florestas Tropicais para Sempre (PFFF), o que classifica como hipocrisia, “é uma piada conosco”, finaliza.
 

A presença de multinacionais como a Norsk Hydro (Noruega) e a Imerys/Artemyn (França/EUA) na Amazônia, responsáveis por crimes ambientais e violações de direitos humanos, revela uma profunda contradição com os compromissos climáticos internacionais, como a promessa de contribuição ao Fundo das Florestas Tropicais para Sempre (PFFF) feitas por esses mesmos países envolvidos na destruição.
 

A Norsk Hydro também figura entre os patrocinadores oficiais da COP30 e de diversos eventos paralelos em Belém, além de financiar coberturas oficiais feitas por grandes veículos, como CNN, Estadão, Exame e O Liberal, conforme revelou The Intercept Brasil.
 

O assessor jurídico Marco Apolo, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), classifica como “absurdo” que a Imerys jamais tenha sido condenada no processo judicial, apesar das dezenas de crimes, mas apenas assinado Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), que, segundo as comunidades, não são cumpridos.
 

Apesar da falta de condenação nas esferas institucionais do judiciário, em um ato de justiça simbólica durante a Cúpula dos Povos na COP30, as mineradoras Hydro, Imerys/Artemyn, Belo Sun e Vale, foram unanimemente condenadas pelo Tribunal Popular em Defesa da Amazônia, realizado no último dia 13 na UFPA. O júri popular considerou as ações das empresas como “crimes contra a humanidade” e condenou-as a reparar os danos e financiar políticas ambientais.
 

Novo acordo com poluidoras assinado na COP30 sob protestos


No auge da COP30, o Governador do Pará, Helder Barbalho, assinou um acordo de cooperação socioambiental com a Hydro, focando em combate a queimadas e fortalecimento da capacidade operacional do Estado. Para as comunidades, essa parceria reforça a continuidade de um modelo de desenvolvimento que prioriza o crescimento econômico e o lucro das empresas em detrimento dos direitos humanos e ambientais, mais uma vez sem consulta às populações atingidas.
 

A assinatura com uma empresa, que junto com suas subsidiárias no Pará, acumula diversas condenações e multas judiciaisno Brasil, principalmente relacionadas a danos ambientais e à saúde das comunidades locais em Barcarena reflete a omissão do poder público e a permanência de um ciclo de impunidade e destruição, relatam as comunidades.
 

Para João Gomes, coordenador da FASE/Belém, o que acontece em Barcarena não é um mero “acidente de percurso” e sim a “lógica que estrutura o modelo de desenvolvimento do capital que só visa o lucro e não visa os territórios, não visa o ser humano. Vem para matar e destruir mesmo”, avalia.

Embora haja condenações milionárias, no caso da Hydro, pelas contaminações em Barcarena em diversas ocasiões no decorrer dos anos de atividade, em setembro deste ano, a Justiça da Holanda absolveu a empresa em uma ação movida por moradores de Barcarena, considerando improcedentes os pedidos de indenização por supostos impactos ambientais e encerrando o caso. Outras ações seguem em curso.


Esta reportagem foi produzida por A Lente, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original no Link

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