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Manguezais no mundo, no Brasil, no Estado do Rio de Janeiro

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* Por Arthur Soffiati

O que é mangue

As plantas de mangue são vasculares completas, isto é, têm raízes, caule, folhas, flores e sementes. Elas adaptaram-se a áreas costeiras salobras, como estuários (manguezais ribeirinhos), lagoas que mantêm ligação permanente ou periódica com o mar (manguezais de bacia) e praias com baixa salinidade e calmas (manguezais de franja). Para viver num ambiente alagável e alagável, assim como com salinidade elevada, essas plantas desenvolveram mecanismos de adaptação, como raízes que vem do fundo do substrato para respirar(pneumatóforos), células que absorvem oxigênio e se fecham quando a maré sobe (lenticelas) e ramificações do caule que sustentam a planta (rizóforos). Suas sementes (propágulos) desprendem-se da árvore-mãe e podem navegar por bastante tempo até aportarem em local apropriado para germinação. Os manguezais tornaram-se ambientes ricos em alimentos para animais de água salgada e doce. Muitas espécies passam a primeira fase da vida neles. Daí serem berçários excelentes. Além do mais, protegem a costa de ressacas e temporais de ventos. 

Para lidarem com o excesso de sal, as plantas exclusivas do mangue barram a entrada de sal no seu organismo, promovem a diluição dele em seu corpo ou expelem o excesso pelas folhas. Descobriu-se recentemente que os manguezais têm capacidade muito maio que florestas terrestres de absorver gás carbônico, o principal causador do aquecimento global e das mudanças climáticas.

Representação esquemática do sistema radicular de Rhizophora (E) e de Avicennia e Laguncularia. Fonte: Schaeffer-Novelli, Yara, 1995 

Origem e distribuição

As plantas exclusivas de manguezal começaram a se desenvolver no oceano Índico, há cerca de 60 milhões de anos. Uma das hipóteses situa o ponto de origem no Sudeste Asiático. Daí as sementes (propágulos) navegaram para leste e oeste, sul e norte. Passando por uma abertura que existia no passado entre o oceano Índico e o mar Mediterrâneo, as plantas chegaram à costa ocidental da África e à América do Sul, passando por processos de adaptação. Como as Américas do Norte e do Sul ainda não estavam unidas pelo istmo do Panamá, as plantas alcançaram o oceano Pacífico americano.      

Formaram-se, assim, duas províncias de manguezal no mundo. A mais antiga e diversificada situa-se no oceano Índico, entre sul da Ásia, Austrália e leste da África. A outra situa-se na costa oeste da África e América tanto no oceano Atlântico quanto no Pacífico. Nas duas províncias, os manguezais se distribuem entre os trópicos de Câncer e Capricórnio, alcançando áreas um pouco mais ao norte ou ao sul. A estatura das plantas diminui nas proximidades dos trópicos e aumenta junto ao equador. 

Distribuição dos manguezais pela zona intertropical segundo a diversidade de espécies

Manguezais na América

Na América, encontram-se as seguintes espécies de mangue: 1- Rhizophora mangle (com ocorrência entre Bermudas e Santa Catarina e entre México e rio Tumbes, no Peru); Rhizophora harrisonii (ocorrência entre Nicarágua e Brasil, como também no Equador); Rhizophora racemosa (entre Nicarágua e Brasil e entre Panamá e Equador); Rhizophora samoensis (entre Panamá e Equador); Avicennia germinans (entre Bermudas e Brasil e México e Peru); Avicennia schaueriana (entre Caribe e Brasil); Avicennia bicolor (restrita à costa do Pacífico da América Central); Avicennia tonduzii (restrita à costa do Pacífico da América Central); Pelliciera rhizophorae(entre Nicarágua e Costa Rica e Colômbia e Equador); Laguncularia racemosa (entre Estados Unidos e Brasil e México e Peru). Alguns estudiosos consideram o Conocarpus erectus (entre Estados Unidos e Brasil e México e Peru) e o Conocarpus erectus sericeus(endêmica do norte do Caribe) como espécies de mangue. 

Além do mais, há plantas associadas ao manguezal que não contam com os mecanismos de adaptação desse ecossistema, mas com alta tolerância ao sal, como samambaia-do-brejo (Acrostichum aureum) mololô (Annona glabra), rabo-de-galo (Dalbergia ecastophylla),aninga (Montrichardia linifera), aroeira (Schinus terebinthifolius), guaxuma ou algodoeiro-da-praia(Hibiscus pernambucensis) e taboa (Typha domingensis).

Manguezais no Brasil

​No Brasil, podemos distinguir duas áreas de manguezal. A primeira se estende do rio Oiapoque ao rio Parnaíba. As seis espécies de mangue que crescem no Brasil, encontram-se aí: Laguncularia recemosa, Rhizophora mangle, Rhizophora harrisonii, Rhizophora racemosa, Avicennia germinans e Avicennia schaueriana. As árvores alcançam grande porte em função do clima equatorial e da amplitude das marés (diferença entre a alta e a baixa). As planícies costeiras costumam ser muito amplas, com áreas de manguezal muito extensas. A outra se estende do Maranhão a Santa Catarina. Em função de climas mais amenos e áreas pouco extensas, as plantas vão diminuindo sua dimensão à medida em que se avança para o sul. A biodiversidade vai se empobrecendo em direção ao trópico de Capricórnio. A Rhizophora harrisonii e a Rhizophora racemosa ocorrem até o maranhão. A Avicennia germinans tem seu limite sul de distribuição no rio Macaé. Em Laguna, limite meridional dos manguezais, encontra-se apenas a Laguncularia recemosa. Os bosques de mangue diminuem de extensão e perdem diversidade. 

População de mangue vermelho na ilha de Marajó. Foto do autor

Manguezais no estado do Rio de Janeiro

Um rio, uma floresta, uma fauna não são de um município, estado ou país. A natureza chegou primeiro. Quando os chamados povos pioneiros entraram na América, os rios já existiam. Quando os europeus aportaram em terras da futura América, os manguezais já estavam na foz costeira dos rios e nas praias. O Brasil é que se formou em torno dos rios, florestas e fauna, alterando e barrando seus cursos, desmatando e extinguindo espécies.

​O estado do Rio de Janeiro é uma herança da província e capitania do mesmo nome. As fronteiras mudaram. Os rios permaneceram. A capitania do Rio de Janeiro se formou com a junção das capitanias de São Tomé e parte da de São Vicente. O rio Itapemirim integrou a capitania de São Tomé. Depois passou a pertencer ao Espírito Santo. Os manguezais assistem a essas mudanças, sofrendo apenas as agressões dos grupos humanos. 

​Começando pelo sul fluminense, destacam-se os manguezais do Saco de Mamanguá. No fundo da enseada de Parati-Mirim, merece destaque o manguezal contínuo entre a foz do rio dos Meros, córrego da Caçada e um riacho. Merecem destaque os manguezais dos rios Bracuí, Ariró e Jurumirim. Sobressaem-se em dimensão e estado de conservação o conjunto de ecossistemas praia-restinga-manguezal-lagoa-brejo na extremidade oeste da ilha Grande. 

Entulho avançando sobre manguezal na baía da Guanabara

Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, destacam-se o manguezal da restinga da Marambaia. Embora sem rios, a água doce provém de uma elevação, com destaque para a lagoa Vermelha. Outras áreas de manguezal se encontram no âmbito da base aérea de Santa Cruz, na Reserva Biológica de Guaratiba, na Barra da Tijuca e na baía da Guanabara. Esta constitui a maior área de manguezal do estado, embora muito afetado pela urbanização e pela poluição.

Na Região dos Lagos, os manguezais lidam com alta salinidade. Eles têm pequeno desenvolvimento nos complexos lagunares de Maricá, Saquarema e Araruama. É comum a dominância da siribeira (Avicennia schaueriana) e do mangue-de-botão (Conocarpus erectus) Em Búzios, existem vários manguezais de franja, sendo o Mangue de Pedra o mais famoso deles. São raros os manguezais ribeirinhos, com destaque para o rio Una. A partir dele, seguem-se os manguezais dos rios São João, das Ostras, Macaé, Barra do Furado, lagoas do Açu, Iquipari, Gruçaí, rios Paraíba do Sul, Guaxindiba e Itabapoana. 

 

Manguezais no norte fluminense

A zona costeira do norte fluminense se estende do rio Itabapoana ao rio Macaé. O manguezal do rio Itabapoanaconta com quatro espécies de mangue. Na margem direita da foz, o bosque foi, em grande parte, suprimido pelo núcleo urbano de Barra do Itabapoana. Esse processo de supressão continua. Ele está mais conservado na margem esquerda, no Espírito Santo. Existe ainda expressivaatividade econômica de pesca e de coleta nesse manguezal. Além da urbanização, ele corre outro risco: a construção do Porto Central, na margem esquerda do rio.

​Entre os rios Itabapoana e Guaxindiba, existem vários pequenos manguezais, sendo o de Buena o mais extenso. Mesmo assim é bastante reduzido. Só no conjunto formado pelo pequenino rio Guaxindiba e pelo canal Engenheiro Antônio Resende, aberto pelo DNOS, encontra-se um bosque ainda considerável de manguezal. Ele abriga uma atividade econômica extrativista de pequena monta.

​O maior manguezal da região encontra-se no rio Paraíba do Sul por ser ele o maior rio a cortar o estado do Rio de Janeiro. Nele, existem quatro espécies de mangue. O aporte de água doce cria condições para a entrada de plantas não exclusivas de manguezal. Uma delas é a aninga, espécie que confere ao delta do Paraíba do Sul um aspecto amazônico. Até mesmo a amendoeira e o jameloiro encontram ambiente no âmbito do ecossistema. O manguezal do Paraíba do Sul está sujeito a mudanças drásticas e bruscas pela redução progressiva da vazão de água doce e pelo avanço do mar. O primeiro fator se deve à transposição de 2/3 de sua vazão, na barragem de Santa Cecília para atender às necessidades de consumo de 9 milhões de pessoas do Grande Rio. Existem também vários barramentos para a geração de energia elétrica. Por outro lado, o aquecimento global vem elevando o nível do mar. Já no âmbito do manguezal, a ameaça provém da expansão do núcleo urbano de Gargaú (com geração de esgoto e lixo) e da criação de gado em plena área do manguezal. 

Bosque de mangue preservado no riacho dos Macacos – rio Paraíba do Sul. Foto do autor

Logo abaixo do pequeno delta do Paraíba do Sul, encontram-se as lagoas de Gruçaí e Iquipari. Ambas são antigos braços do Paraíba do Sul, hoje separados dele. Na lagoa de Gruçaí, as condições para o desenvolvimento de um manguezal se tornaram adversas em função da intensa urbanização e do aporte de esgoto e lixo. Apenas alguns exemplares de mangue branco (Laguncularia racemosa) resistem, assim como exemplares bastante desenvolvidos de aninga. 

​Na lagoa de Iquipari, ocorrem as espécies mangue vermelho (Rhizophora mangle) e mangue branco (Laguncularia racemosa). Tanto a lagoa de Gruçaí quanto a de Iquipari sofrem abertura artificial (antrópica) de barra, gerando impactos salinos e térmicos. A população de mangue vermelho é vítima dessas aberturas.

​Na lagoa do Açu, no passado também ligada ao rio Paraíba do Sul pelo rio Água Preta (transformado pelo DNOS em canal do Quitingute), encontra-se hoje um singular manguezal. A lagoa e a restinga que a cerca estão sob a proteção do Parque Estadual da Lagoa do Açu. O manguezal se estende por cerca de 8 quilômetros e conta com mangue vermelho, mangue branco, siribeira e um esplândido bosque de mangue de botão em sua barra. Mesmo protegido por uma unidade de uso restrito, ele sofre ameaças representadas pela expansão do núcleo urbano do Açu, do complexo portuário que ali se instalou e das eventuais aberturas de barra.

Bosque de mangue-de-botão na lagoa do Açu. Foto do autor

Depois de percorrer uma faixa de areia de 28 quilômetros sem a presença de manguezais, eles voltam a ser contrados em Barra do Furado. A abertura do canal da Flecha pelo DNOS criou um rio que liga a lagoa Feia ao mar. No estuário, o bosque mais antigo situa-se na ilha da Carapeba, na margem esquerda do canal, com a presença apenas de mangue branco. Essa é a única área do norte fluminense que conta com uma planície salgada (apicum) na retaguarda do bosque. Esse ambiente era protegido pelo Código Florestal de 1965 e deixou de ser pelo Código Florestal de 2012. Na margem direita do canal e pouco afastado dele, desenvolveu-se um pequeno bosque junto à área de transbordamento do antigo rio Iguaçu. Ele conta com mangue branco e siribeira. Ainda na margem direita junto à foz do canal, começou a se formar um pequeno bosque na década de 1990 apenas com mangue branco. Hoje, ele é o mais diversificado de Barra do Furado, contendo três espécies que permitem ao manguezal a prática de coleta para fins econômicos.

Pequeno bosque de mangue em Barra do Furado. Foto do autor

De Barra do Furado ao rio Macaé, uma longa linha de costa se estende sem nenhum sistema hídrico com manguezal. No estuário do rio Macaé, desenvolveu-se um expressivo manguezal que encontrou área para se expandir depois da abertura do canal Campos-Macaé, no século XIX. Nele, enraizaram-se o mangue vermelho, o mangue branco e a siribeira (Avicennia germinans). Esta terceira tem seu limite sul de dispersão exatamente no rio Macaé. Existia também uma expressiva atividade econômica de pesca e coleta no manguezal e áreas adjacentes. Mas o ecossistema sofreu dois desatrosos impactos. O primeiro foram as obras de canalização do trecho final do rio pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) na década de 1960. O segundo foi a instalação de uma base da Petrobras em fins da decada de 1970. Macaé recebeu um grande afluxo de imigrantes à procura de trabalho. Os que não conseguiram, acabaram se instalando em áreas periféricas. Uma delas foi a ilha Colônia Leocádia, na foz do rio Macaé, que abrigava uma grande mancha de manguezal. Pobres de fora, sem emprego, deslojaram pobres de dentro, com emprego na pesca e na coleta. O desmatamento do manguezal foi brutal. Indiretamente, o óleo lançado pelo aeroporto e por garagens de ônibus levaram exemplares de siribeira a desenvover anomalias para sobreviver. Não há dúvida de que o manguezal do rio Macaé foi o mais impactado entre todos do norte fluminense.    

 

Exemplar de siribeira com raízes anômalas no manguezal do rio Macaé. Foto do autor

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