Marlova Jovchelovitch Noleto || Diretora e representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil
Em tempos de negacionismo científico e recentes retrocessos globais, como o movimento antivacinas, não há quem refute a ideia de que a pandemia do novo coronavírus mudará para sempre o mundo em que vivemos. A COVID-19 afetou severamente a economia, as relações de trabalho e, como apontado pela Organização das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura (UNESCO), terá profundo impacto na educação em longo prazo: mais de 1,5 bilhão de crianças, jovens e adolescentes tiveram que se afastar temporariamente de suas escolas.
Em cenários tão adversos, como já demonstrado em pandemias anteriores, a ciência sempre teve seu lugar na história. Foi ela que permitiu à humanidade combater a desinformação diante da natural apreensão pelo que estaria por vir.
As evidências científicas, no entanto, nunca navegaram em águas tranquilas. Lembremos que no passado até o simples ato de lavar a mãos era visto com ressalva por muitos, como atestou no século 19 o pioneiro da antissepsia, o médico húngaro Ignaz Semmelweis, profundamente criticado por seus pares ao comprovar a redução de mortes de parturientes pela desinfecção hospitalar. Os surtos de influenza de 1918 e de SARS, em 2002, também testemunharam resistências às medidas de distanciamento social, que mais tarde se mostrariam mais do que acertadas.
No Brasil, tornou-se célebre o sanitarista Oswaldo Cruz, que adotou medidas impopulares, como a vacinação compulsória e o isolamento de doentes, no combate à febre amarela e varíola no Rio de Janeiro do início do século 20. Em comum a todos esses casos, o fato inconteste de que a ciência se provou crucial para o controle das enfermidades.
Com a COVID-19, não é diferente. A própria noção de achatamento da curva de contágio, fundamental para trazer previsibilidade, se inspira em modelos epidemiológicos e matemáticos já testados.
O conhecimento científico é também elemento motivador para a união entre os povos. Isso se traduz no atual contexto pela busca de uma vacina ou de mecanismos que freiem a expansão do vírus, ou mesmo pela troca de boas práticas com os países que têm reduzido a velocidade de expansão do vírus.
Não se faz ciência da noite para o dia — e tampouco se faz sozinho. Ela é fruto de muito investimento e de um longo processo de estudo, cooperação, aperfeiçoamento e validação. Talvez resida aqui a principal lição da atual pandemia: a valorização dos cientistas e profissionais de saúde. Eles detêm o conhecimento para que lidemos com questões igualmente complexas e urgentes, como a mudança climática e a crescente escassez de recursos hídricos.
O conhecimento científico é o caminho para superarmos esse momento, mas ele não será suficiente para evitarmos as consequências danosas de outros problemas globais. Será preciso uma nova leitura de como enxergamos a humanidade, um outro patamar de empatia, que deve vir de governos, agentes econômicos e sociedade civil.
Quem sabe esta não seja, finalmente, a oportunidade para repactuarmos um mundo mais humano, pacífico e solidário.