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Salvaguardas socioambientais para projetos de carbono azul no Brasil, elaboradas com comunidades extrativistas de manguezais, será apresentada na COP30

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

O Brasil possui a segunda maior extensão de manguezais do planeta, atrás apenas da Indonésia. O cinturão contínuo de manguezal vai do Amapá até Santa Catarina. Apesar disso, o país ainda não avançou em projetos de carbono azul, que abordam o ciclo global capturado e armazenado por ecossistemas costeiros e marinhos. Esses ambientes representam o maior sumidouro natural de carbono do planeta, absorvendo cerca de 30% das emissões antropogênicas de CO2. No caso dos manguezais, o sequestro de carbono é até 4,3 vezes superior às florestas tropicais. No entanto, quando degradados, esses ecossistemas liberam grandes volumes de gases de efeito estufa, agravando o aquecimento global. A perda anual de ecossistemas ricos em carbono azul globalmente equivale a emissões de 206 milhões de carros a gasolina rodando por um ano.

Um quarto dos aproximadamente 1,4 milhão de hectares de manguezais brasileiros foram destruídos ou estão degradados e podem se beneficiar de projetos de carbono azul, contribuindo para que o Brasil cumpra seus Compromissos Nacionalmente Determinados (NDC) com o Acordo de Paris. “Os manguezais são indispensáveis no enfrentamento à crise climática. Incorporar o carbono azul às metas da NDC brasileira é reconhecer o papel que o oceano já desempenha na regulação do clima e garantir que as soluções de mitigação e adaptação também estejam na Amazônia Azul. O Brasil tem condições únicas para liderar essa agenda de forma inclusiva e repleta de inovação, valorizando a ciência, as soluções baseadas na natureza e as comunidades que há gerações protegem esses territórios”, diz Nátali Piccolo, Diretora de Conservação Marinha e Costeira da Conservação Internacional.

Manguezais, porém, são também a moradia de quase meio milhão de brasileiros. Eles vivem em comunidades que desenvolvem práticas extrativistas tradicionais, ligadas às suas culturas, e preservam conhecimentos ancestrais. São ativos imateriais que também precisam de proteção. Nesse contexto, a proposta de salvaguardas socioambientais surge como “espinha dorsal” para que a solução climática oferecida pelos projetos de Carbono Azul não reproduza injustiças históricas. As salvaguardas buscam assegurar que as decisões sejam tomadas “com” as comunidades e não “sobre” elas, por meio do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), conforme a Convenção 169 da OIT. Um documento inédito com essas salvaguardas será apresentado ao governo federal brasileiro e outros atores durante a COP30 (UNFCCC) em Belém, no Pará, como uma contribuição para assegurar que os projetos de restauração de áreas degradadas gerem benefícios climáticos, sociais e econômicos de forma justa.

As salvaguardas socioambientais para projetos de carbono azul preenchem um hiato. Embora o Brasil já tenha uma lei do carbono (Lei nº 15.042 de 11 de dezembro de 2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SBCE), o carbono azul não está claramente regulamentado pelo executivo, criando muitas lacunas de gestão. Elas foram construídas de forma coletiva e inclusiva, em um processo coordenado pela Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (CONFREM) em parceria com a Conservação Internacional (CI-Brasil) em parceria com a com apoio do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A metodologia incluiu encontros, diálogo com lideranças e culminou na Oficina Nacional de Salvaguardas para Projetos de Carbono Azul (12 a 14 de agosto de 2025), que reuniu 80 participantes de diferentes regiões costeiras e marinhas. Essa origem coletiva garante legitimidade social, adequação territorial e aderência às necessidades específicas de cada comunidade. 

“Defender nossos modos de vida é defender a vida em equilíbrio pleno com a natureza. A cultura, os saberes e fazeres tradicionais são indissociáveis do ambiente onde vivemos, aprendemos e ensinamos a viver do mangue e do mar sem destruí-los, pois eles são a fonte da vida no maretório/território. Mas tudo isso está em risco com as mudanças do clima. Não as causamos, mas elas já afetam a pesca, o sustento e o cotidiano nas nossas comunidades. Ampliar a resiliência das comunidades costeiras é também reconhecer a cultura do bem viver e fortalecer a capacidade de enfrentamento à crise climática. Somos parte da solução e queremos continuar cuidando do lugar onde nascemos e perpetuamos as diferentes manifestações da vida”, explica Carlos Alberto Pinto dos Santos, coordenador de Relações Institucionais da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM).

A proposta estabelece um conjunto mínimo de diretrizes aplicáveis a todo o ciclo dos projetos, da concepção à comercialização dos créditos. Em termos normativos, adota-se, de forma subsidiária, as salvaguardas de projetos florestais (como a Lei nº 15.042/2024 – SBCE e a Resolução CONAREDD+ nº 19/2025), somadas à experiência internacional do High-Quality Blue Carbon Principles and Guidance, desenvolvido em um esforço colaborativo entre a Salesforce, a Conservation International, a The Nature Conservancy, a Ocean Risk and Resilience Action Alliance (ORRAA), a Friends of Ocean Action/Ocean Action Agenda no Fórum Econômico Mundial e o Meridian Institute. Essa recomendação para uma base normativa e orientadora contribui com a segurança jurídica, coerência técnica e alinhamento com boas práticas já testadas em contextos análogos.

O documento, construído com a participação de 80 representantes de diferentes regiões costeiras e marinhas do Brasil, engloba um conjunto mínimo de diretrizes aplicáveis a todo o ciclo dos projetos no Brasil, desde a concepção até a comercialização dos créditos, e pretende que as salvaguardas tenham caráter vinculante e não sejam meras recomendações genéricas. As sete premissas que orientam o documento são: a centralidade das comunidades tradicionais, reconhecendo seu direito de autodeterminação e veto; a proteção integral dos territórios e maretórios; a governança comunitária autônoma, com transparência financeira e controle social; a repartição justa, equitativa e coletiva dos recursos, prevenindo assimetrias de poder; a integração entre ciência e conhecimentos tradicionais; a presença ativa e humanizada do poder público na fiscalização, sem substituir o protagonismo comunitário; a interpretação favorável à comunidade e o aprimoramento contínuo do documento.

A futura regulamentação federal dessas salvaguardas é vista como o passo necessário após o marco global do mercado de carbono na COP29 (UNFCCC) e a instituição do SBCE, oferecendo sustentabilidade e segurança jurídica, e garantindo que as comunidades tradicionais estejam no centro das decisões.

A apresentação na COP30, que reunirá diversos atores envolvidos com a questão climática, deve-se ao fato de que a implementação dessas salvaguardas é interinstitucional e escalonada e exige o envolvimento de diversos órgãos. O MMA, por exemplo, deverá liderar diretrizes nacionais, integrar as salvaguardas à legislação e ao SBCE, e criar uma instância nacional de governança. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), por sua vez, deverá realizar a fiscalização ambiental com abordagem humanizada, responsabilizando degradadores e apoiando tecnicamente as comunidades.  Ao ICMBio cabe reconhecer e valorizar o papel dos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) na conservação de Unidades de Conservação e ecossistemas marinhos. No caso do Ministério Público Federal (MPF), sua atribuição consiste na defesa dos direitos coletivos e no apoio à proteção de territórios tradicionais. O setor privado também precisa se envolver, comprometendo-se a respeitar o CLPI, celebrar contratos justos e transparentes e investir na autonomia comunitária. Já os agentes financiadores devem exigir conformidade com salvaguardas como critério de elegibilidade e priorizar a governança comunitária.

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