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Congresso recria PL da devastação e mata licenciamento ambiental no Brasil

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Com traição de Alcolumbre, Câmara e Senado derrubam 56 dos 63 vetos de Lula à lei do licenciamento, impondo ao país o pior retrocesso legislativo ambiental da história; ONGs irão à Justiça

O Congresso Nacional aprovou nesta quinta-feira (27/11) a derrubada de 56 de 63 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Geral de Licenciamento Ambiental. Na prática, os parlamentares reconstruíram o PL da Devastação, que enterra o licenciamento no país. É o pior retrocesso legislativo ambiental da história brasileira desde a aprovação da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981.

Organizações ambientalistas irão à Justiça contra a nova lei, que, além de inconstitucional, expõe a risco a saúde e a segurança dos brasileiros, libera a destruição ampla dos nossos ecossistemas e viola as metas climáticas do país, que acabou de sediar a COP30.

O licenciamento é a pedra angular da proteção ambiental no país. Ele disciplina qualquer atividade econômica que utilize recursos naturais, desde a implantação de um projeto agropecuário à instalação de um posto de gasolina, da abertura de uma via urbana à pavimentação de uma estrada na Amazônia, passando por projetos de mineração, geração de energia e indústrias.

O Congresso matou o licenciamento nesta quinta-feira ao devolver para o texto da lei os pontos críticos do PL da Devastação (PL 2.159) vetados pelo presidente. Um dos principais é a extensão da LAC (Licença por Adesão e Compromisso),

conhecida como “autolicenciamento”, para empreendimentos de médio impacto. Com isso, cerca de 90% dos licenciamentos estaduais – que representam a imensa maioria dos licenciamentos do país – poderão ser feitos automaticamente, num apertar de botão. A medida contraria jurisprudência do STF, que já havia vetado autolicenciamento para projetos de médio porte.

Toda a atividade agropecuária extensiva passa a ser dispensada de licença ambiental, mesmo que tenha o seu Cadastro Ambiental Rural pendente de homologação. Ou seja, mesmo propriedades com desmatamento ilegal ou em terra grilada poderão produzir sem licença. Também ficam dispensadas de licenciamento grandes obras como pavimentação da BR-319, na Amazônia, que pode gerar a emissão de 8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (quatro vezes a emissão anual do Brasil) por desmatamento nos próximos 25 anos.

Territórios quilombolas sem titulação e terras indígenas não homologadas poderão ser atropelados por empreendimentos sem nenhum tipo de controle ou compensação. E, por último, mas não menos importante, estados e municípios poderão estabelecer regras próprias de licenciamento, esvaziando o papel da norma geral federal – que, em vez de fixar parâmetros, passa a simplesmente delegar para os outros entes federativos.

A votação desta quinta-feira, histórica pelos piores motivos, foi puxada pela bancada ruralista, mas teve dois patrocinadores especiais: o presidente da Câmara, Hugo Mota (Republicanos-PB), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Ao pautar a derrubada dos vetos, o senador traiu acordo feito com Lula, pelo qual foi presenteado com uma Medida Provisória acelerando os prazos da Licença Ambiental Especial. A LAE foi criada por Alcolumbre para acelerar o licenciamento da exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

Prevista para entrar em vigor em 180 dias, ela passou a vigorar imediatamente em agosto. Nem isso bastou para o presidente do Senado.

Os sete vetos de Lula que não foram derrubados nesta sessão são da LAE e serão apreciados na próxima semana, quando o Congresso deve votar a conversão em lei da MP da Licença Ambiental Especial. Ela própria tem mais de 800 emendas, que também refazem o PL da Devastação e ainda ampliam os retrocessos.

Sobre a derrubada dos vetos, integrantes do Observatório do Clima declararam:

“O Congresso Nacional acabou de enterrar o licenciamento ambiental, ao derrubar os vetos do Poder Executivo. Além de retrocesso criminoso na legislação ambiental, com simplificaçäo excessiva e prioridade para o autolicenciamento, os dispositivos que retornaram com a derrubada dos vetos colidem com os direitos dos indígenas e quilombolas, dão um cheque em branco para os entes subnacionais fazerem o que quiserem com o licenciamento, restringem o campo da aplicação do licenciamento ambiental e reduzem a responsabilidade das insituições financeiras, entre outros absurdos.”

Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

“A derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional revela a irresponsabilidade do Legislativo com o povo, com a natureza e com o clima. Mesmo sem uma vitória esmagadora, a maioria ainda escolheu aprofundar danos gravíssimos à segurança jurídica ambiental do país. O oceano, os biomas, as florestas, os territórios tradicionais, inclusive a pesca artesanal, serão todos atingidos. Esse é, sem dúvida, um retrocesso que coloca em risco vidas e compromissos fundamentais do Brasil. Recorreremos ao STF em busca de justiça e de proteção aos direitos socioambientais.”

Letícia Camargo, consultora de advocacy do Painel Mar.

“É lamentável o Congresso Nacional optar pela destruição de habitats e pela devastação de ecossistemas ao reviver o PL da Devastação. Hoje os parlamentares demonstraram seu desdém pelas vidas humanas e pelos animais ao votar contra o meio ambiente e a favor da derrubada dos vetos. Seguiremos

na luta para que todas as formas de vida tenham seu bem-estar assegurado.” Natália Figueiredo, gerente de políticas públicas da Proteção Animal Mundial.

“O Congresso Nacional sepultou hoje seu Sistema Nacional do Meio Ambiente. As consequências serão graves e duradouras, com danos irreversíveis ao meio ambiente e à saúde da população; optou por novos desastres e descontrole da poluição. O governo, a PGR e os partidos políticos deveriam questionar a constitucionalidade da nova Lei no STF para derrubar imediatamente esses importantes retrocessos.” Mauricio Guetta, diretor de políticas públicas e direito da Avaaz e professor de direito ambiental.

“Era essencial que o Congresso tivesse mantido todos os vetos, mas não foi o que aconteceu. Agora, está em vigor uma verdadeira licença para devastar, destruir e desrespeitar profundamente nossas florestas, nosso meio ambiente e biodiversidade. Em termos práticos, a nova Lei do Licenciamento Ambiental favorecerá a expulsão e deslocamentos forçados de povos indígenas e comunidades tradicionais, assim como facilitará a emissão de licenças de blocos de petróleo. Empreendimentos considerados ‘estratégicos’, como a perfuração de petróleo na Foz do Amazonas, poderão ser aprovados num prazo inexequível, comprometendo qualidade e segurança e potencializando danos socioambientais irreparáveis.”

Gabriela Nepomuceno, especialista em políticas públicas do Greenpeace Brasil.

“Intensa mobilização, manifestações em todo o Brasil, mais de um milhão de assinaturas, o campo socioambiental que há décadas luta pela proteção do meio ambiente se posicionando contra, diálogo com centenas de parlamentares e, ainda assim, a maioria do Congresso insiste em um projeto de devastação, derrubando os vetos presidenciais. Um completo absurdo que exige intervenção da Justiça diante de inconstitucionalidades que colocam a vida de milhões de brasileiras e brasileiros em risco.”

Lucas Louback, gestor de advocacy do NOSSAS.

“A derrubada dos vetos escancara o quão distante das necessidades da população está grande parte dos parlamentares. É também um alerta: nas próximas eleições, a sociedade não deve escolher candidatos que se colocam contra o meio ambiente e que atentaram contra a Lei da Mata Atlântica, ignorando os impactos do aumento do desmatamento na segurança climática, hídrica e na saúde das pessoas. O resultado dessa ‘boiada’ agrava os efeitos de eventos climáticos extremos e de novas tragédias, além de nos afastar do cumprimento do Acordo de Paris, dos compromissos com a biodiversidade e de um futuro mais seguro. Nossa luta continua firme na defesa do meio ambiente e das nossas causas: desmatamento zero, restauração florestal e criação de áreas protegidas. Esse foi o compromisso do Brasil na COP30 — e é também o nosso.” Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.

“O Congresso hoje concretizou a institucionalização do racismo ambiental e a amplificação dos conflitos em territórios tradicionais. Mantida essa lei, teremos uma alta insegurança jurídica e enfraquecimento da proteção socioambiental.

Não haverá outra saída a não ser judicializar essa norma, nascida inconstitucional.”

Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

“O Brasil sofreu um duro golpe contra seu futuro. Infelizmente, o Congresso Nacional escolheu colocar em xeque a governança ambiental do país, quando mais precisamos dela. Ao fragmentar normas, fragilizou as salvaguardas ambientais justamente quando as mudanças climáticas mais exigem de nós previsão e precaução. Quando a Amazônia mais exige nossa atenção para evitar o ponto de não retorno, foi feito o contrário. Mais uma vez o descaso pelo meio ambiente e pela saúde das pessoas foi usado como retaliação política, ao invés de ser buscado o bem comum; bem maior que só pode existir com um futuro de equilíbrio ambiental.” Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)

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