Iniciativa inédita reúne rede de pesquisadores e aplica inovação tecnológica para desvendar os remanescentes da savana brasileira
Uma rede de pesquisadores do Cerrado alcançou um feito inédito ao criar o primeiro mapa que captura a diversidade da vegetação nativa e a quantidade de biomassa do segundo maior bioma do Brasil. O estudo publicado na revista Forest Ecology and Management calcula a existência de 5,6 bilhões de toneladas de biomassa na forma de vegetação nativa remanescente no Cerrado.
O trabalho apresenta um retrato fidedigno da heterogeneidade de biomassa lenhosa no Cerrado, isto é, a quantidade de matéria orgânica viva – como árvores e arbustos – acima do solo. Com tecnologia de aprendizado de máquina, imagens de satélite de alta resolução e trabalho de campo, o mapa revela que a biomassa de 2019 no Cerrado está quase que igualmente distribuída entre florestas (47%) e savanas (46%); os 7% restantes são campos.
Instituições de pesquisa e universidades nacionais e internacionais integraram a iniciativa, que analisou quase 2 mil parcelas de campo, como áreas de 20 x 50 m delimitadas pelos cientistas para medir o diâmetro da vegetação arbórea. Imagens de satélite de radar e ópticos de alta resolução (25 e 30 metros) foram utilizadas para selecionar as melhores amostras e treinar modelos tecnológicos de aprendizagem de máquina, que classificaram e validaram os dados coletados.
“Faltava um mapa específico e mais regionalizado dos estoques de carbono para o Cerrado com essa abordagem, com inovação e a tecnologia a nosso favor, junto com a rede de pesquisadores com dados de campo, conseguimos captar melhor a variabilidade do bioma”, diz a pesquisadora Julia Shimbo, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), uma das autoras do estudo. “A maior contribuição vai para o conhecimento sobre a vegetação do tipo savana, que é a mais heterogênea, predominante e mais ameaçada.”
O trabalho foca somente no que está acima do solo. Na vegetação savânica do Cerrado, estima-se que 70% do carbono está estocado no subsolo: raízes com até 15 metros de profundidade são características do bioma. “Quando olhamos para as características do Cerrado, os números que obtivemos mostram o tamanho do desafio de conservação à nossa frente”, diz Shimbo.
Atualmente, cerca de metade do Cerrado original continua de pé – quase 20% da vegetação nativa do Cerrado foi desmatada só nas últimas décadas, de acordo com a iniciativa MapBiomas. Ao mesmo tempo, somente 12% está em áreas protegidas.
“O estudo oferece uma importante contribuição para as políticas públicas de gestão do uso do solo e clima, ao ampliar o conhecimento sobre as variações de biomassa num bioma que está sofrendo tantas mudanças”, diz a professora da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante, também autora. “O esforço colaborativo e de síntese para entender ecossistemas e paisagens tão complexas, distribuídos em vasta extensão territorial, foi essencial para aproximarmos novas abordagens analíticas de mapeamento e de estudos de longo prazo consolidados por várias gerações de cientistas e instituições diferentes trabalhando no Cerrado.”
A rede de pesquisadores do Cerrado pretende agora avançar na estimativa da dinâmica dos estoques de carbono no bioma e no monitoramento das emissões por mudanças no uso da terra.