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Terras raras: o “ouro invisível” da era digital — e os riscos que ninguém vê

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Por Luciano Perry, Especialista em Mineração da Schmersal

As terras raras têm ganhado relevância estratégica no cenário global por seu papel essencial em tecnologias emergentes e na transição energética. Apesar do nome, esses elementos não são exatamente escassos, mas ocorrem em baixas concentrações em locais economicamente viáveis. Esses elementos, conhecidos como terras raras, incluem 15 da família dos lantanídeos — metais com propriedades magnéticas e ópticas —, além do ítrio, amplamente empregado em cerâmicas industriais, e do escândio, utilizado em ligas metálicas leves na indústria aeroespacial. São aplicados em equipamentos eletrônicos, motores, sistemas de energia, sensores industriais, turbinas eólicas, baterias e dispositivos médicos de alta precisão.

A crescente demanda por essas aplicações colocou as terras raras no centro das preocupações geopolíticas. Atualmente, a China responde por mais de 80% da produção e do refino global desses elementos, o que levou países como Estados Unidos, Japão e União Europeia a buscar fontes alternativas de fornecimento e reduzir a dependência de um único fornecedor. O Brasil surge como uma alternativa relevante, com reservas abundantes ainda pouco exploradas e um potencial geológico que atrai o interesse de especialistas, investidores e formuladores de políticas públicas.

A extração desses elementos, no entanto, impõe desafios específicos que vão além da logística e da infraestrutura. Ao contrário da mineração de ferro ou ouro, que frequentemente exige estruturas como barragens de rejeitos para conter os resíduos das extrações — e que ganharam destaque negativo em função de acidentes recentes —, a mineração de terras raras costuma ocorrer em minas a céu aberto, diretamente na superfície do solo.

Ainda assim, os processos de separação e purificação exigem o uso de reagentes ácidos, solventes industriais e técnicas químicas severas, muitas vezes envolvendo minerais com potencial radioativo, como a monazita, que pode conter elementos como tório e urânio. Esses fatores geram situações de alto risco do ponto de vista da segurança, especialmente no longo prazo. Elementos radioativos exigem conhecimento técnico, controle rigoroso e protocolos específicos para manipulação, armazenamento e descarte seguro.

É amplamente reconhecido que os riscos mais críticos, em operações industriais, muitas vezes são aqueles que passam despercebidos. No caso da mineração de terras raras, isso se traduz em riscos associados à contaminação do solo, da água e do ar, assim como à exposição prolongada a agentes químicos e radioativos. A segurança ocupacional, ambiental e operacional depende de medidas estruturais: desde o projeto de instalações com barreiras físicas e sistemas de contenção adequados, até o monitoramento contínuo da qualidade ambiental, o controle de atmosferas internas, a rastreabilidade de efluentes e o tratamento eficiente dos resíduos gerados.

No Brasil, não há ainda uma norma específica voltada exclusivamente para mineração de terras raras. No entanto, existem regulamentações robustas que devem ser seguidas com rigor para garantir a segurança dos ecossistemas e das comunidades no entorno. A NR 22, por exemplo, estabelece diretrizes para segurança e saúde na mineração em geral, abrangendo riscos físicos, químicos e operacionais. Quando o processo envolve materiais radioativos, aplica-se também a norma CNEN NN 4.01, que regula atividades com substâncias como tório e urânio. A Resolução CONAMA 420 trata da qualidade do solo e da remediação de áreas contaminadas.

Além disso, a Agência Nacional de Mineração (ANM) define condições e requisitos para o licenciamento ambiental e operacional de empreendimentos minerários. Em situações com risco de formação de atmosferas explosivas, especialmente em processos com solventes inflamáveis, é obrigatório o uso de equipamentos e sistemas certificados conforme a norma ABNT NBR IEC 60079.

A segurança deve estar presente em todas as etapas da operação: no projeto, na execução, na manutenção e no descomissionamento das instalações. Isso inclui o desenvolvimento de processos que minimizem a geração de resíduos perigosos, a adoção de tecnologias que reduzam o contato humano com materiais críticos, o investimento em sistemas de automação e a criação de protocolos eficazes para prevenção e resposta a emergências. Em um cenário onde a rastreabilidade, a sustentabilidade e a conformidade regulatória ganham protagonismo global, operar com responsabilidade é essencial não apenas para mitigar riscos, mas também para garantir a continuidade, a viabilidade econômica e a aceitação social dos empreendimentos minerários.
As terras raras têm papel fundamental tanto no xadrez geopolítico atual como na infraestrutura tecnológica do século XXI.

Contudo, sua exploração deve ser conduzida com base em conhecimento técnico atualizado, observação da legislação aplicável e compromisso com a segurança em todas as suas dimensões. A forma como esses recursos naturais serão extraídos hoje determinará os impactos ambientais, sociais e econômicos que deixaremos para as próximas gerações.

Luciano Perry

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