Um grau e meio acima da média: essa foi a temperatura média na Amazônia Brasileira em 2024 – uma marca que idealmente não deveria ter sido atingida, conforme o Acordo de Paris. Não foi um caso isolado: em outros locais do nosso país essa marca também foi ultrapassada no ano passado. É o caso do Pantanal, onde o aumento em relação à média foi de 1,8°C. Estes são alguns dos dados inéditos que o MapBiomas lança em 5 de novembro, às vésperas da COP30, em sua nova plataforma, o MapBiomas Atmosfera. A partir de imagens de satélite e modelagem de dados, a plataforma disponibiliza dados climáticos sobre variações de temperatura e precipitação entre 1985 e 2024, além de dados sobre poluentes atmosféricos entre 2003 e 2024 cobrindo todo o território brasileiro.
“O MapBiomas Atmosfera é uma nova ferramenta que auxilia o Brasil a implementar políticas públicas baseadas em evidências experimentais e mostra quais seriam as regiões mais impactadas pelas mudanças do clima e mudança de uso da terra. É uma nova ferramenta importante para auxiliar na preservação de nossos ecossistemas”, destaca Paulo Artaxo, professor da USP e que faz parte da iniciativa do MapBiomas Atmosfera.
O MapBiomas também lança esta semana uma publicação para apoiar negociadores, jornalistas, pesquisadores e demais stakeholders participantes da conferência do clima de Belém com um guia contendo um compilado dos mais recentes dados de cobertura e uso da terra no Brasil, traduzidos em blocos temáticos que mostram como essas informações podem orientar ações de mitigação e adaptação climática em diferentes contextos.
“A ciência é a base sobre a qual os países decidiram estabelecer uma ação global conjunta de enfrentamento dos grandes desafios ambientais deste século. Nestas últimas três décadas de negociação, não foi só o clima que mudou: a cobertura e uso da terra, no Brasil e no mundo, também mudaram. E isso tem impacto direto sobre o clima”, explica Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas.
“A Amazônia perdeu 52 milhões de hectares, ou -13%, de área de vegetação nativa desde 1985. No mesmo período o bioma teve um aumento médio da temperatura em 1,2°C. Os estudos mais recentes apontam que a perda de florestas modifica as trocas de calor e de vapor d’água com a atmosfera, resultando em temperaturas mais elevadas”, acrescenta Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas. Recentemente, utilizando essa base de dados, um estudo publicado na Nature Geoscience mostrou que o desmatamento causa 74% da redução das chuvas e 16% do aumento da temperatura na Amazônia durante a seca.
Nas quatro décadas entre 1985 e 2024, a temperatura tem aumentado em todo o Brasil a uma taxa média de 0,29oC por década, segundo o MapBiomas Atmosfera. Alguns biomas, no entanto, estão se aquecendo mais rapidamente. É o caso do Pantanal (+ 0,47°C / década) e do Cerrado (+ 0,31°C / década) – ambos na parte mais continental do país. A Amazônia, como um todo, permaneceu na média (+ 0,29°C / década), enquanto outros biomas costeiros apresentaram um ritmo mais brando de aquecimento: Caatinga (+ 0,25°C / década), Mata Atlântica (+ 0,21°C / década) e Pampa (+ 0,14°C / década).
“Os últimos três relatórios do IPCC já apontavam estas tendências de aquecimento e de alteração da precipitação que estamos observando na plataforma MapBiomas Atmosfera”, coloca Paulo Artaxo. “Estes aumentos de temperatura têm impactos significativos em todos os biomas brasileiros. A redução de precipitação também tem efeitos importantes, especialmente na Amazônia e no Pantanal”, complementa.
Há uma década, desde 2014, a temperatura no Brasil tem se mantido acima da média do período analisado (1985-2024). O maior valor de anomalia foi observado em 2024, quando a temperatura ficou 1,2 oC acima da média dos últimos 40 anos. Desde 2019, temperaturas acima da média têm sido registradas em quase todos os biomas. Nos biomas Caatinga, Cerrado e Pampa, as anomalias de temperatura têm se mantido em até 1 oC acima da média. Já o bioma Pantanal registrou um recorde de anomalia em 2024, com temperaturas 1,8 oC acima da média. Esse bioma é alimentado pelas chuvas na Bacia do Alto Paraguai que, em 2024, registrou precipitação 314 mm abaixo da média, com 205 dias sem chuva. O ano de 2024 foi especialmente quente em todo o Brasil, sendo que a temperatura ficou de 0,3 a 2,0oC acima da média histórica em todos os estados.
O MapBiomas Atmosfera mostra também que a temperatura do ar está aumentando em todo o Brasil, mas com variações de estado a estado. Nas unidades federativas mais continentais, como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Piauí, a temperatura está subindo mais rapidamente, com taxas entre 0,34oC e 0,40oC por década. Já os estados ao longo da costa brasileira tendem a apresentar menores taxas de aumento de temperatura, como Rio Grande do Norte, Alagoas e Paraíba (0,10oC a 0,12oC/década). Na região metropolitana de São Paulo, a temperatura do ar aumenta a uma taxa de 0,19oC por década.
A nova plataforma MapBiomas Atmosfera inclui ainda dados sobre poluição do ar entre 2003 e 2024, estimados a partir de modelos atmosféricos globais. Eles mostram que o ar mais limpo do Brasil se encontra em estados litorâneos do Nordeste, como Bahia, Sergipe e Pernambuco, onde a concentração de material particulado fino (MP2,5) foi inferior a 7 µg/m3 em 2024. O MP2,5 consiste em pequenas partículas suspensas no ar, sendo um dos principais poluentes atmosféricos. O MP2,5 está presente na fumaça emitida pela queima de combustíveis fósseis e de biomassa. “O material particulado fino (MP2,5) é composto por partículas microscópicas presentes no ar, que representam uma das formas mais nocivas de poluição atmosférica e oferecem riscos à saúde da população”, explica Luiz Augusto Toledo Machado, professor visitante da USP e membro da equipe MapBiomas Atmosfera. Em Rondônia e Mato Grosso, os estados que apresentaram as maiores concentrações de material particulado fino do Brasil em 2024, a média anual de MP2,5 foi estimada em 42 e 30 µg/m3, respectivamente.
“De forma geral, a poluição do ar na região Norte foi mais intensa do que em áreas fortemente urbanizadas da região Sudeste em 2024. A baixa qualidade do ar em estados amazônicos tem relação direta com a fumaça dos incêndios florestais, que ocorrem principalmente na estação seca do bioma, entre julho e setembro, quando as chuvas diminuem de 250 mm/mês para 100 mm/mês, aproximadamente”, esclarece Luciana Rizzo, professora da USP e integrante da iniciativa do MapBiomas Atmosfera.
O clima mais seco favorece a ocorrência de fogo. Em 2024, choveu 448 mm (-20%) abaixo da média do bioma, enquanto a temperatura ficou 1,5oC acima da média. Em alguns locais da Amazônia, a anomalia de precipitação atingiu -1000 mm/ano. A diminuição das chuvas contribuiu para o aumento da área queimada, que atingiu 15,6 milhões de hectares no bioma em 2024. A fumaça dos incêndios contém MP2,5, cuja concentração alcançou uma média anual de 24,8 µg/m3 em 2024.
No pico da estação do fogo, em setembro, a área queimada na Amazônia atinge dois milhões de hectares, em média. A concentração média de MP2,5 pode chegar a 43 µg/m3 nessa época do ano. Por outro lado, na época das chuvas, as concentrações de MP2,5 ficam abaixo de 15 µg/m3 na Amazônia.
“Esses números são valiosos para compreender e gerir a qualidade do ar, apesar de não poderem ser tomados de maneira absoluta. Eles indicam a presença de plumas de poluição, áreas e períodos críticos, comportamentos temporais de concentração e dispersão de poluentes, entre outros, o que pode auxiliar na identificação dos problemas de poluição e no desenho de soluções”, diz David Tsai, gerente de projetos do IEMA responsável pela Plataforma da Qualidade do Ar, que reúne os dados de monitoramento da qualidade do ar gerados por estações de medição em solo dos órgãos estaduais de meio ambiente. “Porém, é importante lembrar que atualmente os dados de satélite e modelagem não têm a acurácia necessária para aferir o cumprimento de padrões de qualidade do ar”, ressalta.
Em 2024, os estados da região Norte registraram déficits de precipitação, com destaque para Rondônia, onde choveu 648 mm (36% abaixo da média histórica entre 1985 e 2024). Os estados com menor número de dias chuvosos foram Sergipe, Pernambuco e Alagoas, variando entre 266 e 272 dias sem chuva. Se por um lado choveu menos no norte do país em 2024, os estados da região Sul registraram chuvas acima da média, especialmente o Rio Grande do Sul, onde choveu 328 mm (19% acima da média histórica). Em maio de 2024, choveu mais do que o dobro do esperado para o Rio Grande do Sul: foram 370 mm, 150% acima da média histórica. A região serrana do estado registrou volumes de chuva até 500 mm acima da média em maio de 2024.
“Esse padrão de seca na maior parte do Brasil e de chuvas na região Sul é tipicamente observado em anos de fenômeno meteorológico El Niño, resultado do aquecimento anômalo das águas do oceano Pacífico”, explica Luiz Machado.
Enquanto a temperatura do ar tem aumentado sistematicamente em todo o país, a precipitação anual mostra um comportamento mais complexo, com alternância entre períodos secos e chuvosos nos últimos 40 anos em todo o Brasil. Em 2009 choveu 252 mm (+ 14%) acima da média no país. Já 2023 foi o ano mais seco, com chuvas 308 mm (- 18%) abaixo da média, quando se registrou o volume de 1446 mm.
A região do Matopiba, fronteira agrícola do Cerrado, perdeu 27% de áreas naturais entre 1985 e 2024, majoritariamente (99%) para a agropecuária. No Matopiba, a temperatura tem aumentado a uma taxa de 0,32oC por década. A precipitação mostra uma alternância entre períodos secos e chuvosos, com número de dias sem chuva variando de 145 a 210 dias por ano.
No caso da Caatinga, o ano mais quente e seco foi 2023, com temperatura 0,8 oC acima da média histórica e precipitação média de 547 mm/ano (27% abaixo da média). A distribuição espacial das chuvas no bioma é desigual, e, em seu interior, foram observadas regiões com precipitação inferior a 300 mm em 2023.
Além das informações mencionadas, o MapBiomas Atmosfera também reúne dados sobre o número de dias sem chuva e a disponibilidade de água no solo — indicadores para a análise do estresse hídrico no Brasil. O sistema ainda apresenta informações sobre dias de chuva persistente, que ajudam a identificar regiões com excesso de precipitação e monitorar áreas vulneráveis a enchentes. Por exemplo, os dados de 2024 mostram anomalia de dias com chuva persistente no Rio Grande do Sul, especialmente entre os meses de abril e junho.



