Francisco Louçã | Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda de Portugal
Já chegámos ao ponto em que quase todos os negacionistas desistiram de combater a evidência. Há, mas não pagamos, é o que nos dizem. Nem vale a pena tentarem esconder a evidência: os dados apresentados em Madrid sobre o aquecimento global da última década dizem tudo. Mas quanto é que esse desastre vai custar? Calcular o futuro é tão difícil quanto parece, e os economistas não se entendem.
Nobel em cheque
Em 2018 o Nobel da Economia foi atribuído a Paul Romer pela “Teoria do Crescimento”, e a William Nordhaus, pelo trabalho sobre o ambiente. Ao saber disso, Nordhaus notou que um colega, Martin Weitzman, também devia ter sido contemplado. Mas tal não aconteceu, para desgosto de Weitzman, um dos fundadores da economia do clima, que se suicidou um ano depois, afirmando-se que ficou desmotivado para continuar o seu trabalho.
Estes dois economistas consideram que as alterações climáticas são o tema fundamental. Mas Weitzman tinha uma visão pessimista sobre a explicação pelos modelos correntes, notando que dependem de apreciações subjetivas sobre o risco estrutural e, portanto, podem conduzir a erros. Desenvolveu por isso o que chamou de “Teorema da Calamidade”, assinalando que, dada a incerteza das mudanças climáticas, acontecimentos futuros poderão ser catastróficos. Nesse caso, a perda esperada poderia ser infinita, sendo a economia tradicional incapaz de lidar com tal caso.
Nordhaus recusou esta visão. Calculando o custo social das emissões de Gases de Efeito Estufa, o seu modelo sugere que, se forem adotadas medidas para as emissões. tal como um preço médio de 40 dólares por tonelada, então “o impacto no bem-estar social é amplo, mas não catastrófico, com um declínio de cerca de 2% do bem-estar”, embora admita que possa haver um aumento da temperatura média em 3ºC, o que apavora os climatologistas. Ora, o seu cálculo se baseia na convicção de que os investimentos de hoje têm um grande efeito na solução dos problemas do futuro, pelo que bastaria um ligeiro esforço para compensar os custos das alterações climáticas.
A conta do futuro
Neste debate entre Nordhaus e Weitzman surge uma divergência que parece técnica: como se calcula o futuro, ou qual é a taxa de desconto que se deve usar? Essa taxa é um cálculo sobre quanto deve ser o investimento de hoje para evitar um Euro do custo da alteração climática num certo futuro. Se se usar uma medida de taxa elevada, é por se admitir que os investimentos atuais terão um efeito poderoso e que, assim, basta agora uma pequena correção. Se, pelo contrário, se considerar a incerteza ou se se presumir que será difícil compensar os efeitos da crise ambiental, deve-se usar uma taxa de desconto menor.
Imagine, por exemplo, que se antecipa que os prejuízos provocados por mudanças climáticas numa dada economia venham a ser de um bilhão de Euros em 2100. Usando o valor da taxa de desconto de 3%, o valor de referência que, na época, adotou a Administração Obama, seria necessário gastar hoje mais de 80 bilhões para evitar esse efeito em 2100. Se for de 7%, o valor escolhido por Trump, então bastaria usarmos vinte vezes menos. Nordhaus aproxima-se da posição de Trump e aqui está um exemplo de como alguns economistas justificam uma posição hostil ao esforço mundial para combater as mudanças climáticas. Mesmo aceitando que o aquecimento global tem um risco e um custo, se vai ser barato não temos de nos preocupar. Já chegamos ao ponto em que quase todos os negacionistas desistiram de combater a evidência, mas, como vê a imaginação justificativa não desarma mesmo quando reconhece que há um problema no Planeta Terra. Há, mas não pagamos, é o que nos dizem. Está tudo bem quando tudo arde, será barato.