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Oceano em Transformação

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)
Compromissos, Conhecimento e Comunicação na UNOC3

Por Elisa Homem de Mello, de Nice (França)

Sob o calor da Riviera Francesa, a terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3) contou com vários eventos paralelos (side events) por toda a Vila de Nice. O Centro Universitário do Mediterrâneo (CUM) – Campus Promenade des Anglais, recebeu um destes eventos e tornou-se palco de um ponto de convergência para líderes políticos, cientistas, jovens e representantes da sociedade civil engajados no futuro do Oceano. Com o lema “Ambição, Ação, Impacto e Caminho a Seguir”, o evento deixou claro que a segunda metade da Década da Ciência Oceânica exige mais do que promessas: requer decisões estratégicas, comunicação eficaz e inclusão real.

O prefeito de Nice, ​​Christian Estrosi, deu as boas-vindas aos participantes, destacando o papel da cidade como anfitriã e sua relação histórica com o mar. Em seguida, Vider Helseng, secretário executivo da Década do Oceano, enfatizou a urgência de avançar: “Temos uma decisão a tomar”. Para ele, a transformação que buscamos depende de preencher lacunas de dados, melhorar a ciência e a tecnologia e reformular a linguagem com que comunicamos os desafios oceânicos. Helseng foi direto ao apontar o declínio na conservação do Oceano e o risco de colapso dos sistemas marinhos, caso os diversos setores não compartilhem dados de forma mais integrada. A participação ativa das comunidades originárias e a construção de parcerias sólidas também foram indicadas como prioridades.

Representando o Quênia, Hassan Ali Joho, do setor de Economia Azul e Assuntos Marítimos, ressaltou que o Oceano é o “coração do planeta”, provedor de alimentos e regulador climático. Ele destacou os avanços do país na legislação contra plásticos e o compromisso com o ODS 14 – Vida Marinha. Ainda assim, sua fala careceu de exemplos concretos, evidenciando o abismo entre ambição e implementação.

Já Mitsuyuki Unnoi, da The Nippon Foundation, trouxe o olhar japonês sobre o Oceano como um mundo ainda a ser descoberto. Reforçou a importância de investir em pesquisa oceânica, com programas endossados como parte da Década. O papel do Japão também foi lembrado por Hiroaki Saito, da Univeridade de Tóquio, ao anunciar apoio às ilhas do Pacífico em sua resiliência climática por meio da ciência oceânica e do banimento de nanoplásticos.

A cientista colombiana Vanessa Uepes, do INVEMAR, e o jovem tanzaniano Shamin Was Nyanda representaram vozes potentes do Sul Global. Shamin trouxe à tona a necessidade de levar a ciência às pessoas — e não o contrário, desafiando estruturas que concentram poder e financiamento. Apelou por mais visibilidade aos jovens cientistas e por uma imprensa atuante na inclusão. “A ciência não é lado, nem opinião. É concreta.”

Katy Soapi, da Comunidade do Pacífico, lembrou que 89% dos territórios da região são banhados pelo Oceano, o que torna seus países especialmente vulneráveis. Sem comitês nacionais da Década (NDCs) em muitos deles, a organização tem atuado como plataforma regional, promovendo capacitação entre jovens profissionais para ampliar a implementação científica.

A participação brasileira também teve destaque. Andrea Latgé, do MCTI, lembrou que o Brasil foi o primeiro a informar oficialmente um currículo azul nas escolas, graças a ações interministeriais. Ela reforçou a centralidade do oceano na educação e propôs, com entusiasmo, uma mesa dedicada à Comunicação e Oceano na próxima UNOC. “O oceano é para todos”, afirmou, destacando também a necessidade de diálogo com as indústrias fósseis para integrar a economia azul à realidade do país.

As vozes da ciência reforçaram a importância de alinhar conhecimento e políticas. Jean-Pierre Gattuso, do CNRS/Sorbonne, criticou o descompasso entre as recomendações científicas e os compromissos políticos firmados na Declaração de Nice. “É mais fácil confiar em compromissos voluntários do que no processo atual de negociação”, lamentou. Já François Ballet, da ONU (DOALOS), e Jasdeep Randhawa, do UNFCCC, reiteraram a urgência de financiamento contínuo e previsível, especialmente para países em desenvolvimento.

No encerramento do painel, as mensagens finais foram breves, mas reveladoras: “Que tudo flua” (Gattuso), “Continuar” (Ballet), “Keep promoting development” (Uepes) e “Support the Decade and finance us” (Randhawa).

Entre os compromissos anunciados durante a conferência, quatro se destacaram:

  1. Campanha “Navigate with Care” (IFAN), que promove práticas seguras de navegação e alerta para os impactos em recifes e espécies marinhas — uma proposta baseada em legado e responsabilidade compartilhada;
  2. Apoio às pequenas ilhas do Pacífico na gestão costeira climática, liderado pela Universidade de Tóquio;
  3. Valorização do conhecimento tradicional na gestão de recifes em áreas protegidas na Austrália e no Pacífico (Great Barrier Reef Foundation);
  4. Iniciativa OCEAN@, convocando a academia e a sociedade para co-desenhar soluções baseadas em biodiversidade e bem-estar humano, com apoio da ANR (França) e da Fapesp.

Em meio à complexidade dos debates, a UNOC3 reafirmou uma convicção: sem ciência acessível, sem juventude empoderada e sem novas linguagens de engajamento, a Década do Oceano corre o risco de ser apenas uma boa intenção. Mas há caminhos, há vozes — e há coragem sendo convocada em todos os cantos do planeta azul.

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