Por: Benigna Soares (Visit Amazônia/Abrajet Pará)
“Nunca mais um Brasil sem nós, nunca mais um Pará sem nós, nunca mais Altamira sem nós”. Com esta afirmação Juma Xipaya enfatizou a importância do I Festival de Cultura e Jogos Tradicionais Indígenas do Xingu, realizado de 17 a 20 deste mês no município de Altamira, no sudoeste do Pará. Juma, que já ocupou o cargo de secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, nasceu em 1991 na aldeia Tukamã, comunidade Xipaya à beira do Rio Iriri, a cerca de 400 quilômetros de Altamira. Esta semana, pela primeira vez, teve a oportunidade de ver muitos de seus parentes reunidos em uma grande celebração, como protagonistas das narrativas sobre sua própria história.
Juma hoje é uma liderança indígena, mas tinha apenas 14 anos quando, há 20 anos, seu povo foi coadjuvante em uma primeira tentativa de tornar os jogos indígenas uma referência para o esporte, a cultura e o turismo no Xingu, projeção que não se concretizou. Mas, desta vez, o evento, que reuniu 900 indígenas de 14 etnias da região, foi assistido por cerca de 52 mil pessoas e além de incentivar o resgate, a preservação e promoção de práticas esportivas ancestrais, também foi um cenário ideal para que o Brasil faça uma releitura sobre o passado, o presente e o futuro desses povos, que durante cinco dias tiveram a oportunidade de expressar sua cultura e suas habilidades esportivas e artísticas, sua capacidade de, a partir da bioeconomia do artesanato, gerar renda e abrir trilhas no coração da floresta amazônica para o etnoturismo, segmento que permite aos viajantes conhecerem de perto a vida, os costumes e a cultura de um determinado povo.

Luiz Xipaya, coordenador Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de Altamira, que esteve à frente da programação e foi jurado de modalidades esportivas, já travou muitas guerras pelos direitos de seu povo e também reconhece a iniciativa da Prefeitura como “um evento importante para o fortalecimento cultural dos povos indígenas e para o ajuntamento de parentes, já que os povos unidos mostram muita força, o que é muito bom para Altamira”, disse Luiz, ao explicar que “os povos indígenas receberam esse convite e vieram prestigiar e trazer a cultura para Altamira e hoje o mundo inteiro está conhecendo a cultura desses povos, que foi bem aceita e criou a expectativa de que pode ter um próximo evento“, celebrou o representante da Funai.
Além do imaginário, a realização de um sonho
A idealizadora do I Festival de Cultura e Jogos Tradicionais Indígenas do Xingu é a estudante de arquitetura e primeira dama de Altamira, Paola Abucater. Trata-se de uma mulher empoderada, com ideias à frente de seu tempo, que apesar da pele muito branca, olhos bem claros, é uma “índia citadina” de coração, nascida em Altamira, com origens ancestrais que podem ser dos primeiros habitantes Xipaya, Kuruaya, Juruna, Arara, Kayapó ou outra etnia predominante no Xingu, conforme relatou com base em ensinamentos da avó que era indígena, mas não lembra qual a origem parental.
”Minha avó contava muitas histórias sobre nossos ancestrais indígenas e sempre tive o sonho de reunir todos em uma celebração como esta”, relata Paola, que demonstra capacidade de entender a importância do evento que desde a infância quis realizar e que, a partir do próximo ano, deve ganhar a denominação de Jogos Olímpicos Mundiais do Xingu, com participação de povos do Tocantins, Mato Grosso, Acre e outros estados amazônicos que já manifestaram interesse.
“Foi grandioso, foi digno, foi histórico. E que fique marcado: a cultura indígena não é passado, é presente e terá sempre futuro. Em nossa região, a chama acesa da Orla do Cais é mais do que uma simbologia, representa o compromisso de manter viva essa valorização todos os dias porque o Xingu é grande e Altamira reconhece”, afirmou Paola.

Etnoturismo chega ao Xingu
Vivências em territórios indígenas são experiências já realizadas mundialmente e o etnoturismo deve movimentar cerca de US$ 67 bilhões até 2034, graças ao crescente interesse por experiências autênticas e sustentáveis que conectam viajantes às tradições de povos originários, segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC). De olho nesse segmento, o Ministério do Turismo vem colocando em prática programas, projetos e ações que tratam a etnicidade como um produto turístico, a exemplo da assinatura, no último dia 17, em Altamira, do termo de adesão ao “Projeto Brasil – Turismo Responsável. O documento foi assinado pelo ministro do Turismo, Celso Sabino, ao lado do cacique Kwai Assurini, da Aldeia Ita’aka (Terra Indígena Koatinemo), que está pronto para receber visitantes em suas terras.
“O etnoturismo é uma das nossas prioridades porque valoriza as culturas tradicionais, gera renda de forma sustentável e coloca a Amazônia no centro das atenções mundiais. É uma honra assinar esse compromisso com lideranças indígenas da Transamazônica”, declarou o ministro Celso Sabino, que, em agenda paralela aos Jogos Indígenas do Xingu, anunciou investimentos do Ministério do Turismo em quatro municípios da região: Medicilândia, que recebeu R$ 590 mil para a realização do XIII Cacaufest e do IV Festival do Chocolate e R$ 3 milhões a serem investidos na recuperação da pavimentação asfáltica e instalação de sinalização turística; Rurópolis, que contará com R$ 1,8 milhão para a revitalização do Bosque Municipal Presidente Médici e Uruará, que receberá R$ 2 milhões para obras de pavimentação no acesso à Praça do Cacau.

Sustentabilidade e Turismo
A Organização das Nações Unidas (ONU) define sustentabilidade a partir de três dimensões principais: a econômica, ao promover crescimento econômico de forma justa e equitativa; dimensão social, com fomento de inclusão social, a igualdade e o bem-estar de todas as pessoas e a dimensão ambiental, mediante a proteção do meio ambiente e os recursos naturais para garantir um planeta saudável e habitável para as futuras gerações.
Nesse contexto, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU são referência importante para alcançar a sustentabilidade global, abordando temas como erradicação da pobreza, educação de qualidade, energia limpa, cidades sustentáveis, entre outros. E, Altamira, que hoje abriga a Usina Hidrelétrica Belo Monte, maior hidrelétrica 100% brasileira, ao idealizar e sediar o Festival de Cultura e Jogos Indígenas do Xingu, deu alguns passos em busca do cumprimento desses objetivos, ao referenciar o passado, refletir sobre o presente e projetar o futuro dos povos indígenas do Xingu, já inseridos em uma indústria do turismo que tem na vitrine chocolate produzido com cacau colhido em aldeias indígenas, chef´s de gastronomia premiados internacionalmente pela delicadeza de suas obras, festivais de música, de chocolate prestigiados mundialmente, uma artesanato cuja marca é a originalidade, a sustentabilidade e a criatividade dos próprios povos originários.
É o que defende também o prefeito de Altamira, Loredan Mello, que recebeu para prestigiar a programação o governador do Pará, Helder Barbalho, os ministros do turismo, Celso Sabino e das Cidades, Helder Filho, entre outras autoridades. Loredan fez uma reflexão sobre a participação dos representantes indígenas não só no esporte, mas também no folclore local e assegurou que esse evento marca um novo momento para o município, que contou com 19 expositores na Feira de Artesanato e 22 empreendimentos na Praça de Alimentação, além de saldo de 5,2 milhões injetados na economia de Altamira por conta da programação.
“Altamira tem a força, a raiz, a cultura dos povos originários, dos povos ribeirinhos. Nós temos muito mais a oferecer para o Brasil e para o mundo do que muitos municípios por aí. Nós temos originalmente aqui a cultura verdadeiramente de um povo que construiu a história no Xingu”, disse Loredan, ao lembrar que o turismo de Altamira gera emprego e renda e que o festival impactou os comerciantes locais, como também concorda Meire Rodrigues, presidente do Coletivo e da Cooperativa de Mulheres Artesãs “Filhas do Xingu”, que teve um espaço especial na Feira do Artesanato com outros artesãos, coletivos culturais, produtores familiares e microempreendedores, com peças e produtos que expressam a identidade e tradição, os saberes e sabores da cultura xinguana.
Ela conta que 113 mulheres integram o coletivo e a cooperativa, atuando em quatro municípios: Vitória do Xingu, Porto de Moz, Anapu e Altamira e o evento representou sustentabilidade e resgate da cultura de mulheres extrativistas, quilombolas, indígenas ou da sociedade em geral. “Este evento foi feito para nós, artesãos, indígenas, quilombolas, indígenas, onde a gente é reconhecido”, garante a artesã.
A vitória do povo Juruna
As competições dos Jogos Indígenas do Xingu foram nas modalidades natação, canoagem, corrida de bastão, futebol, arremesso de lança, arco e flecha, corrida de 100 metros e cabo de força.
O festival contou com a presença de representantes das seguintes etnias: Arara (TI Arara Volta Grande do Xingu), Arara (TI Arara), Arara (TI Cachoeira Seca), Xipaya (TI Xipaya), Kuruaya (TI Kuruaya), Asurini (TI Koatinemo), Xikrin (TI Trincheira Bacajá), Kayapo (TI Kararaô), Parakaña (Apyterewa), Araweté (TI Araweté), Juruna (TI Paquiçamba), Gavião de Kyikatejê (TI Mãe Maria), Krimei Xikrin (TI Xikrin do Rio Caeté) e Kayapo Menbengôkre (TI Kayapo).
Na classificação geral foram vencedores, em primeiro lugar o povo Juruna, com 75 pontos somados nas provas da corrida de bastão (masculina e feminina), corrida de 100 metros (masculina), canoagem (masculina), cabo de força (masculino) e natação (masculina) e arco e flecha (feminino). Em segundo lugar ficou o povo Krimei Xikrin, com 51 pontos e o Asurini, com 45 pontos.

OS POVOS INDÍGENAS DO XINGU
A área etnográfica “Médio Xingu”, no Estado do Pará, é formada por povos indígenas pertencentes a três troncos linguísticos distintos: Tupi (povos Assuriní do Xingu, Araweté, Parakanã, Juruna, Xipaya e Kuruaya), Macro-Jê (povos Xikrin e Kararaô) e Karib (povo Arara). Artesanato, danças, gastronomia, instintos de autopreservação e proteção da natureza, são algumas das características mais marcantes desses povos, que hoje vivem parte em Terras Indígenas, parte na cidade de Altamira, alguns no “beiradão” dos rios Xingu e Iriri e outros em isolamento voluntário na região do interflúvio Xingu-Bacajá e na Terra do Meio. O vale do rio Xingu constitui o limite norte de um imenso corredor de áreas protegidas de aproximadamente 26 milhões de hectares, formado, além do bloco de TIs do médio Xingu, pelo mosaico de Unidades de Conservação da Terra do Meio, pelo bloco de TIs Kayapó no sul do Pará e pelo Parque Indígena do Xingu, situado no norte de Mato Grosso.
Conhecê-los é compreender a importância histórica dos povos indígenas para o mundo e essa foi a contribuição do I Festival de Cultura e Jogos Indígenas do Xingu, que contou com a participação de artistas renomados como Liah Soares, Sam Bruno, Aya da Amazônia, Grah Podanosk, DJ Bonfim, Joelma Kláudia e DJ Bob, que fizeram shows de encerramento em cada noite.
O Festival de Cultura e Jogos Indígenas do Xingu foi concebido e realizado pela Prefeitura de Altamira, e viabilizado através da Lei Semear, da Fundação Cultural do Estado do Pará, com patrocínio da Equatorial Energia, Belo Sun Mineração, Caixa e apoio do Distrito Sanitário Especial Indígena de Altamira (Dsei) e da Funai.

Agradecimento: A cobertura jornalística do evento foi realizada durante press trip da Abrajet Pará, pela jornalista Benigna Soares, editora do site Visit Amazônia, associado do portal Rede Pará e teve patrocínio da Norte Energia, concessionaria da Usina Hidrelétrica Belo Monte, com apoio da Prefeitura de Altamira, Real Seguro de Viagens e Associação Comercial de Altamira – ACIAPA.