Rita Silva e Bruno Toledo || Jornalistas
Um grupo de renomados cientistas de todo o mundo especializados em criosfera divulgou um novo estudo que parte do Relatório Especial do IPCC sobre Oceanos e Criosfera para analisar os riscos de longo prazo da perda de cobertura de gelo e neve no Planeta decorrente da elevação da temperatura média da Terra. Os cientistas reforçam a importância de se manter o aquecimento abaixo de 1,5°C por conta dos riscos que uma elevação acima disso poderá causar nas regiões de criosfera global. À medida que a temperatura se eleva, os riscos de longo prazo e os impactos crescem juntos. Eles pedem também mais ação efetiva dos governos para evitar uma situação de perda de neve e gelo irreversível, fato que poderia causar problemas em diversas partes do mundo, especialmente nas regiões que dependem das geleiras e glaciares para sua segurança hídrica.
À medida que as negociações climáticas de Madri entraram em seu estágio final, o grupo de cientistas solicitou aos países presentes na COP-25 que mantenham o aquecimento abaixo de 1,5°C por causa da perigosa resposta física das regiões da “criosfera” – neve e gelo – mesmo a 2°C. Os riscos e impactos a longo prazo crescem ainda mais a temperaturas mais altas, afirmam os cientistas, chamando o nível de 1,5°C de “barreira de proteção externa” para o Planeta por causa dessa ameaça crescente da criosfera, em todos os lugares, desde os Polos às altas regiões montanhosas dos trópicos.
O apelo por ações mais agressivas foi apoiado pelo lançamento do “Relatório Criosfera 1,5”, que integra os resultados dos Relatórios Especiais do IPCC, o primeiro, o famoso 1,5° (2018), e o segundo, “Oceano e Criosfera” (2019), com novas e importantes pesquisas que descrevem um futuro com o desaparecimento do gelo em todo o mundo a longo prazo. Com 2°C, o mundo ficará quase sem geleiras, tanto no Himalaia, como nos Andes e nos Polos. Com a perda de neve, o suprimento de água ficará prejudicado agravando os plantios e colheitas.
Com autoria e revisão de mais de 40 pesquisadores do IPCC e de outros cientistas especialistas em criosfera, o Relatório insta os governos a limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C em relação ao período pré-industrial, por uma questão de física simples: o “ponto de fusão da água”.
Entre suas mensagens mais importantes, há um aumento previsto das emissões de carbono do permafrost devido a eventos de “degelo abrupto”, que precisarão ser tratados como “países de permafrost” adicional para medir quanta emissão os seres humanos podem produzir; e também projetar declínios, que serão muito maiores no gelo marinho do Ártico. Por sua vez, isso acelerará não apenas o degelo do permafrost, mas também o derretimento da camada de gelo da Groenlândia, elevando o nível do mar globalmente. O Relatório também destaca o registro do passado da Terra em termos de aumento do nível do mar, se as temperaturas permanecerem acima de 1,5°C por muito tempo.
Com 2°C ou mais, existe um risco muito maior a longo prazo de um aumento maciço e irreversível do nível do mar (SLR) numa escala de 12 a 20 metros. O Relatório também destaca o estresse combinado por acidificação exercido sobre a pesca no oceano polar, que ocorre mais rapidamente em águas polares frias do que em qualquer outro lugar, com sinais de danos a conchas já observados em águas polares mais corrosivas.
Gustaf Hugelius, do Bolin Center da Universidade de Estocolmo, um dos principais autores do Relatório, comentou: “Mais emissões de permafrost causada pelo degelo abrupto – quando colinas inteiras se erodem ou formam lagos, expondo quantidades muito maiores de permafrost a temperaturas mais quentes – ocorrerão liberando gases como metano, que alimenta o aquecimento mais intensamente no curto prazo”.
Julienne Stroeve, especialista em gelo marinho e autora colaboradora do Relatório de Criosfera do IPCC, bem como do novo Relatório, atualmente está a caminho da expedição ao Polo Norte no Polarstern, um quebra-gelos alemão de pesquisa do Instituto Alfred Wegener de Pesquisa Polar e Marinha. Ela observou o gelo muito fino que estavam encontrando apesar da noite polar, e advertiu: “Modelos globais, especialmente do passado, subestimam a perda real de gelo marinho observada desde ao redor de 1990; mas, estudos mais recentes usando modelos regionais, juntamente com observações, acompanham o gelo do mar atual muito melhor e preveem condições sem gelo a cada verão em 2°C”.
Martin Sommerkorn coordenou o capítulo “Polar” do “Special Report on the Ocean and Cryosphere in a Changing Climate” (SROCC) e nas negociações climáticas, em Madri, disse: “O nível de ambição de limitar as emissões que vemos atualmente não é de forma alguma proporcional à ameaça”, destacando especialmente o Relatório “Gap de Produção”, divulgado no início deste mês (Dezembro) pelo Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, junto com o Climate Analytics, o PNUMA e outras instituições, mostra que a produção planejada de combustível fóssil até 2030 é 120% maior do que manteria o Planeta a 1,5°C. “As regiões polares já estão perdendo gelo e mais perdas têm consequências globais graves e de longo prazo”.
Joeri Rogelj, do Imperial College London, coordenador do capítulo “Vias de Mitigação” do SR1.5 e autor principal também do próximo Relatório de Avaliação do IPCC (AR6), enfatizou que 1,5°C permanece ao alcance, mesmo que por pouco. “O Relatório de 1,5° mostra que essa meta de temperatura é física, tecnológica e até economicamente viável e vantajosa”, afirmou. “Mas sem uma vontade política que resulte em reduções de emissões hoje, estaremos superando o 1,5°C muito em breve”.
O Relatório Cryosphere1.5° não apenas combina as descobertas sobre neve e gelo dos dois relatórios do IPCC, mas também inclui novas pesquisas realizadas desde então, porque a ciência da criosfera está se movendo incrivelmente rápido. No entanto, essa informação não será refletida pelo IPCC até seu próximo Relatório de Avaliação a ser completado em 2021, bem depois que os países estabelecerem seus novos NDCs no decorrer do próximo ano, na COP-26, em Glasgow.
Pam Pearson, Diretora da Iniciativa Internacional para o Clima da Criosfera, que coordenou o Relatório, disse: “Há uma grande necessidade, neste estágio final das conversações de Madri sobre o clima e à medida que os países voltam para casa, é importante que os tomadores de decisão estejam cientes do nível de risco que estamos enfrentando; se esperarmos será tarde demais para impedir ou pelo menos retardar essa dinâmica da criosfera. Todos nós precisamos tratar 1,5°C como o verdadeiro limite”.