Mesmo sob tensão global e com os EUA isolados, países garantem avanços concretos para a transição climática
Em um dos momentos geopolíticos mais turbulentos da última década, a COP30 — realizada em Belém do Pará — entrou para a história como uma conferência diferente de todas as anteriores. Se a confiança no multilateralismo parece abalada em muitos setores, o processo climático mostrou força: 194 países sentaram à mesa e conseguiram preservar consensos mínimos para seguir avançando na agenda climática global.
A mensagem que emergiu de Belém é clara: liderança climática passou a ser sinônimo de proteção econômica. Enquanto os Estados Unidos apostam em posições que os isolam — inclusive dentro do próprio G20 —, o restante do mundo reforça que agir pelo clima deixou de ser um custo e se tornou uma vantagem competitiva. Prova disso é que, dez anos após o Acordo de Paris, os investimentos globais em transição energética já somam US$ 2,2 trilhões, o dobro do que ainda vai para os combustíveis fósseis (US$ 1,1 trilhão), segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).
A Presidência brasileira definiu esta como a “COP da implementação”. E, apesar de todas as turbulências, saiu de Belém um conjunto relevante de acordos, mecanismos e compromissos que redesenham a trajetória da ação climática global.
Avanços Centrais da COP30
Mitigação: mais NDCs, roadmap duplo e início de um novo ciclo
Em 2025, 118 países apresentaram novas NDCs, ampliando ambição e detalhamento. Dois movimentos ganharam força:
- mais de 80 países apoiaram a criação de um roadmap global para transição longe dos combustíveis fósseis;
- mais de 90 países respaldaram o roadmap internacional para acabar com o desmatamento, alinhado à urgência científica.
Um dos anúncios mais estratégicos foi o Acelerador Global de Implementação — um processo de dois anos liderado pelas Presidências da COP30 e COP31 para alinhar os planos nacionais ao esforço necessário para manter 1,5°C ao alcance.
Belém também lançou as bases de um novo mecanismo internacional de transição justa, voltado a ampliar cooperação técnica, capacitação e compartilhamento de conhecimento entre países.
Financiamento: mais recursos, mais mecanismos e novas vias de cooperação
O tema do dinheiro, sempre sensível, ganhou tração importante em Belém.
Entre os anúncios, destacam-se:
- US$ 135 milhões destinados ao Fundo de Adaptação;
- o Roteiro Baku–Belém, que projeta elevar o financiamento climático global para pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano até 2035;
- US$ 300 milhões para o Plano de Ação de Saúde de Belém, que fortalece a adaptação do setor de saúde;
- lançamento de 13 plataformas nacionais e uma regional para mobilizar financiamento doméstico.
Além dos compromissos diretos, houve avanços significativos em reformas do sistema financeiro internacional, ampliação de aportes de bancos multilaterais, debt swaps e novos instrumentos financeiros. Um destaque foi a mobilização de US$ 6,5 bilhões para o Tropical Forests Forever Facility (TFFF), voltado à proteção florestal e à conservação comunitária.
Transição Energética: carvão em queda, metano em foco e trilhões mobilizados
A transição energética recebeu anúncios robustos:
- A Coreia do Sul surpreendeu ao anunciar a eliminação antecipada do carvão e se juntar à Powering Past Coal Alliance (PPCA).
- Mais de 80 países sinalizaram apoio ao roadmap para abandonar combustíveis fósseis, e 24 países assinaram a Declaração de Belém, liderada pela Colômbia — que antecipou uma cúpula temática para abril, em Santa Marta.
- Mais de US$ 1 trilhão até 2030 foi comprometido para expansão de redes, armazenamento e infraestrutura de transição.
- US$ 590 milhões foram destinados a esforços de redução de metano.
- Governos e indústrias reportaram US$ 140 bilhões em projetos de indústria limpa, com um terço em economias emergentes.
Comércio e Clima: Brasil abre nova frente geoeconômica
A COP30 marcou um reposicionamento estratégico do Brasil no debate global entre clima e economia.
O país lançou o Fórum Integrado sobre Mudança do Clima e Comércio, criado para alinhar agendas comerciais e climáticas e oferecer um “espaço seguro de diálogo” entre reguladores.
Além disso, Brasil, União Europeia, China, Reino Unido e outros países — responsáveis por cerca de 20% das emissões globais — anunciaram a Coalizão de Mercado Global de Carbono, que coordenará metodologias de monitoramento, verificação, contabilidade e uso de créditos de alta integridade.
Povos Indígenas: protagonismo histórico em Belém
A COP30 registrou a maior participação indígena já vista em uma conferência do clima:
- 900 representantes indígenas na Blue Zone.
- Mais de 3 mil nos espaços oficiais e paralelos.
Houve ainda avanços concretos:
- US$ 1,8 bilhão comprometidos com povos indígenas e comunidades locais.
- Reconhecimento de 10 novas Terras Indígenas pelo governo brasileiro durante a conferência.
- Lançamento do Compromisso Intergovernamental de Posse da Terra, assinado por 15 governos e destinado a reforçar direitos territoriais sobre 160 milhões de hectares — área equivalente à Mongólia.
Integridade da Informação: a “COP da Verdade”
Belém também consolidou um novo pilar da ação climática: a integridade da informação.
A conferência formalizou a chamada “COP da Verdade”, reconhecendo que combater desinformação climática é essencial para políticas eficazes.
Entre as decisões:
- 18 governos assinaram a Declaração sobre Integridade da Informação.
- A Iniciativa Global para Integridade da Informação sobre Mudanças Climáticas, criada em 2025 por Brasil, ONU, UNESCO e parceiros, alcançou 14 governos até o final da COP.
Um marco político e simbólico
Em meio a tensões internacionais, competição por recursos, mudança no perfil das grandes potências e riscos crescentes do aquecimento global, a COP30 mostrou que ainda existe espaço para cooperação — e que a transição climática virou, definitivamente, uma disputa geopolítica por relevância, segurança e prosperidade.
Belém entregou mecanismos, compromissos e caminhos. A implementação agora entra em um novo ciclo — e, como lembraram vários líderes ao final da conferência, o próximo passo será transformar cada anúncio em realidade concreta.



