Roberto Rafael Dias da Silva || Professor da Escola de Humanidades da Unisinos
Como dialogar com a geração que chega à universidade com a pegada da garota sueca? Ética do compartilhamento, novas formas para decidir e crítica radical são ótimas pistas — mas não bastam. Convite à nossa reinvenção, como educadores.
Já faz algumas semanas que me sinto interpelado a escrever sobre a educação no Século 21 e seus variados desafios. Reconheço que se trata de uma questão controversa e, mais que isso, com intensa presença de futurólogos de variados matizes. Via de regra, aqueles que assumem esta tarefa apostam em modelos educacionais ancorados em variados recursos tecnológicos, em arranjos metodológicos centrados na atividade dos estudantes ou mesmo em formas escolares com design e arquitetura inovadores. Tais preocupações merecem uma reflexão consistente, não resta dúvida; entretanto, neste texto escolho tomar como foco de minha abordagem outra dimensão, mais próxima ao perfil formativo que tem ingressado em nossas escolas, por meio da chegada de uma geração de meninas e meninos empoderados que povoam nossas instituições com uma nova agenda de preocupações. Como podemos educar a geração de estudantes em que Greta Thunberg foi o exemplar mais representativo do ano de 2019? Quais conhecimentos e experiências formativas precisamos priorizar? Que demandas éticas, políticas e pedagógicas precisam ser reconhecidas pelas escolas neste início de Século?
Como é de nosso conhecimento, Greta é uma ativista ambiental sueca de apenas 16 anos de idade. No início do mês de Dezembro foi eleita a “pessoa do ano” pela revista “Time”. Nas últimas semanas foi inserida na lista das dez personalidades mais relevantes para a ciência pela reconhecida revista britânica “Nature”. Sua ação política, de caráter global, alertava para as questões climáticas e, seus recursos argumentativos – especialmente quando se dirige aos líderes globais – são bastante enfáticos. Cabe lembrar seu posicionamento na Cúpula do Clima na ONU: “Estamos no início de uma extinção em massa e tudo que vocês falam gira em torno de dinheiro e um conto de fadas de crescimento eterno. Como ousam?”. Paradoxalmente, seus posicionamentos públicos recebem também inúmeras críticas: que age impulsivamente, que é instrumentalizada por determinadas organizações, que não consegue negociar seus posicionamentos, dentre outras. Algumas críticas, importante frisar, ultrapassam os limites da cordialidade, chegando ao nível da ameaça, como foi visto em várias partes do mundo (incluindo o Brasil).
Todavia, meu compromisso neste texto não se encontra em examinar a Greta e suas pautas ambientais. Inquieto-me com um conjunto de adolescentes e jovens – em nossas escolas e universidades, públicas e privadas – que chegam até nossas instituições com visões de mundo bastante específicas. Economia baseada no decrescimento sustentável. Culturas colaborativas e ética do compartilhamento. Combate às formas variadas de discriminação. Intensificação do feminismo e de suas novas pautas. Pensamento computacional e criativas formas de aprendizagem. Diferenciadas literaturas e expressividades corporais. Ou ainda: novos modelos de negociação e de tomadas de decisão na relação com os adultos e as instituições. Esta lista é bastante singela e revela muito superficialmente um conjunto de discussões que atravessam os agrupamentos juvenis de nosso tempo.
Aqui chego no ponto principal que perpassa e institui minha discussão proposta para este texto: quais saberes são importantes para a educação contemporânea? Arrisco três possibilidades pedagógicas, derivadas de minhas experiências e pesquisas com adolescentes e jovens em nosso país, quais sejam: 1) Aceitar que a ética do compartilhamento é uma nova tendência na difusão, apreciação e construção de conhecimentos na escola; porém, ainda necessitamos auxiliá-los na criação de critérios que validem e melhor selecionem as informações e suas formas de tratamento analítico. 2) Apostar em outras formas de tomada de decisão e em uma nova trama de demandas políticas, que muitas vezes podem contrariar setores conservadores. Assembleias públicas, tuitadas, vaquinhas virtuais, fóruns virtuais de discussão e influenciadores digitais variados são ferramentas potentes para ler o nosso tempo. O desafio, enquanto professores e escolas, seria colocar em permanente discussão as questões da qualidade e da equidade na escola dos adolescentes – lembrando-os que a democracia (os direitos e as liberdades individuais) sempre é desejável, seja como valor, seja como procedimento. 3) Nunca esquecer que as escolas e as universidades são espaços destinados ao exercício do pensamento, ou seja, por meio de novos saberes e experiências precisamos mobilizar a crítica radical e colocar todas as pautas sob tensão permanente, inclusive as nossas. Escolas e universidades têm suas tradições; porém, apostar em uma cultura do compartilhamento, em outros modos de decisão política e em uma revitalização do pensamento enquanto vetor na formação humana podem nos trazer pistas para a educação contemporânea. Que as ousadias de Greta Thunberg sejam bem-vindas à escola do Século 21!