Hara Flaeschen || Jornalista da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Desde o primeiro dia de 2019 já foram liberados 290 agrotóxicos no Brasil. O Ministério da Saúde registrou 4.003 casos de intoxicação aguda por agrotóxicos em 2017 – quase 11 por dia – e 148 mortes. De 2015 a 2017, foram confirmados 1.141 casos de intoxicação crônica. Entretanto, especialistas da saúde reconhecem que os dados são subnotificados, uma vez que 32% dos municípios considerados prioritários não apresentaram casos de intoxicação por pesticidas entre 2007 e 2015. A Organização Mundial da Saúde estima que, para cada caso notificado de intoxicação aguda por agrotóxicos, outros 50 não foram registrados.
Professora na Faculdade de Medicina na Universidade Federal de Cariri, no Ceará, e pesquisadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), Ada Cristina Pontes Aguiar considera que os profissionais da saúde geralmente não estão preparados para fazer um histórico clínico ocupacional dos pacientes. “Se avaliarmos as doenças crônicas, esse problema é ainda maior. Não perguntam qual é o emprego, a que riscos o paciente está exposto. Sem diagnóstico não há notificação e não se torna um problema de saúde pública”, observa.
Agricultores e moradores de comunidades rurais são os principais impactados pela intoxicação, “mas no Brasil não podemos dizer que algum grupo está isento”, afirma Aguiar. “Mesmo nos grandes centros urbanos, os consumidores também são afetados ao ingerirem água, frutas, verduras e até mesmo produtos industrializados.”
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da ANVISA, monitora a presença de 232 tipos de pesticidas em 25 alimentos. Conforme o último relatório, das 12 mil amostras analisadas de 2013 a 2015, aproximadamente 20% continham resíduos que excederam os níveis permitidos por Lei ou apresentavam agrotóxicos não autorizados para a cultura em que foi identificado. O programa, contudo, não analisa resíduos de glifosato e 2,4-D, os agrotóxicos mais utilizados no país, porque demandam métodos de análises diferentes.
Aguiar explica que os sintomas da contaminação aguda surgem de 24 a 72 horas após a exposição à substância: diarreia, febre, mal-estar, vômito, dores na cabeça e abdómen. A intoxicação crônica, por sua vez, é fruto da exposição a doses baixas por um longo período de tempo e também é influenciada por questões genéticas, familiares, alimentares ou predisposições individuais e coletivas. “Depois de 5 a 20 anos, o paciente pode apresentar problemas neurológicos, câncer, doenças no fígado, desregulações endócrinas, malformações congênitas, puberdade precoce. Inclusive, estudos têm mostrado relações dos agrotóxicos com Parkinson, Alzheimer e síndrome metabólica.”
De Julho de 2017 a Abril de 2018, o Human Rights Watch (HRW) documentou os impactos da deriva de agrotóxicos em 7 comunidades e escolas rurais, quilombolas, indígenas no Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Bahia, Minas Gerais e Paraná. “Em todos os lugares, o impacto era o mesmo: intoxicação aguda de uma forma recorrente após a dispersão dos agrotóxicos”, diz Maria Laura Canineu, diretora do escritório do Brasil do HRW. “Documentamos crianças, adolescentes, estudantes, professores, pessoas do campo que realmente sofrem todo dia. Às vezes, várias pessoas da mesma comunidade são internadas. Mas o que impera nessas comunidades é o medo de denunciar, primeiro porque muitas vezes elas dependem do negócio”.
Enquanto os pesquisadores visitavam uma comunidade rural, ocorria uma dispersão aérea de pesticidas a menos de 500 metros de distância – o limite permitido por Lei. Moradores também relataram e mostraram vídeos de dispersão sobre suas casas. “Existe uma objeção à presença dessas pessoas e a dispersão de agrotóxicos serve, muitas vezes, como forma de intimidação”, observa Canineu. “O que buscamos com o relatório é expor essa situação e a responsabilidade do Estado de fiscalizar e proteger essas pessoas.”