por Wagner Victer
A energia eólica offshore terá um espaço importante na matriz energética e que, portanto, merece atenção e estratégia de apoio
Quando em 1999 assumimos a Secretaria Estadual de Energia, da Indústria Naval e do Petróleo do Rio de Janeiro, participamos do debate nacional sobre a clara necessidade da diversificação da matriz elétrica brasileira, então fortemente amparada em hidrelétricas que operavam em níveis próximos a 90%. Restou claro que teríamos novos desafios à frente e, de fato, já enfrentávamos questões que originaram a crise de oferta que se consolidou em 2001.
Na ocasião, quando pensávamos em viabilizar novas fontes de geração, sempre esbarrávamos na questão dos custos envolvidos e a serem repassados ao consumidor. Muitos pessimistas apontavam a impossibilidade da mudança, diante das tradicionais regras de despacho em comparação à de projetos de geração já amortizados e, portanto, de baixo custo.
Na busca de novos caminhos, lembro de análises como a do então ministro de Minas e Energia Rodolfo Tourinho, e a do deputado federal José Carlos Aleluia, das quais concebemos uma das soluções mais efetivas: a lei 10.438/2002, que criou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), muito criticado à época. Foi também quando criamos a aquisição compulsória de 3.300 MW de energia, divididos entre Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), biomassa e eólicas, com 1100 MW para cada fonte.
Com os estudos para os projetos eólicos em terra, e diante dos desafios encontrados e das discussões que tivemos sobre as microlocalizações no país, dominamos plenamente o tema, com empreendimentos prioritariamente vocacionados para o Nordeste, que, aliás, era então um dos subsistemas elétricos mais frágeis do sistema interligado do país, em especial devido às limitações que de linhas de transmissão e também pela baixa capacidade de geração local, já que, naquele momento, os projetos de termeletricidade a gás ainda não estavam plenamente desenvolvidos.
Os seminários que elaborávamos no Rio de Janeiro para consolidar as eólicas eram amparados pelo professor Geraldo Tavares, da UFF. Quando desenvolvemos o importante Laboratório de Energia de Ventos (LEV), nossas ideias poderiam parecer futuristas e até impossíveis de serem desenvolvidas, mas totalmente necessárias e pertinentes, se olharmos o estágio atual da energia eólica no país e no mundo.
O fato é que aquela estratégia foi de sucesso. O desenvolvimento das diversas vertentes e fontes de energia sempre envolvem uma fase inicial de maturação e de aprendizado, em escala mínima incentivada, fatores que tiveram que ser compreendidos através do Proinfa. Estes desafios são os que vivenciaremos para desenvolver as oportunidades voltadas à energia eólica offshore que, por analogia, também merece estratégia própria.
Neste novo momento, o questionamento que muito se faz é: por que desenvolver projetos eólicos offshore diante do potencial de ventos e de áreas planas, baratas e abundantes no país, aptas a receber projetos com Capex e Opex muito mais favoráveis do que aqueles desenvolvidos no mar e, logicamente, com uma complexidade já vivenciada por uma curva de aprendizado próprio, com preços bastante competitivos obtidos em leilões?
Essa questão já avançou em outras localidades, especialmente onde as crises energéticas internacionais têm feito estragos. Nisso, se destacam alguns países da Europa, continente berço da energia eólica e também offshore, especialmente Inglaterra e Alemanha, que desenvolvem essa fonte não somente voltada a atender aos princípios sustentáveis derivados do Acordo de Paris, firmado no âmbito da COP21, mas, principalmente, em função da crise energética acirrada pelo conflito Rússia/Ucrânia.
Na mesma linha, tramita o projeto de lei 576/2021 do senador Jean Paul Prates (PT-RN), relatado pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), ambos parlamentares qualificados, que traz contornos positivos do ponto de vista da retirada de uma série de obstáculos burocráticos para tais empreendimentos, até porque um investimento nessa área envolve uma série de atores, não só os tradicionais como MME, ANEEL, CNPE, ONS, mas também a própria Marinha e a SPU, por avançar para o mar territorial (até 12 milhas náuticas), e até a posterior Zona Econômica e Exclusiva (até 200 milhas náuticas).
Aliás, a consolidação de um marco legal que seja derivado de uma lei aprovada pelo Congresso Nacional – e não somente através de atos do executivo via decretos federais como o 10.946/2022 e por atos normativos regulatórios por agências reguladoras – reduz os riscos institucionais para investidores e favorece a captação de seus financiamentos.
Favorece também essa conjuntura local o fato de que empresas de produção de petróleo offshore no Brasil e do exterior que aqui já operam e que já estão apoiados por uma série de instalações portuárias estão, de forma estratégica, começando a dar atenção total à projetos desse tipo, em alguns locais com total sinergia com as atividades existentes como, aqui no Rio de Janeiro, acontece no Porto do Açu. Nesse cenário, empresas como Equinor, Shell e a própria Petrobras apontam forte interesse para o tema na esteira de se consolidarem também como “empresas de energia sustentável”.
Da mesma forma, as eólicas offshore acabam sendo uma grande oportunidade para o desenvolvimento econômico e geração de milhares empregos ao país, pois temos um conjunto de estaleiros com baixa ocupação e até empresas de fabricação de equipamentos pesados de caldeiraria com grande expertise próximas ao mar, como o caso da Nuclep, em Itaguaí. Especialmente as torres estruturais (não os aerogeradores, que na potência necessária para projetos offshore deverão vir do exterior) podem ser facilmente, do ponto de vista logístico, serem fabricadas aqui e levadas ao local de instalação.
Nesse tema, aliás, o Brasil já teve uma larga experiência nesses tipos de instalações no mar, obtida na primeira fase de desenvolvimento da Bacia de Campos e também com o posterior Polo Nordeste, quando os sistemas de produção eram baseados em plataformas fixas, normalmente operando em lâmina d’água da ordem de 100 metros e utilizando sistemas como as chamadas jaquetas, estruturas metálicas, até mais complexas, instaladas e estaqueadas no fundo do mar.
A produção das torres das eólicas offshore certamente será algo que deve estar vinculado à indústria brasileira e, logicamente, também associada a programas que derivem de legislação ou de apoio governamental para que tais projetos recebam (ou pelo menos deviam receber) incentivos no seu início.
Ademais, a produção de energia eólica no mar arrasta um grande potencial de outras externalidades para o desenvolvimento associado de outras energias, como o chamado hidrogênio verde, que pode ser derivado de parte da energia produzida por eólicas offshore, o que certamente deve ser algo também fortemente induzido em legislações e eventuais programas que venham a incentivar ou dar subsídios em moldes semelhantes ao que estabeleceu o Proinfa no passado.
Trabalhos importantes já estão sendo desenvolvidos e devem ser lidos por aqueles que pretendem conhecer o potencial do setor, como o Roadmap Eólica Offshore do Brasil, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) no ano de 2020, que disponibiliza dados fundamentais de cenários e que aponta para um potencial para instalação de 700 GW em prismas energéticos que tenham em lâminas d’água até 50 metros, que são rasas, até porque quando mais profundas, maiores os custos necessários para investimento, além de sobrecarregar os sistemas logísticos de apoio que envolvem uma operação desse tipo.
As vantagens da energia eólica offshore devem ser parametrizadas em relação aos maiores custos de investimentos como a fundação e operação, mas que tendem a ser fortemente compensados pelo maior potencial de geração graças à melhor constância de ventos e à possibilidade da instalação de aerogeradores com maior potência unitária, que em breve chegarão a 10 MW e, com isso, podem proporcionar ganhos de escala e de eficácia ao arranjo do parque.
É fato, porém, que sistemas de proteção catódica, fundações submarinas, subestações elétricas offshore centralizadoras e os custos de instalação e operação dos cabos submarinos ainda não estão plenamente definidos na curva de aprendizado do país. A proximidade desses projetos em lâminas d’água menos profundas e, portanto, próximas à costa, reduz os custos de conexão e potencial de perda na transmissão, facilitando a operação em sistemas de corrente alternada e não de corrente contínua, o que é aspecto analisado favorável em nosso litoral.
Nosso país tem um arranjo geoelétrico com centros de consumo de carga muito próximos à costa, e com potenciais já identificados por mapeamento próximo a estes, que certamente é bastante favorável ao desenvolvimento desses projetos em estados da região Sudeste, interligando com subsistema elétrico Sudeste/Centro-Oeste.
Assim, tal qual no Proinfa, a tendência é que o governo federal, em um primeiro momento e através de um novo programa de incentivo, possa inserir uma quantidade a ser adquirida de energia, logicamente associada à externalidades como um disclosure para projetos de desenvolvimento tecnológico no Brasil e a incorporação de fabricação nacional, em um potencial da ordem de 1 GW, o que, certamente, a partir de um leilão, e com incentivos que empresas produtoras de petróleo, não se afastaria dos custos de geração em muito dos valores adquiridos de leilões de energias convencionais.
É claro que o incentivo a ser elaborado nesse primeiro lote deveria também buscar economicidade, até para se associar fortemente às exigências de externalidades como a de conteúdo local, disponibilização tecnológica para universidades locais e até associação à produção de outras fontes como o hidrogênio verde. Na mesma linha de incentivo inicial os projetos eólicos no mar deveriam também estar liberados de diversos custos, inclusive dos pagamentos de outorgas previstas na legislação em discussão e até ter um tratamento de licenciamento ambiental diferenciado pelo Ibama, até porque essas estruturas metálicas submarinas, dependendo do seu projeto, funcionam como autênticos berços para a vida marinha.
Mesmo diante dos desafios tecnológicos para instalação dessas estruturas marítimas, que como disse, são similares aos superados pelo país no passado, o fato é que a fabricação de estruturas metálicas e instalação no mar requer equipamentos de movimentação e instalação caros e normalmente mobilizados por empresas de grande porte em especial as oil companies.
Posto isso, podemos afirmar que a energia eólica offshore terá um espaço importante na matriz energética brasileira no futuro e que, portanto, deve merecer uma atenção e uma estratégia de apoio muito importantes no início, como as que implementamos no passado.
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- Publicado originalmente na Revista Brasil Energia