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Movimentos populares constroem circuito de resistência durante a COP30 

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Autora: Tatiana Ferreira Reis
 

Espaços organizados pela sociedade civil buscam se contrapor à lógica do greenwashing presente nos fóruns oficiais da conferência Enquanto as negociações climáticas se concentram nas áreas oficiais da COP30, uma articulação inédita se consolida em Belém. Organizações da área socioambiental, representações dos territórios tradicionais, instituições de pesquisa e, principalmente, movimentos populares construíram um grande circuito com dezenas de espaços preparados especialmente para acolher a participação da sociedade civil durante a conferência, nos bairros centrais e periféricos da capital paraense. A multidão envolvida nessa força-tarefa ficou visível durante a Marcha Global pelo Clima, que tomou as ruas de Belém no dia 15 de novembro.
 

A escolha da sede da COP30 foi um dos fatores que influenciaram toda essa movimentação. A urgência em barrar a devastação e os crimes ambientais na Amazônia, que sedia o evento, também contribui com esse processo. Outro ponto importante é a reação dos movimentos sociais à influência de parlamentares conservadores e de corporações na conferência, que se revela não apenas por meio dos lobbies, mas também em discursos que se concretizam em patrocínios, propagandas e na realização de grandes eventos, embrulhados em estratégias de greenwashing, a lavagem verde promovida pelas grandes corporações.
 

O Espaço Chico Mendes é um dos locais ocupados pela sociedade civil e pelos territórios, localizado no campus de pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi. Na entrada, uma réplica da casa de Chico Mendes, em Xapuri, no Acre, chama a atenção dos visitantes, ao lado de exposições e de uma feira de produtos da sociobiodiversidade. Chico Mendes foi um seringueiro, sindicalista e ativista assassinado a mando de fazendeiros em dezembro de 1988, tendo se tornado mártir e ícone da luta pela preservação da Amazônia. O espaço em sua homenagem promove uma intensa programação com painéis, debates, lançamento de publicações, mostra de filmes e atividades culturais até 21 de novembro.
 

O público também pode ter a sorte de escutar uma das filhas do seringueiro no espaço. Angela e Elenira Mendes, assim como mais mil extrativistas mobilizados pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), estão em Belém para participar da programação. Emocionada, Angela Mendes falou ao Joio sobre a construção do espaço de acolhimento para povos tradicionais e para o público da COP. “Tem sido tudo muito tocante para mim. Muitos problemas que enfrentamos agora com urgência máxima foram previstos por meu pai, na década de 1970, quando ele foi vereador na Câmara Municipal de Xapuri, um ambiente dominado pelos grandes latifundiários. Ele sofreu todo tipo de represália porque insistia que o homem tinha que ter uma relação respeitosa com a natureza”, lembra.


Para a ativista ambiental, o grande valor da realização da Conferência das Partes em Belém está na reunião de pessoas do mundo todo e na oportunidade de escutar os povos da floresta. “Temos muito trabalho a ser feito para garantir um futuro melhor às próximas gerações. Mas percebemos que o campo decisório está muito influenciado pelo agronegócio, pelas mineradoras, mesmo em um governo progressista”, avalia. Angela observa que por causa da reiteração das violências “os povos têm ido à luta para ocupar mais espaços, como presenciamos fortemente em Belém. Precisamos de demarcações de terras e de mais reservas extrativistas, um legado vivo da luta de meu pai e de suas companheiras e companheiros”.
 

O Comitê Chico Mendes é responsável pela organização da programação junto em parceria com o CNS, que cuidou da mobilização. Ana Luiza de Lima, coordenadora geral do comitê, contou que o espaço reúne pessoas da Amazônia e de diferentes países. “A troca de experiências e aprendizagens tem sido intensa e temos muitas pessoas mais novas sendo tocadas pelo legado de Chico Mendes. Lembramos quando ele dizia que, no começo, pensava que estava lutando para salvar seringueiras, depois achou que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Por último percebeu que estava lutando pela humanidade. É nesse espírito que conduzimos nossa atuação aqui em Belém, durante a COP”, enfatizou.


Tribunal dos Povos condena o ecogenocídio As resistências dos povos da floresta e das periferias também estão no foco do Movimento de Organizações de Base pelo Clima, que une mais de 40 organizações na composição da COP do Povo. O movimento viabilizou um espaço no centro de Belém para realizar sua extensa programação. Uma das atividades mais concorridas da primeira semana foi o Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio, realizado na sede do Ministério Público Federal, em Belém.
 

O tribunal procurou amplificar a visibilidade de casos negligenciados pelo sistema judicial no Brasil e em nível internacional. Foram selecionados testemunhos de comunidades afetadas por grandes empreendimentos e de violações de direitos humanos. Também foram disponibilizadas provas em forma de vídeos, imagens e dossiês, apresentadas ao júri formado por pesquisadores, promotores, ouvidores e lideranças de territórios tradicionais. Francisco Alan Lima, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará, explicou que foram recebidas 60 denúncias graves contra governos, corporações e empreendimentos, das quais 21 foram selecionadas para serem analisadas pelo tribunal.
 

“Todos esses crimes por violações graves de direitos passam a ter mais repercussão e vigilância da sociedade a partir dessa sentença, que é mais do que simbólica, visto que também é política. Vamos criar estratégias de incidência para que os responsáveis não fiquem impunes. Isso poderá implicar até mesmo em apresentá-los às cortes internacionais”, explica.
 

A sentença do Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio condenou pelos crimes analisados os Estados do Brasil, Bangladesh, Chile, Colômbia, Bolívia, Guiné-Bissau e Israel. Além disso, responsabilizou mais de 800 empresas que atentaram contra territórios tradicionais e infringiram direitos humanos e da natureza, entre elas Cargill, Bunge, Amaggi, JBS, Enel, Norte Energia, Minerva e Louis Dreyfus, e instituições financeiras como BNDES, Banco Mundial, Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e JPMorgan Chase. Um resumo de todos os casos está disponível no site do MPF-Pará.

Além da CPT, o Instituto José Cláudio e Maria, também coordenou os trabalhos do tribunal. Os extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foram assassinados na cidade de Nova Ipixuna, no Sudeste do Pará em 2011, por denunciarem extração ilegal de madeira, contrariando interesses de grileiros e madeireiros. O instituto que os homenageia realiza atividades de formação nos territórios e defende lideranças amazônicas ameaçadas de morte.
 

Angela Mendes filha do ambientalista Chico Mendes – Foto: Tatiana Ferreira Reis

A comunicação popular e o jornalismo independente também ganharam espaços próprios durante a COP30. O Joio está entre os 21 veículos de comunicação que participam da Casa do Jornalismo Socioambiental, iniciativa coordenada pelo Infoamazônia. O espaço transformou-se em base central e operacional para hospedar jornalistas de diferentes estados do Brasil e conta com uma extensa programação voltada a profissionais da comunicação e à sociedade civil. Na casa, ocorrem debates, coletivas, lançamentos de livros e pesquisas, entre outros eventos que apoiam a produção de reportagens e outros produtos jornalísticos. Além disso, os veículos de comunicação participam de cobertura colaborativa, com distribuição de conteúdos em rede.
 

A Embaixada dos Povos é um ponto de apoio, em Belém, para a atuação de movimentos e povos da floresta por justiça energética e contra os combustíveis fósseis na Amazônia. O local reúne Rede GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Coletivo Pororoka, 350.org e Climainfo. A agenda da embaixada durante a COP30 promove reuniões, seminários, formações em comunicação, lançamento de filmes e livros, até dia 21 de novembro.
 

Adilson Vieira, coordenador de articulação e parcerias da GTA, explica que “desde 1992, quando iniciamos nosso trabalho, temos uma agenda de mobilização o ano todo. Durante a COP, aproveitamos a oportunidade para tocar nos temas que precisam de mais visibilidade”. Assim como as outras organizações citadas nesta reportagem, o grupo tem tido sua atuação divulgada e potencializada no período.
 

O GTA continuará colocando em prática campanhas como o combate à exploração de combustíveis fósseis na Amazônia após a Conferência das Partes. “Seguiremos fazendo o trabalho de base, dialogando sobre temas fundamentais com as comunidades. Nossa vocação é, no dia-a-dia, amplificar as vozes e as lutas dos povos da floresta”, finaliza.
 


Esta reportagem foi produzida por O Joio e o Trigo, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original no Link

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