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SÃO FRANCISCO E AS TRÊS ALIANÇAS BÍBLICAS

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Arthur Soffiati |

Creio em Deus, mas pouco falo Dele por entender que se trata de um tema complexo. Deus está além da nossa compreensão. Qualquer palavra que pronunciarmos a Seu respeito está sempre aquém da sua inacessibilidade. Sofro por não conseguir ter certeza sobre a vida depois da morte. Da vida eterna. Da ressurreição dos corpos, da reencarnação, do fim definitivo de tudo. Até onde me é dado compreender, creio que os livros sagrados não são a palavra de Deus, mas as palavras dos humanos sobre Deus. E alegro-me com pessoas que creem, desde que não resvalem para o fanatismo. Está havendo um avanço fundamentalista no mundo. Particularmente no Brasil.

Na Bíblia, Deus firma três alianças com os humanos. A primeira delas, está logo no início do livro do Gênesis. “Deus disse: Façamos o homem pela nossa imagem segundo a nossa semelhança; e dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais em toda a terra e sobre os répteis que rastejam sobre a terra. Deus criou o homem pela sua imagem, pela imagem de Deus o criou; varão e mulher os criou. E Deus abençoou-os e disse-lhes: Frutificai, multiplicai-vos, enchei a terra e subjugai-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra.”

Esta passagem deveria ser contextualizada e ficar restrita a um tempo que deixou de existir com a economia de mercado. Mas ela foi retirada do contexto e usada para justificar a dominação econômica sobre a natureza, assim como sua destruição. Mas, depois que Adão e Eva cometeram o pecado original e foram expulsos do Paraíso, os rumos tomados pela humanidade desagradaram Deus. Ele se arrependeu de ter criado o mundo, de ter criado o ser humano como o único capaz de obedecer ou desobedecer Suas divinas proibições. Deus decidiu destruir o mundo, mas se arrependeu do seu arrependimento diante de Noé e sua família de justos. Então, determinou que Noé construísse uma arca e colocasse dentro dela um casal de cada animal, salvando também sua família de um dilúvio devastador que Ele mandaria para destruir a Terra. 

Ao final do dilúvio, Ele firmou uma nova aliança com a humanidade e a criação: Ele disse: “Nunca mais procederei a amaldiçoar o solo por causa do homem, porque o impulso do coração do homem é mau desde a sua juventude; e nunca mais tornarei a matar todo o ser vivo conforme acabo de fazer. Enquanto perdurarem os dias da Terra, não faltarão sementeira e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite.” Mas exige da humanidade um compromisso: “Somente não comereis carne com a sua alma e seu sangue. Em verdade, o vosso sangue com as vossas almas reclamarei da mão de todo o ser vivo; e da mão do homem, da mão do varão reclamarei a alma do homem, seu irmão.” Essa foi uma aliança entre Deus e toda a carne existente sobre a terra. Não mais Deus é uma ameaça a sua criação, mas o homem, também criado por Ela assumiu o comando na arte de destruir.

A terceira é a aliança celebrada por Jesus: “Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e o deu aos seus discípulos, dizendo: ‘Tomem e comam; isto é o meu corpo’. Em seguida tomou o cálice, deu graças e o ofereceu aos discípulos, dizendo: ‘Bebam dele todos vocês. Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos, para perdão de pecados.”

São Francisco de Assis pregando aos animais – Arte: Hans Stubenrauch

A primeira e a terceira alianças são muito favoráveis ao ser humano. Parece que elas são firmadas apenas entre Deus e as pessoas. Só o humano deve ser respeitado e protegido. Foi ela que prevaleceu. Durante os cultos de igrejas cristãs (talvez até mesmo entre muçulmanos, que aceitam a Bíblia), não raro essas duas alianças são invocadas, lidas, comentadas. Mas raramente noto a segunda aliança ser colocada como reflexão. 

As três alianças alcançaram dimensão política. A primeira serviu para justificar o domínio de outros povos e da natureza pela civilização ocidental, a partir do século XV. A terceira, de certa forma, ajudou o mundo cristão a entender que só o Cristianismo salva as almas e que o trabalho de substituir as demais crenças pela palavra  do Deus judeu-cristão-islâmico redimiria a humanidade. Daí a intolerância, a incapacidade de compreender e respeitar o diferente, traço que se acentua nos dias atuais entre pessoas de fé rasa. 

São Francisco de Assis ao ser levado para seu local de descanso final em Saint Marie des Anges Francois leon Benouville

São Francisco de Assis, considerado o santo que mais amou Deus e Jesus, está mais próximo da segunda Aliança, combinada com a terceira. São os termos da segunda aliança e o exemplo de São Francisco de Assis que ganharam forte dimensão política para todo o planeta atualmente, somando-se aos ensinamentos taoístas, budistas e jainistas. Mais que amar os pequeninos seres não-humanos, a vida de São Francisco inspira uma nova aliança que reúna a segunda e a terceira. Mas parece que o tempo das alianças passou. Edgar Morin, Michel Serres e Stephen Jay Gould realçaram a importância dessa nova aliança, mas eles são pensadores e não líderes religiosos.

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