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Os oceanos e a humanidade

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Lúcia Chayb Diretora eco21.eco.br @eco21_oficial @luciachayb luciachayb@gmail.comPor trinta anos foi a jornalista responsável pela revista ECO21 (1990/2020)

Arthur Soffiati

            Que nos baste os últimos 12 mil anos para definir o perfil dos oceanos. O último período glacial então chegava ao fim. Muitos séculos depois, em 1833, Charles Lyell propôs para a fase recente de aquecimento planetário o conceito de Holoceno. A humanidade já havia conquistado todos os continentes. As orlas oceânicas desempenharam papel fundamental no fornecimento de recursos para povos que se fixaram nelas. Vestígios arqueológicos foram encontrados em todo o planeta na zona costeira. Os sambaquis são evidência clara dessa importância na América.

Primórdios da navegação

            A navegação de pequeno porte não tardou a se desenvolver na zona costeira, já que era praticada em rios e lagoas. Nos dez mil anos do Holoceno, alguns povos desenvolveram a navegação especializada. Supõe-se mesmo que pioneiros no povoamento do continente americano já conhecessem a navegação de cabotagem. Vestígios de ocupação humana nas costas do atual Chile levantam a suspeita de que pioneiros asiáticos se adiantassem aos que atravessavam a pé o estreito de Bering.

Os primeiros grandes navegadores

            No oceano Pacífico, os polinésios desenvolveram a arte da navegação em alto mar, criando o catamarã e os mapas mentais. Eles chegaram à ilha de Páscoa, onde se fixaram e desenvolveram pujante cultura material. Os esquimós se fixaram em torno do Ártico e aplicaram-se à arte de navegar com o caiaque. Ainda em torno do Ártico, os escandinavos (também conhecidos como vikings), aplicaram-se à arte da navegação. Alcançaram toda a Europa, até o mar Mediterrâneo, e o Atlântico norte, até a América. Em toda a extensão de suas viagens por mar, eles fundaram colônias.

Fenícios e egípcios também desenvolveram a arte de navegar. O historiador grego Heródoto escreveu que o faraó Necau II (660 a.C.- 593 a.C.) patrocinou uma expedição fenícia para circundar a África, partindo do mar Vermelho, contornando o cabo da Boa Esperança (que ainda não tinha esse nome), navegando a costa ocidental da África e alcançando o delta do Nilo pelo mar Mediterrâneo. A mesma rota de Vasco da Gama ao contrário. Da colônia fenícia de Cartago, no norte da África, partiu o navegador Hanon, na primeira metade do século V a.C., em direção à costa ocidental da África. Ele deixou um texto sobre a expedição que chegou ao rio Geba, na atual Guiné-Bissau.

Gregos e romanos circundaram todo o mar Mediterrâneo, chegando a sair dele e navegar para o norte da Europa, como revela o texto Orla marítima, de Avieno. Os romanos também legaram o Périplo do Mar Eritreu ou do Mar Vermelho, sobre a navegação entre o leste do Egito e a Índia.

Conquista progressiva dos oceanos

Antes mesmo da expansão marítima europeia, árabes muçulmanos conheciam o oceano Índico palmo a palmo, como mostram os roteiros árabes. Inclusive, um deles ajudou Vasco da Gama a chegar à Índia.

Com ênfase quase ingênua, o historiador Gavin Menzies procura demonstrar que a primeira circunavegação coube ao navegador chinês Zheng He, no século XV, um século antes dos europeus. Por mais esforço que se faça, a tese não se sustenta.

De fato, a Europa Ocidental promoveu, a partir do início do século XV, expedições marítimas de longo alcance, com Luís de Cadamosto e Pedro de Sintra, que deixaram livro com suas navegações. Duarte Pacheco Pereira nos legou um livro enciclopédico não apenas sobre suas inúmeras viagens como também sobre a arte da navegação. Sua contribuição levantou discussão sobre o conhecimento dos mares na Antiguidade greco-romana. As viagens marítimas alcançaram seu auge com as navegações de Cristóvão Colombo (fins do século XV e princípios do século XVI), Vasco da Gama (1498-99), Pedro Álvares Cabral (1500-1501) e Fernão de Magalhães (1519-1522), que, de fato, conseguiu dar a volta ao mundo. Morrendo no caminho, ela foi completada por Sebastião Elcano. Mas que força motivava os europeus, começando com os portugueses, a explorar os mares em distâncias nunca antes conseguidas? A economia de mercado. Não foi o desejo de aventura nem de converter os povos pagãos, embora esses desejos tenham acompanhado os navegadores. Foi o interesse pelas especiarias, por pedras preciosas, por escravos e outras fontes de lucro, como fica claro no Tratado breve dos rios de Guiné do Cabo Verde, na Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné e do Cabo Verde e vários outros mais.

Caravela portuguesa

A globalização dos oceanos

O olhar do ocidente distinguia-se nitidamente dos demais. Foi navegando que os europeus chegaram às costas da África para comprar escravos, ouro e marfim. Foi navegando que eles criaram, pela força dos canhões, bacamartes e pistolas, colônias na Ásia para controlar o comércio das especiarias. Da mesma forma, chegaram à América para obterem ouro, prata e pau-brasil. Os oceanos passaram a ser singrados com frequência progressiva a partir do século XV, embora as embarcações não tivessem capacidade de alterá-los significativamente com poluição física, química e biológica. Mas foi a primeira etapa para outra mais agressiva.  

A partir da segunda metade do século XVIII, os lucros obtidos nos três séculos anteriores permitiram a modernização das embarcações. Os oceanos são agora singrados por navios movidos à energia fóssil, contribuindo para a extração de carvão mineral e petróleo, gerando gases poluentes, poluindo as águas, extraindo delas volume maior de pescado que sua capacidade de reprodução etc. Começou-se com as caravelas, passando pelo navio a vapor até chegar ao submarino nuclear.  

Primeiro navio a vapor

No século XIX, ainda não se tinha plena consciência dessa porção líquida da Terra que representa 3/4 da superfície do planeta, com profundidades que oscilam de 0 a cerca 11 mil metros. Hoje, a história da globalização conduziu à história planetária. Serge Gruzinski é um dos maiores representantes da história da globalização. Dipesh Chakrabarty demonstra que a globalização levou à planetarização. A humanidade volta a se encontrar com a natureza, agora de forma dramática. Pela primeira vez na trajetória da humanidade, as histórias geológica, da vida (incluindo a humana) e das sociedades se encontram. Pode-se tomar como marco da planetarização o envio de astronautas ao espaço.

A planetarização dos oceanos

            A Organização das Nações Unidas tem estimulado a promoção de conferências mundiais para discutir os principais problemas ambientais provocados pela economia de mercado em todo o planeta. A principal delas é relacionada às mudanças climáticas, como se elas pudessem ser isoladas das demais. Deve-se reconhecer, contudo, que as mudanças climáticas parecem afetar mais a humanidade que outras questões, como a extinção de espécies, a poluição do ar, a aceleração do ciclo de nitrogênio e fósforo, a destruição de florestas, o comprometimento da água doce etc. De fato, as chuvas intensas, as temperaturas progressivamente elevadas, os incêndios, as tempestades de vento são mais facilmente percebidos. As Conferências dos Oceanos não têm merecido a mesma atenção.

Sabemos onde está o mar, porém pouco sabemos dele. Ignoramos que os oceanos são as grandes usinas de oxigênio e reservatórios de gás carbônico da Terra. Poucos sabem que a vida começou no mar. Poucos conhecem a importância dos oceanos e dos danos que eles estão sofrendo. Muita água continental poluída está indo para o mar. Os oceanos estão tomados de lixo plástico. Mesmo nas ilhas e praias livres, ou quase, de pés humanos, o onipresente plástico está lá. Verdadeiras ilhas móveis de plástico se formaram no meio dos oceanos. Esse lixo mata peixes e tartarugas. Aos poucos, a matéria se degrada e se transforma em microplástico. Quem pensa que ele não atinge as pessoas se engana, pois a decomposição vai adiante e se transforma em nanoplástico. Ingerido pelos peixes, ele retorna nos alimentos humanos.

Lixo plástico em praia da África

A gravidade é maior. Os oceanos estão saturados de carbono e cada vez mais ácidos. As geleiras estão se derretendo por conta do aquecimento global e elevando o nível dos mares. As ressacas estão mais enfurecidas e castigam as zonas costeiras. Segundo estudo australiano de 2021, apenas 15,5% da zona costeira, cerca de 160.000 quilômetros, estão intactos. Os outros 74% estão densamente ocupados. Daí a elevação do nível do mar e o recrudescimento das ressacas estarem causando tanta destruição. Em setembro de 2025, um relatório do Instituto Potsdam demonstrou que 7 dos 9 limites críticos do sistema terrestre já foram ultrapassados. Os oceanos entraram na lista. Tanto quanto as florestas, eles (em maior proporção por se estenderem mais que os continentes) produzem oxigênio e absorvem gás carbônico, causando a acidificação e o aquecimento das águas. Os corais são os primeiros afetados e tendem a morrer. Os corais estão na base das cadeias alimentares. Deles dependem moluscos, artrópodes e peixes. Não apenas a carbonização ameaça os oceanos, mas também o aumento do seu volume causado pelo derretimento das grandes geleiras e pela dilatação de moléculas de água. 

As Conferências dos Oceanos almejam a proteção de, ao menos, 30% deles. Os países com litoral marítimo pleiteiam fronteiras de 200 milhas dos oceanos a partir da zona costeira. Argumenta-se a necessidade de proteção territorial e ambiental. A primeira se sustenta. A segunda é discutível. Cada país deseja mais explorar suas riquezas minerais e animais do que a proteção dos ecossistemas.

Os defensores dos oceanos pleiteiam o fim do arrasto de fundo, com a prática de uma pesca baseada em estudos científicos. Sabemos muito bem que economia e ciência não se entendem muito bem. Reivindica-se a proibição de novas explorações de petróleo e de gás na plataforma continental. Nenhum empresário do petróleo e nenhum governo estão dispostos a abdicar dessa exploração.

Como tem acontecido nas conferências mundiais de proteção ambiental, princípios ambiciosos são anunciados e compromissos grandiosos são assumidos. Mas a situação dos oceanos continua a piorar. A última Conferência Mundial sobre a fabricação e disposição de objetos plásticos, promovida pela ONU, na Suíça, em agosto de 2025, resultou em imenso fracasso. Países produtores de petróleo e plástico a sabotaram.

Enfim, a economia de mercado aceita discutir os problemas ambientais e sociais que afetam o planeta, firmam compromissos até ambiciosos, mas voltam para casa e retomam suas atividades normais. As medidas de restauração do planeta caminham a passos lentos em relação às medidas de destruição, ainda muito aceleradas. Matar os oceanos é matar a própria economia que os mata. Talvez só na beira do precipício essa economia decida reduzir sua voracidade.

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