* Por Samyra Crespo
Prefeitura progressista.
Não é de ‘esquerda’ tipo raiz, embora lá seja prefeito Fabiano Horta, do PT e antes dele o foi o lendário ‘Quaquá’, também do PT.
O mandato de Fabiano vai até este ano e tudo indica que Quaquá voltará para mais um mandato.
Sob o ponto de vista da continuidade, é uma boa notícia, pois a descontinuidade nas políticas públicas tem sido uma das desgraças do país, quer consideremos as esferas municipal, estadual ou federal.
Politicamente, Maricá tem um perfil sociopolítico curioso: embora a cartilha das políticas públicas – bastante progressistas sejam petistas (e o ethos populista de esquerda) conversando com eleitores verificamos que as pessoas votam sem sofrimento no PT para prefeitura e em Bolsonaro para presidente…
Crescimento dos evangélicos? Fica a pergunta.
Em termos culturais a cidade é bem diversa: com a matriz católica estampada na igreja de seu centro histórico – Nossa Senhora do Amparo (inaugurada em 1802) – abriga um razoável número de unidades espiritualistas umbandistas e as oferendas aos orixás podem ser vistas nas dunas das praias e das reservas naturais.
Maricá tem um dos mais animados e tradicionais carnavais da região e até possui uma escola de samba bastante competitiva.
Então, essa mistura de um populismo progressista com um certo conservadorismo que se expressa num voto misto é um tanto surpreendente.
Nos parece um acerto – em termos de vocação – que um dos eixos de desenvolvimento da cidade seja justamente o fomento da ‘economia criativa ‘, com incentivos à profissionalização de jovens em moda, cinema e vídeo, habilidades digitais e um investimento grande na recuperação do patrimônio histórico. Cria uma nova elite intelectual e profissional que definirá futuramente os rumos da cidade.
Tive a oportunidade de visitar a casa-museu de Darcy Ribeiro, um belo projeto modernista revitalizado e musealizado pelo famoso Gringo Cardía. Um espetáculo: à beira mar, com instalações que não ficam nada a dever a nenhum centro cultural de país desenvolvido.
E não se trata de um pingo no oceano: há projetos semelhantes em curso como as casas que pertenceram às cantoras Maysa (musa da classe média bossa nova) e da Bete Carvalho (musa do samba carioca).
Em todo lado se vê sinais de revitalização das edificações históricas e da infra estrutura local.
A cidade é limpa, varridinha, mas não obtive dados consistentes sobre reciclagem. No quesito coleta segue o manual (by the book) das outras prefeituras: empresa privada e contratos milionários.
Cada projeto inovador dessa nova fase de desenvolvimento cria novos empregos, fixa a população jovem e incrementa a economia local. Nada mal.
A qualificação dos jovens é prioridade: todo jovem que sai do ensino médio recebe o ‘passaporte universidade’ e tem seus estudos garantidos.
Lá também existe, desde 2018, uma universidade de medicina, medicina veterinária e enfermagem.
Mas as grandes vitrines desta fase desenvolvimentista da cidade são o transporte gratuito para a população e a ‘moeda Mumbuca’, programa de redistribuição de renda que vem atraindo gestores municipais de todo o país, e que já ganhou vários prêmios.
O transporte, chamado de ‘vermelhinho’ é gratuito e circula dentro tanto dentro do perímetro do município como conecta os cidadãos de Maricá às cidades vizinhas.
O combustível ainda é tradicional – óleo diesel – e a frota é fretada (imagino o contrato milionário das empresas de ônibus). Mas com a Coppe (centro de excelência da UFRJ) estão desenvolvendo o que chamam de híbridos de ultima geração com base em hidrogênio.
A ver, em 5 anos?
A moeda ‘Mumbuca’ vai bem obrigada: todo morador cadastrado no programa recebe um cartão de débito que tem necessariamente de ser usado no comércio local. O resultado é uma economia solidária, circular que anima os empreendedores locais e contribui significativamente para a dinâmica dos pequenos negócios.
Meu objetivo não é fazer propaganda de todos os programas que vem obtendo bons resultados nem das promessas de futuro penduradas nos royalties. Portanto, não vou examinar detidamente cada programa, mas direi que Maricá tem um IDH que só fica atrás da capital e de Niterói, e que seus 197,277 mil habitantes (IBGE, 2020) têm razões para votar com otimismo nas eleições à frente.
Há contradições na matriz de desenvolvimento local publicamente apresentada pela Prefeitura? Sim.
Tem populismo e projetos megalomaníacos tipo o ‘piscinão’ marinho que o Quaquá divulga na sua campanha? Tem.
Tem perguntas que gostaríamos de fazer ao desejado futuro sustentável, de longo prazo da cidade? Tem.
Contudo, olhando para o ‘software’ (projetos vitrine) e o hardware (projetos estruturantes), vemos que Maricá não faz a ‘farra’ dos royalties com shows e fogos de artifício: tem um discurso inclusivo, progressista e parece poder cumprir as promessas que faz à população.
Quantas prefeituras beneficiadas pelos royalties do petróleo e gás podem apresentar rumos semelhantes?
Amanhã, no terceiro e último texto que aprecia Maricá, faremos as considerações finais sobre a agenda de desenvolvimento da cidade e as motivações do eleitor para apostar na dupla petista Fabiano-Quaquá.
* Samyra Crespo é ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro